Com financiamento de agências internacionais, ação ocupa vazio deixado pelo desinvestimento do governo federal no PAA justo no período de aumento da fome
No território da Borborema, as mudanças climáticas vem diminuindo as chuvas, ano a ano, desde 2012. Mas, apesar disso, os roçados e quintais produtivos das famílias agricultoras agroecológicas produzem alimentos em abundância. Tanto é que 60 famílias produtoras forneceram 20 toneladas de produtos beneficiados e in natura para alimentar a outras 1050 famílias de seis municípios da região. A distribuição das cestas com 16 tipos de alimentos foi em 28 de julho, quando se celebra o Dia da Agricultora e do Agricultor.
Desde o início da pandemia, em março de 2020, este é o terceiro mutirão realizado pelo Polo da Borborema, EcoBorborema e AS-PTA e o primeiro com participação da CoopBorborema, que foi criada em janeiro deste ano. Os recursos para a compra dos alimentos e doação imediata foram fornecidos por duas agências da cooperação internacional parceiras: a ActionAid e o terre des hommes schweiz (TdH).
Vale destacar que a compra de alimentos da agricultura familiar para a doação simultânea, no Brasil, era política pública e representava uma das modalidades do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), executado com recursos públicos.
Em 2020, o governo federal destinou para o PAA R$ 500 milhões, quando a reivindicação dos movimentos e organizações sociais que atuam no fortalecimento da agricultura familiar era de R$ 1 bilhão. Do total liberado, praticamente a metade – R$ 240 mi – não tinham sido gastos até 19 de abril deste ano, quando o portal Brasil de Fato fez a denúncia. Segundo a reportagem, em 2021, o valor prometido pelo governo federal foi ainda mais irrisório: R$ 101 mi diante de um pleito de R$ 1bi.
Segundo Roselita Victor, uma das lideranças do Polo e agricultora assentada da reforma agrária, o Brasil sofreu perdas muito graves com relação às políticas públicas na área de soberania e segurança alimentar de 2016 até hoje. “Foi extinto o programa de convivência com o Semiárido, o PAA e mais uma série de políticas de enfrentamento da fome. Ao mesmo tempo, foi extinto o Consea Nacional [Conselho Nacional de Segurança Alimentar] que tinha uma influência muito forte no debate do tema. Então, há um desabastecimento não só de alimentos, mas também de uma ausência grave de políticas que possam favorecer que as pessoas mais pobres tenham condições de comprar ou cultivar alimentos.”
Se o Brasil tivesse com as políticas públicas de segurança alimentar funcionando com recursos suficientes para atender a demanda, a agricultora Nina Silva, que mora no município de Montadas, não tinha dividido a cesta que ganhou no último dia 28 com mais duas famílias: a da mãe e de uma vizinha, tão necessitadas quanto a dela. “Estava precisando mesmo. Fiquei tão feliz, achei a feira tão boa, tinha tanta coisa. Ela serviu para mim e para mais duas pessoas. Graças a Deus eu fiquei feliz e elas ficaram também.”
Solidariedade agroecológica – Mesmo não tendo o mesmo alcance das políticas públicas, toda vez que é organizada uma ação de doação de cestas na Borborema paraibana, acontece um verdadeiro milagre da multiplicação dos alimentos, como aquele registrado na Bíblia. Um milagre de gente com corações solidários e em locais onde se pratica a agricultura familiar agroecológica. “Isso mostra pra gente que podemos ter territórios que constroem a soberania alimentar, sustentada na produção agroecológica e com alimentos livres de transgênicos e agrotóxicos”, destaca Roselita.
Desta vez, a média de famílias envolvidas foi de uma fornecedora para 17,5 recebedoras. As 20 toneladas de alimentos foram compradas e reunidas no galpão do Banco Mãe de Sementes, um espaço conquistado pelas famílias agricultoras agroecológicas do território da Borborema a partir de muita luta das suas organizações. Com a entrega dos alimentos, foi a vez de dar conta da montagem das cestas por meio de um mutirão que envolveu cerca de 30 pessoas em 02 dias de trabalho, sem contar com o cuidadoso trabalho de 10 jovens que cuidaram de embalar os grãos de feijão e fava.
Produtos de toda sorte – Flocão e Fubá da Paixão, produzidos a partir do milho crioulo livre de transgenia e de agrotóxicos, fato bem raro no Brasil invadido, de norte a sul, pelas lavouras de milho transgênico. Nas cestas, também tinha outros produtos beneficiados, principalmente, pelas mãos das mulheres agricultoras: bolos, beijus, pés de moleque, polpa de frutas e farinha de mandioca. E também tinha raízes que são a base da cultura alimentar nordestina como a macaxeira e a batata doce. Além do jerimum, feijão, fava, arroz da terra, laranja, abacate, banana. Cada cesta, também tinha máscaras e produtos de higiene para a família se prevenir da Covid-19.
Quem participa de uma ação como essa sempre sai diferente. E com o coração grato pela oportunidade de fazer parte. Andressa Marques, que chegou há pouco na Rede de Mulheres e Beneficiamento ligada ao Polo da Borborema, forneceu alguns dos bolos. Todos foram feitos com o apoio do marido, um companheirismo novo dentro de casa. “Quero agradecer a oportunidade. Foi recompensador ter ao meu lado meu esposo lavando assadeiras e me auxiliando na produção. Isto reforça o nosso trabalho enquanto grupo de mulheres que busca a igualdade do casal.”
Em 2020, o Polo, EcoBorborema e AS-PTA – distribuíram 2,9 mil cestas. O Polo reúne 13 sindicatos rurais dos municípios situados no território e mais de 1,2 mil associações comunitárias, além de ter uma associação regional, a EcoBorborema, e uma cooperativa, a CoopBorborema.