Rede com sete pontos de venda vive seu primeiro ano justo na pandemia e saldo é positivo. Daqui para frente é transformar desafios em superação.
Cerca de um ano e meio após a inauguração das Quitandas da Borborema, o Polo da Borborema e a AS-PTA se organizam para iniciar um novo ciclo desta iniciativa. Após dois anos de apoio, se encerrou o projeto que concretizou o sonho das famílias agricultoras de terem espaços fixos de venda.
O Ecoforte – Programa de Fortalecimento e Ampliação das Redes de Agroecologia, Extrativismo e Produção Orgânica – possibilitou a instalação da estrutura das cinco unidades fixas municipais, da unidade móvel e da regional, que funciona na zona rural de Esperança, na sede da AS-PTA.
A criação destes canais de venda, conectados em rede, possibilitou que mais famílias agricultoras conseguissem renda com a comercialização do que produzem e que outras aumentassem a receita.
“Conseguimos ampliar o escopo da produção porque saímos daquele grupo de agricultores que estavam na feira e começamos a identificar novas famílias que não comercializavam em canto nenhum”, conta Emanoel Dias, assessor técnico da AS-PTA que coordena a execução do Ecoforte. “Conhecemos, inclusive, experiências de jovens e mulheres que, a partir das Quitandas, passaram a aproveitar mais as frutas que se perdiam porque não tinham para onde escoá-las”, acrescenta ele.
“A nossa vida mudou bastante. Se eu tenho muito feijão e não vou comer ele todo, então eu vou também multiplicar para outras pessoas, vendendo. Com a pandemia, a gente sente dificuldade demais. As coisas estão muito caras. E é bom você ter como vender seu produto de qualidade e ter um trocadinho para o próprio sustento da casa”, comenta Anunciada Félix, agricultora agroecológica de Solânea e fornecedora das Quitandas.
O Ecoforte é uma iniciativa proposta pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) para fortalecer as redes agroecológicas territoriais em todo o país. O financiamento dos projetos vem da Fundação Banco do Brasil (FBB), do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do Governo Federal.
Além da instalação das Quitandas, o projeto possibilitou a realização de um conjunto de ações que fortaleceram a comercialização, como as oficinas com agricultores/as com perfil de futuros fornecedores.
“Com a conclusão do Ecoforte, a proposta das Quitandas está só começando. A gente entende que outros projetos vão fortalecer a parte de animação, porque a estrutura física foi toda montada. Para o armazenamento, temos freezers, geladeiras. Para o beneficiamento, cafeteira e suqueira. Temos caixas para transportar material, expositores, mesas e carro para circular os produtos entre as Quitandas”, aponta o técnico da AS-PTA.
Daqui pra frente – “É uma vontade de dar certo, de oferecer os produtos. Isso [as Quitandas] é uma ousadia muito grande: delas [as famílias agricultoras] acreditarem e terem esse espaço para oferecerem seus produtos”, destaca Gizelda Beserra, presidente da CoopBorborema e também da diretoria do Polo da Borborema, jogando luz nos méritos das famílias envolvidas no projeto das Quitandas.
É que para iniciativas como esta acontecer é preciso que muita gente se empenhe e se mobilize. A exemplo dos integrantes das diversas redes de agricultores/as e comissões temáticas do Polo da Borborema. Segundo Gizelda, cada comissão organiza a produção e a oferta de produtos para as Quitandas. É um processo de gestão participativa.
“A Comissão de Sementes organiza a produção de derivados do milho e a venda das sementes. A Comissão de Mulheres fica responsável pela produção e beneficiamento de bolos, polpas e outros produtos”, exemplifica Gizelda.
O envolvimento das comissões e redes do Polo da Borborema – que articula ações em 13 municípios do território, envolvendo mais de 150 associações comunitárias, uma associação regional, a EcoBorborema, e uma cooperativa, a CoopBorborema – é uma estratégia que evita, por exemplo, a falta da oferta de algum produto por não estar sendo colhido ou beneficiado no município sede da Quitanda.
Afinal de contas, os invernos de 2012 pra cá têm tido uma queda no índice pluviométrico de 25% em relação à média histórica da região. “A gente tem buscado garantir a diversidade dos produtos o ano todo fazendo os circuitos de produção”, anuncia Gizelda.
“Por isso que é importante a rede. Sempre tem aquele município, comunidade, família que tem um pouco mais de água estocada e consegue produzir o alimento e oferecer”, acrescenta Emanoel.
Esta questão sobressalta a capacidade produtiva da região como um território com soberania alimentar. Nele, se produz o necessário para prover quem vive nele com uma alimentação em quantidade e qualidade suficientes.
Pandemia, desafio e oportunidade – O tempo de vida das Quitandas é bem semelhante ao período da pandemia. “A gente achou, em vários momentos, que algumas Quitandas poderiam fechar, não só pelo Lockdown, mas pelo próprio desafio de não ter os encontros para planejamento e execução do trabalho. Mas, percebemos também que as Quitandas foram uma oportunidade, uma válvula de escape quando as feiras fecharam”, comenta Emanoel, acrescentando que a pandemia fez aparecer muitas soluções novas como a entrega em domicílio que, em cidades pequenas, não eram comuns e que foi um recurso muito utilizado pelas Quintadas para escoarem a produção.
Mesmo assim, das sete Quitandas, duas municipais – em Esperança e Queimadas – estão fechadas. O que não aponta para um resultado negativo desta primeira fase do projeto, considerando a presença da pandemia e também outro elemento cultural: as feiras ao ar livre como espaços de referência para aquisição dos produtos vendidos nas Quitandas. Todas as cidades em que foram implementadas as Quitandas são de pequeno porte.
Voltando para a seca e a pandemia, como bem disse Emanoel, “são desafios que vão acompanhar os próximos passos das Quitandas. E, somado a elas, ainda tem outro grande desafio para quem se dedica à agricultura familiar agroecológica: a desarticulação das políticas públicas.”
Para superar os desafios, diálogos – Se o contexto é desafiador no âmbito das mudanças climáticas, das políticas públicas, das crises sanitária, econômica e política, há sempre uma luz acompanhando a iniciativa criada para construir novas relações de consumo e de diálogo entre campo e cidade.
Na experiência das Quitandas, um feixe incandescente é a aproximação entre as pessoas que vivem no campo e as que vivem nos centros urbanos. “As Quitandas são uma oportunidade de mostrar o que a agricultura familiar, a agroecologia, é capaz de produzir de diversidade de alimentos e disponibilizá-los para a população urbana. Faço parte de vários grupos de WhatsApp de clientes das Quitandas e vejo como é zelosa e respeitosa a relação entre consumidores e fornecedores.”
Sobre este ponto, Fátima Melo, agricultora de 27 anos, responsável pelas vendas e relação com os clientes e fornecedores da Quitanda de Solânea, tem um depoimento forte: “Hoje em dia, eu sou muito, muito, muito grata ao pessoal do Polo e da AS-PTA porque me tornei outra pessoa, completamente diferente. Eu tinha medo de chegar nos cantos e dizer que era agricultora. Hoje, além de me aceitar como agricultora, tenho oportunidade de conhecer novas pessoas, de ir pra programas de rádio, fazendo a divulgação da Quitanda. Foi o meu primeiro trabalho na cidade e nenhum outro iria me dar tanto motivo de gratidão como a Quitanda tem me dado.”