Se por um lado, os campos de palmas estão sendo devastados e faltam políticas públicas que fortaleçam a criação de raças nativas, por outro lado, nem tudo está perdido devido a rápida organização local.
No Curimataú, região que faz parte do território da Borborema, no Semiárido paraibano, as famílias agricultoras enfrentam – além da seca, da pandemia e da ausência de políticas públicas – a devastação completa de campos de palmas pelo avanço da cochonilha de carmim. Sem as palmas, se reduz muito a oferta de forragem no período de seca, uma vez que são fundamentais na estratégia de estoque de alimentos para os animais.
Na região, a principal atividade econômica das famílias agricultoras é, justamente, a criação animal. A agricultura é mais para consumo próprio. “Plantamos mais o milho resistente [milho crioulo]. Quando não dá o milho, dá a palha para a gente fazer a silagem”, conta a agricultora Verônica de Macena, da comunidade Palmas, no município de Solânea. “Aqui, sem criação, a gente não vive. E a criação é um pouco de tudo: ovelha, gado, aves e caprinos.”
“A palma ajuda muito os animais. A gente corta e dá junto à silagem para os animais no tempo da seca”. Como a palma tem bastante água, Verônica conta que a inclusão dela na dieta dos animais diminui muito a oferta de água. Parte da renda da família de Verônica vem da venda do leite e dos produtos derivados, como queijo e doce, que são comercializados na feira agroecológica de Solânea e na Quitanda da Borborema no mesmo município.
Além da palma, que já foi atingida pela cochonilha de carmim, mas sem ainda comprometê-la completamente, Verônica e o marido Luís fazem silagem com palha do milho e com o milho sorgo. “Todo ano, a gente faz silos. Em 2020, fizemos três de 10 metros de comprimento por dois de largura cada”, explica. O estoque do ano passado, feito entre os meses de julho e agosto, está quase acabando. Dos três silos, resta o último que já está na metade.
“Antes, a gente só ouvia falar da cochonilha” – Apesar de ter chegado na Paraíba em 2010, só no ano passado foi que a cochonilha atingiu os plantios de palmas no município de Solânea. “Antes, a gente só ouvia falar da cochonilha na reunião da AS-PTA. Não sabia nem como ela era”, anuncia a agricultora que, antes de perceber a infestação nos seus campos, soube que a praga acabou com dois campos de palma – um com 10 anos e outro com quase 30 – na comunidade Salgado dos Souza, a cerca de seis quilômetros de onde vivem.
“E como diz o ditado, quando a barba dos outros começa a arder, a gente já põe a nossa de molho, não é mesmo? Quando soubemos disso, ficamos atentos ao nosso campo. Recebemos a orientação que, se visse uma pintinha branca na palma, passasse logo o dedo, se saísse uma mancha vermelha, era a confirmação da cochonilha. E meu marido achou e ficamos logo preocupados. Fizemos aguação com sabão neutro, detergente, água sanitária. Também passamos água e óleo queimado. Até que matou nos pés que tinha, mas tem que andar no campo um dia sim e outro não. Estamos aguando e entregando a Deus. Se acabar com a palma, temos que acabar com quase toda a criação”, acrescenta Verônica.
Salvar os rebanhos da seca tem sido o grande desafio das famílias agricultoras que passaram a ter estoques de água, de alimento e de sementes, a partir da implementação das políticas de convivência com o Semiárido. Se, antes, as estiagens devastavam vidas humanas, nas últimas secas, têm deixado rastro de carcaças de animais pelo Semiárido.
“Além de assegurar o que já conquistamos de políticas de convivência com o Semiárido, as famílias estão num esforço enorme para garantir também a alimentação do rebanho. A gente percebe a ausência do Estado na construção de políticas de convivência com o Semiárido não só da descentralização do acesso à água, mas também uma política que trate das raças nativas e, ao mesmo tempo, da preservação da Caatinga e das plantas nativas forrageiras”, denuncia Roselita Victor, agricultora assentada da reforma agrária e uma das lideranças do Polo da Borborema. O Polo congrega 13 sindicatos rurais do território, mais de 150 associações comunitárias, além de uma associação de produtores e produtoras agroecológicos – a EcoBorborema – e uma cooperativa – a CoopBorborema.
