Na Paraíba, os FRS resistem ao tempo e são muito eficazes para impulsionar a autonomia política e financeira, principalmente, de mulheres e jovens rurais
No território da Borborema, no Semiárido paraibano, os Fundos Rotativos Solidários (FRS) são uma prática antiga e sua aderência à realidade das comunidades rurais a mantém viva até os dias atuais. Os FRS fazem girar recursos financeiros dentro de (e entre as) comunidades. Eles são uma forma muito eficaz de multiplicar um montante acessado via projetos ou é fruto de uma poupança comunitária que, muitas vezes, nasce da boa gestão desse fundo.
Os Fundos Rotativos Solidários na Borborema existem antes do início dos anos 2000. “Hoje, os FRS são super diversificados. Eles financiam de fogões ecológicos, telas e animais, mas também estudos universitários, consultas médicas ou aparelhos dentários. São quase 50 itens já apoiados por esses fundos”, revela Adriana Galvão, da assessoria técnica da AS-PTA.
Para se construir uma leitura coletiva dos Fundos Rotativos Solidários, no último dia 15/06, o Polo da Borborema reuniu lideranças dos sindicatos rurais. Além de 13 sindicatos rurais, o Polo congrega mais de 150 associações comunitárias, uma associação regional, a EcoBorborema, e uma cooperativa, a CoopBorborema.
A intenção do seminário online, que se estendeu por dois turnos, foi refletir sobre o papel e o lugar deste instrumento político-pedagógico nas comunidades. Assim como jogar luz na capacidade que as economias, orientadas por valores éticos, de equidade e de solidariedade, têm de abrir caminhos para a convivência com o Semiárido, melhorando a qualidade de vida das famílias.
Só no turno da manhã, cerca de 18 pessoas de oito municípios compartilharam as experiências práticas do FRS. Entre elas, lideranças mulheres e jovens que testemunhavam as transformações em suas vidas e na realidade comunitária possibilitadas por essa iniciativa.
Símbolo da resistência das comunidades rurais, principalmente em tempos em que as políticas públicas minguaram, esta forma de financiamento promove uma lista imensa de resultados e impactos, como a promoção da autonomia política e financeira, principalmente, de segmentos sociais mais vulneráveis como mulheres e jovens, como também de comunidades.
Diversidade – O monitoramento financeiro desses Fundos, realizado pela AS-PTA desde 2003, indica que no território 3.601 pessoas foram beneficiadas com essa dinâmica e 45 tipos de benefícios distintos foram identificados. Destes, apenas 15 foram apoiados por projetos. Isso significa dizer que 2/3 dos benefícios são criados pelas próprias comunidades a partir de suas necessidades.
Quando se trata do FRS, não só os tipos de benefícios são diversificados. A forma de funcionamento ou a natureza dele também o são. Na apresentação do monitoramento realizado pela AS-PTA, o assessor técnico Ivanilson Estevão, que acompanha a comissão de Alimentação e Saúde do Polo, citou seis modalidades de fundos.
Há fundos que possibilitam a aquisição de bens vivos, como animais e plantas, outros que financiam só um tipo de bem e funcionam como se fosse um consórcio, com contribuição mensal de todos e sorteio do/a beneficiado/a quando o fundo atinge o valor necessário para a compra ou a construção de bens como fogões ecológicos, tela, biodigestor, etc.
Há também a modalidade Consórcio Diversificado que é quando a comunidade desenvolve a capacidade de transformar o fundo em uma espécie de poupança comunitária que pode atender às mais diversas necessidades: subsidiam desde a agricultura, mas também as necessidades mais urgentes como o tratamento de saúde.
Outra modalidade categorizada pela AS-PTA foi o FRS Consórcio Especial, cuja devolução do que foi recebido não acontece em 100% do valor. Isso acontece, principalmente, quando o valor do benefício é muito alto, como é o caso da melhoria nas cozinhas comunitárias, mas não deixa de ser construída a partir da auto-organização e da solidariedade das mulheres. Outra modalidade identificada é o FRS custeio que serve para compra de materiais como sacolas, etiquetas, recipientes, conserto de barracas das feiras.
E há ainda uma categoria de ação coletiva que organiza a Gestão de Bens Comuns, que são as moto-ensiladeiras, bancos de sementes comunitários, bombas de recargas de água, despolpadeira de frutas, unidades de beneficiamento e etc., quando sindicatos, comunidades e/ou grupos informais se juntam para que todos possam se beneficiar de insumos e/ou equipamentos.
Com vida própria – No final de 2019, a AS-PTA e o Polo da Borborema buscaram formas de monitorar as diversas iniciativas de fundos solidários dispersas no território para que pudessem entender o vigor dessa ação nas comunidades.
Em parceria com os sindicatos, monitorou-se 151 iniciativas de Fundos Rotativos Solidários mapeadas pelas lideranças em 11 municípios. A realidade foi surpreendente. Dos FRS encontrados, mais de 56% encontravam-se ativos e continuavam girando para contemplar todo os envolvidos; 26,4% estavam “adormecidos”, como sabiamente nomearam as lideranças, pois seus membros ainda tinham a referência do espaço organizativo, mas por algum motivo, estavam sem se encontrar; e apenas 17% encontravam-se desativados, sobretudo quando todos os seus membros receberam o benefício pelo qual se organizaram.
Quando se levantou o perfil dos/as beneficiados/as, identificou-se que 56,4% eram mulheres adultas, cerca de 19% homens adultos, 14,8% jovens mulheres e 9,7% jovens homens, confirmando a potencialidade desse instrumento por esses grupos sociais.
Para além dos dados quantitativos, os/as participantes no seminário ressaltaram vários elementos qualitativos associados aos FRS, como a geração e troca de conhecimentos, a prática da solidariedade e a capacidade de mobilizar e tirar do isolamento mulheres e jovens, que passam a fazer parte de coletivos organizados a partir da experiência com o fundo.
“Os FRS trazem, para os sindicatos, movimento, riqueza e diversidade. Traz outro olhar das famílias para o sindicato. Traz um sindicato de ‘portas abertas’ porque a gente tem algo a oferecer a partir das dinâmicas da solidariedade, do conhecimento, e promove a partilha dos que têm mais com os que não têm”, ressalta Marizelda Salviano, do sindicato de Esperança.
Roberval Silva, da coordenação da AS-PTA na Paraíba, destaca outros tantos resultados promovidos pelos FRS. “Os fundos promovem o desenvolvimento rural a partir dos sujeitos, fortalecem as associações comunitárias e possibilitam a incidência política. A partir da nossa experiência, influenciamos o [projeto] Cooperar a construir cisternas através dos FRS”. O Cooperar é uma iniciativa do governo da Paraíba voltada, segundo o site do projeto, para a execução de políticas e projetos de desenvolvimento sustentável.
Para conhecer mais a experiência dos FRS, assista ao vídeo Cordel do Fundo Solidário
Conheça a Cartilha do Cordel do Fundo Solidário