No 9º ano consecutivo de seca e com metade da chuva registrada em 2020, o algodão é uma das únicas culturas que vai gerar renda para as famílias do Curimataú este ano
Risonaldo Ferreira dos Santos, 45 anos, agricultor familiar nascido e criado em Solânea, na microrregião de Curimataú na Paraíba, acabou de colher a única cultura de sequeiro que vingou com mais força neste ano de poucas chuvas: o algodão. Em um hectare e meio, foram colhidas 120 kg de rama. Ano passado, em um hectare, a safra foi praticamente 10 vezes maior – 1.112kg de rama. É que as chuvas de 2021 foram a metade do que caiu no ano passado: 216ml e 445ml, respectivamente.
“Algodão com pouca chuva, produz”, atesta seu Riso como é conhecido desde menino quando ainda nem tinha o ‘Seu’ antes do nome. Das variedades de feijão que plantou em regime de consórcio com o algodão, só colheu o suficiente para ter semente para semear o solo em 2022.
“Consegui semente de feijão carioca, um pouquinho de macassar e feijão rolinha. Não consegui milho, só um pouco de palha para dar para a criação.” E os grãos para comer? “Vou precisar comprar fora. Esse é o problema”, lamenta ele que vive com a esposa Maria da Vitória (34) e seus três filhos: Raelson de 14 anos, Maísa, 12, e Mayra, 5, no Sítio São Luis.
“O inverno vem difícil desde 2012. O último ano que choveu bem foi de 2011. De lá pra cá, só pinga-pinga”, continua ele, explicando que considera uma chuva boa quando cai do céu 600 a 700mm ao ano, porque dá pra encher o barreiro da propriedade. Com a água acumulada nesse barreiro, junto à reserva que está nas cisternas de primeira (16mil litros) e segunda águas (52mil litros), a família consegue assegurar uma boa produção no roçado e no quintal de casa e dessedentar os animais: umas cabeças de boi, porcos, galinhas.
Segundo Renata Paula Almeida, assessora técnica da AS-PTA que acompanha o plantio consorciado agroecológico do algodão junto às famílias associadas ao Polo da Borborema, este ano, 79 famílias das 145 cadastradas, de oitro municípios, se organizaram para produzir a cultura, numa área total de 84,3 hectares. Já em 2020, foram mobilizadas 110, de sete municípios, mas só chegaram a preparar o solo e lançar nele as sementes do ‘ouro branco do Sertão’ um pouco menos que 70 famílias.
“A pandemia tem prejudicado o processo de mobilização e acompanhamento das famílias”, ressalta ela. “Mas, apesar do desafio, estamos conseguindo tecer os diálogos com elas, por whatsapp, e a partir da Comissão de Sementes da Paixão do Polo. A gente está trabalhando com famílias que já fazem parte da nossa base”, complementa Renata.
“Pra este ano, sendo otimista, a expectativa da produção é de 50% de 2020. Só vamos saber mesmo quando juntar toda a produção para o beneficiamento [quando se retira a fibra da rama, expele as sementes e só deixa a pluma]. Faltou chuvas no período mais importante, que é antes da floração. Depois que flora, o algodão tem mais resistência para produzir mesmo que esteja com porte pequeno”, explica a engenheira agrônoma.
“Chovendo abaixo da média, é o algodão quem salva”, assegura Riso com experiência de quem vive do que a terra dá desde pequeno. De fato, o desempenho do algodão está chamando a atenção das famílias agricultoras e das instituições de apoio, como a AS-PTA e o Polo da Borborema, que agrega 13 sindicatos rurais, mais de 150 associações comunitárias, uma associação regional, a EcoBorborema, e a uma cooperativa também regional, a CoopBorborema.
“Num contexto de mudanças climáticas o algodão ressurge como uma cultura capaz de se adaptar a essa nova realidade, cumprindo papel importante para geração de renda”, enfatiza Adriana Galvão, outra assessora técnica da AS-PTA a serviço do fortalecimento da agricultura familiar no território da Borborema.
Um dos segredos desta adaptação é o aspecto da rusticidade da planta. São duas as variedades cultivadas no território: a Mocó e a BRS Aroeira. A primeira é uma planta perene, que a depender do manejo vive de cinco a dez anos, e só precisa ser podada para garantir a renovação dos galhos, de onde vai brotar as flores.
“É um algodão mais rústico, mais resistente [ao estresse hídrico] e considerado de excelência para o setor têxtil porque sua fibra é longa”, relata Renata. Essa variedade foi plantada por cerca de cinco famílias em dois municípios: Casserengue e Areial. Já a variedade BRS Aroeira é um algodão de plantio anual, de fibra média e pluma branca, também muito adaptada à região semiárida.
Valor justo, renda garantida, baixo custo de produção – Ano passado, o quilo da pluma do Mocó foi vendido por R$ 12 e a do BRS Herbáceo entre R$ 11,61 para quem já tinha o certificado de produção orgânica fornecido pela EcoBorborema e por R$ 10,56 pra quem estava em estágio de transição de certificação. Toda a comercialização do ano passado foi feita para uma empresa espanhola chamada Organic Cotton Colours (OCC), que também vai comprar a produção de 2021.
Além da garantia de venda de toda a produção, a palha e a semente servem para alimentar os animais. “A semente, por exemplo, é uma forragem de excelente qualidade”, pontua Renata.
De acordo com o agricultor Riso, outra vantagem deste plantio é o custo baixo para produzir, porque com o cultivo agroecológico não precisa gastar com veneno para afastar as pragas, como o bicudo que acabou com as produções de algodão na região cerca de 20 anos atrás. O plantio consorciado com outras culturas como feijão, fava, milho livre de transgenia, erva-doce, coentro, gergelim e amendoim servem como defensivo de insetos pelo cheiro que exalam.
“O algodão sempre foi plantado na região. Desde 1984, quando eu era criança, a safra de meu pai enchia a sala de algodão, mas ele vendia a preço de banana, como as outras culturas. Sempre foi o algodão que garantia uma renda a mais pra gente comprar umas roupas, um garrote, uma ovelha… Antes, a gente tinha boa produção de tudo, mas vendia barato. Hoje, o preço é bom, o custo é baixo porque não precisamos tá gastando com veneno, mas não tem a produção que tivemos. Mas, havendo chuva, vamos avançar”, sustenta ele que é uma liderança na comunidade, sendo inclusive um dos diretores do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Solânea.