“Quando a gente começou a visitar as propriedades, a gente percebeu muitos problemas de verminose. As famílias já tinham usado tantos medicamentos de forma descontrolada, sem orientação, que os animais desenvolveram resistência aos grupos de medicamentos existentes no mercado. E isso é um problema muito sério. Significa dizer que as famílias tendem a não conseguir mais tratar os surtos de verminoses que acontecem todos os anos no período das chuvas”.
O depoimento é de Felipe Teodoro, técnico da AS-PTA que faz parte da equipe que assessora o Polo da Borborema no tema de criação animal. O Polo é um coletivo que reúne 13 sindicatos rurais, mais de 150 associações comunitárias, uma associação regional e uma cooperativa das famílias agricultoras.
Em 2015, a AS-PTA e o Polo iniciaram uma parceria com a Universidade Federal da Paraíba, através do curso de Medicina Veterinária do campus de Areia. Por meio da parceria, eram realizadas visitas dos estudantes e docentes às propriedades, formações presenciais com os/as criadores/as e houve até uma visita das famílias ao hospital veterinário para conhecerem a estrutura e “saber que aquele é um espaço a serviço da sociedade”, como ressaltou Felipe.
Hoje em dia, depois de um ano e três meses de pandemia da Covid-19, essa parceria se transformou numa assistência técnica remota. Foi formado um grupo de WhatsApp entre quem cria, 14 alunos universitários do 2º ao 10º período e a professora Sara Vilar, responsável pelo projeto de extensão. Hoje, o grupo tem mais de 40 participantes que expõem problemas com seus rebanhos e também relatam, com frequência, doenças que acometem as criações das famílias vizinhas que não fazem parte do grupo. “Eu diria que, em 90% dos casos, o grupo tem dado respostas. As famílias têm aprovado com veemência esse serviço”, assegura Felipe.
O grupo funciona assim: Quando um animal apresenta algum sintoma, seus donos mandam fotos ou vídeos dos animais e relatam o que está acontecendo. O pessoal da veterinária faz perguntas para entender melhor o que está acontecendo e o que pode ter ocasionado o problema. “Com o grupo a gente dá uma resposta muito rápida aos problemas. É muito bom pra primeira intervenção. Aí, se for coisas simples, que revelam erros de manejo, a gente orienta sobre. Mas se for algo mais complexo, a gente organiza um dia para fazer a visita e examinar”, explica Osnar Menezes de Lima, aluno bolsista desse projeto de extensão da UFPB.
Em 2020, foram feitas 15 visitas de campo para atender casos mais graves. Quando os casos requerem que o animal seja atendido no hospital universitário, é providenciado o traslado dele e o atendimento é dado.
Segundo Felipe, antes, as famílias consultavam os veterinários de “balcão”. “Em cada município, sempre tem um veterinário conhecido há bastante tempo e ele tem uma farmácia. Quando as famílias chegam na farmácia e relatam os sintomas, o veterinário, sem nem ver o animal, passa algum medicamento. A família compra e aplica. Depois, não tem nenhum fluxo de informação para saber se deu certo ou não o tratamento. Dificilmente, este veterinário vai até a propriedade para analisar o animal, para ver a reação à medicação, exceto em casos em que se paga para receber a visita. Muitas famílias relatavam que os medicamentos não surtiam efeito sobre a doença e que muitos animais morriam.”
Acesso à informação – Osnar conhece bem a realidade das famílias criadoras que se prejudicam por não terem informação. “Eu antes de entrar no curso de medicina veterinária fui um desses criadores rurais e sei bem o que é não ter orientação. Isso inclusive me levou a muito prejuízo com perdas de animais. Me sinto muito feliz ao orientar cada produtor e, após cada visita, saio com muito mais conhecimento pois aprendemos muito com eles também em relação a vida mesmo e a importância da nossa atuação como profissionais extensionistas.”
Para a professora orientadora deste projeto de extensão, Sara Vilar, esta experiência entre alunos, professores e agricultores/as familiares tem sido muito gratificante para todos os envolvidos. “Os alunos ficam muito sensibilizados com a fragilidade dos rebanhos, com a falta de assistência técnica e com o difícil acesso a uma informação correta. A gente nota um compromisso grande nos alunos. Eles crescem como cidadãos e começam a ver o compromisso que a universidade deve ter com a sociedade. Por outro lado, a minha participação no projeto me capacita muito como docente. Porque a gente não pode ensinar com propriedade aquilo que não é da nossa prática”, conta a professora Sara.
Segundo a docente, o projeto tem um potencial enorme até porque ele se propõe a fazer um acompanhamento preventivo de doenças e não apenas tratar só do animal enfermo. “A pandemia atrapalhou um pouco a gente levar mais informação ao produtor com a frequência necessária. Precisamos muito intensificar as ações formativas junto ao produtor rural que tem uma bagagem enorme, mas precisa receber informações básicas quanto à sanidade dos animais.”
Apesar das limitações ao projeto inicialmente planejado, os aprendizados das famílias seguem acontecendo. É que o grupo de WhatsApp permite que uma família acompanhe o que acontece com o rebanho da outra. E vai aprendendo a manejar sua criação caso aconteça algo semelhante. “É um espaço de aprendizado significativo. Por mais que eu não esteja passando por aquele problema, eu sei como agir quando o problema acontecer ou como me prevenir dele”, salienta Felipe. “O desafio principal é que esse tipo de atendimento não consegue dar conta de toda a demanda que existe no território”, acrescenta ele.
“O grupo é muito bom para conversar com os produtores, orientando-os. Tem doenças simples que vêm do manejo e a gente orienta para evitar os erros”, comenta Osnar destacando o potencial dessa ATER remota para a aplicação da medicina preventiva.
Compromisso com a agricultura familiar – Antes de finalizar o texto, não posso deixar de destacar o empenho da professora Sara neste projeto. O pedido desta ressalva foi do próprio Felipe que reconhece o esforço de Sara para atender as demandas das famílias agricultoras. “Ela vai no carro dela [visitar as propriedades], com os custos dela, inclusive nos finais de semana, quando o caso não dá para esperar a segunda-feira”, destaca.
“Eu sempre digo que gosto de gente, de pessoas. Gosto do agricultor e do aluno. O projeto de extensão me permite isso. É muito gratificante poder contribuir, de alguma forma, com a agricultura familiar. Acho muito bonita a forma como os agricultores familiares se organizam, se ajudam. Sou muito feliz por participar deste projeto”, responde Sara.