Borborema Agroecológica – Em 2020, o Polo da Borborema iniciou, em sete municípios do território, o projeto Borborema Agroecológica no ambito do projeto regional Gestão de Conhecimento para a Adaptação da Agricultura Familiar ao Câmbio Climático (INNOVA-AF). Borborema Agroecológica pretende, por meio da disseminação de inovações sociotécnicas e de processos de gestão do conhecimento, contribuir com o fortalecimento da capacidade de adaptação da agricultura familiar do semiárido brasileiro às mudanças climáticas. Durante as atividades comunitárias realizadas, adaptando-se às normas sanitárias da pandemia, teve-se a oportunidade de debater e construir estratégias coletivas para construção de soluções para os problemas que a família de Verônica e Luís apontam.
Na reunião realizada na comunidade da família, os participantes chegaram a fazer uma analogia do enfrentamento da cochonilha com a do coronavírus: “A cochonilha chega como o coronavírus, não vemos e quando percebemos, o campo de palma está contaminado. E como no coronavírus, eu tenho que cuidar do meu campo para cuidar também do vizinho, não dá para fazer sozinho”, afirma Sebastião Santos, uma das lideranças da comunidade.
Duzentas famílias envolvidas no Borborema Agroecológica receberam raquetes de palmas resistentes à cochonilha do carmim para plantar novos bancos de palmas, além de mudas de plantas forrageiras para diversificar a composição das silagens oferecidas aos bichos.
“No município de Solânea, foram distribuídas 25 mil raquetes de palma orelha de elefante e da palma mão de moça ou baiana. Cada família recebeu de 800 a mil raquetes. Nos outros municípios, a entrega por família foi de 500 a 600 raquetes”, comenta Felipe Teodoro, assessor técnico da AS-PTA para o tema de criação animal desde 2008. A AS-PTA oferece assessoria técnica e apoio aos processos organizativos do Polo da Borborema.
Ao receber as raquetes, as famílias beneficiadas firmaram um compromisso: Quando a palma estiver dando corte, o que deve acontecer em um ano e meio a dois anos, eles devem doar a mesma quantidade de palma que receberam para outras famílias que ainda não têm essa variedade resistente.
Verônica e o marido Luís já tem planos para o campo de palmas resistentes que plantaram em meio hectare aproveitando a terra molhada com um pouco de chuva, porque as variedades recebidas precisam de chuva para firmarem no solo, diferente da palma comum que pega até na seca.
“Em 2022, vamos tirar algumas raquetes para plantar novamente. Assim, no próximo ano, vamos ter raquetes para doar e mais algumas para ampliar ainda mais o nosso campo”, planeja. “A palma tá bonita. Se em junho cair chuva, melhora mais um pouquinho”, diz ela torcendo para que em junho e julho, “meses que gosta mais de chover” na região, caia água do céu.
Além da palma – “Associada ao plantio da palma, a gente vem conversando com as famílias sobre a diversificação da forragem, como o cultivo consorciado de outras plantas como as leguminosas – leucena e moringa – e as cactáceas – xique-xique e cardeiro – e tantas outras plantas que são importantes para a alimentação animal”, explica Felipe.
E para favorecer o estoque de alimentos, a AS-PTA reforçou a quantidade de máquinas ensiladeiras que ficam disponíveis para uso coletivo nas comunidades do território. “Pelo projeto Borborema Agroecológica, compramos mais seis máquinas, que foram distribuídas nos municípios que fazem parte da iniciativa: Solânea. Remígio, Esperança, Areial, Lagoa Seca e Queimadas. E também entregamos 3000 sacos para que as famílias experimentem outra modalidade de armazenamento de forragem, além do silo trincheira, que já estão bem habituados a fazerem”, acrescenta Felipe.
Sem políticas públicas que oferecem apoio às famílias que produzem os alimentos que vão para mesa dos/as brasileiros/as do campo e da cidade, o jeito é construir políticas a partir das comunidades. O projeto Borborema Agroecológica é apoiado pelo Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), ligado à Organização das Nações Unidas (ONU), e o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA).