“Em 2021, poucas comunidades tiveram lucro. Mesmo assim, foi pouco, só para consumo da família ou para guardar para o plantio do próximo ano. E essas comunidades estão na divisa com outros municípios. Até as comunidades que estão mais próximo a Campina Grande, mais para a região agreste, não lucraram”. O lucro que Silvinha se refere não é financeiro, mas de sementes colhidas nos roçados das comunidades de Queimadas, uma das áreas mais áridas do território da Borborema. Silvinha é uma guardiã de sementes bastante comprometida com a articulação não só de sua comunidade Maracajá, mas de todas as outras 12 comunidades que têm Bancos de Sementes Comunitários (BCS) em Queimadas.
Por causa da frustração nos roçados, as famílias envolvidas nos 13 BCS de Queimadas juntaram dinheiro num fundo comunitário e providenciaram a compra de sacas de sementes. “Por estar na rede de bancos de sementes, a gente sabe onde tem sementes, principalmente, em área de assentamento, onde o pessoal planta muito milho. Em Queimadas, alguns representantes de bancos de sementes fizeram bingo, outros usaram recursos dos Fundos Rotativos Solidários para comprar as sementes”, conta Silvinha, cujo nome de batismo é Severina da Silva Pereira.
Apesar da colheita crítica em 2021, não é o primeiro ano que os gestores e gestoras dos BSCs de Queimadas providenciam recursos próprios para reabastecer os seus estoques, principalmente, de feijão e milho. Esta estratégia, aliás, também foi adotada pela Rede de Banco de Sementes do Polo da Borborema para beneficiar o conjunto de bancos de sementes de todos os 13 municípios do território.
Emanoel Dias, da equipe de assessoria técnica da AS-PTA para o tema de sementes, estima que haverá diminuição média de 50% a 60% nos estoques dos 62 bancos de sementes comunitários do território. Segundo ele, 2021 é o 11º ano com chuvas abaixo da média no território. E a precipitação deste ano foi a pior de todos estes anos. “Não tenho informações se antes de 2010 tivemos um problema de desabastecimento tão grande quanto o que estamos passando neste ano”, confessa.
Além da reposição dos estoques a partir da compra de sementes dentro do território – estratégia superimportante porque as sementes já estão adaptadas às condições ambientais da região – a Rede dos BCS elencou outras quatro estratégias:
A primeira é a orientação dada a todos e todas que fazem parte da Rede de armazenar todas as sementes que puderem. A segunda destina-se aos gestores e gestoras dos bancos comunitários: receber qualquer semente como pagamento do empréstimo feito. A regra usual é de receber a mesma semente emprestada. Mas, nesse momento crítico, houve uma grande flexibilização. “Se o agricultor tiver pegado a semente de feijão carioca e tiver colhido o macassar, devolve ao banco o macassar. Se tiver pegado o milho e colhido só a fava, aceita-se a fava como devolução”, explica Emanoel.
A terceira estratégia foi a já citada mobilização emergencial de recursos para comprar sementes de feijão e milho para doação às comunidades mais afetadas pela seca. No caso dos recursos para atender esta demanda em todo o território, a AS-PTA e o Polo da Borborema remanejaram, com o aval das organizações parceiras Pórticus e Misereor, recursos não utilizados nos projetos para investir na aquisição das sementes.
“Começamos o trabalho com o feijão que é colhido primeiro. Já distribuímos cerca de 800 quilogramas de feijão que estavam no Banco Mãe, além das 2,5 toneladas de sementes que compramos dos agricultores/as. Todas estas sementes doadas retornarão ao estoque do banco regional quando tiver colheita. E estamos mapeando quem produziu o milho no território”, comenta Emanoel.
Foram distribuídos, por bancos de sementes, cerca de 100 a 120 quilos de sementes de diversas variedades de feijão. Tem feijão preto, carioca, faveta, rosinha, macassar, ovo de rolinha ou gurgutuba. Cada banco recebe as variedades mais adaptadas à região onde ficam. Os BCS da região de Curimataú, por exemplo, receberam mais o macassar e o carioca.
A quarta estratégia, aliás, está ligada ao cuidado com os estoques de milho, numa situação bem mais crítica que a do feijão. “Ficou definido que vamos comprar o milho no território, fazer os testes de transgenia e armazená-lo no Banco Mãe. Depois, vamos escolher quais bancos de sementes receberão estas sementes com a intenção de bloquear a comunidade do plantio das sementes transgênicas, como fizemos em Casserengue”, continua o agrônomo, acrescentando que esse estoque de milho vai ser importante para o reforço da campanha “Não planto transgênico para não apagar a minha história”, realizada no território desde 2015.
A quinta estratégia é a jornada de testes de transgenia nos milhos colhidos no território, tanto os que serão comprados para doação aos bancos comunitários, quanto os que vão ficar na família que o produziu.
Municípios mais atingidos – Dos 13 municípios incluídos na área de atuação do Polo da Borborema, os que ficam nas faixas mais áridas foram os mais afetados. Nas regiões de Curimataú, estão Casserengue, com 07 BCS e 227 famílias envolvidas, e uma parte do território de Solânea, com 8 bancos e 166 famílias. Em Queimadas, o município de Silvinha, que tem 13 bancos e 245 famílias.
O Polo da Borborema é um coletivo que reúne 13 sindicatos rurais, mais de 150 associações comunitárias, uma associação de atuação regional, a EcoBorborema, e uma cooperativa com capacidade de ação estadual, a CoopBorborema.
Além da estratégia emergencial, o que fazer para ampliar a resiliência das famílias? “O que podemos fazer é fortalecer a dinâmica da rede de bancos de sementes. A rede faz diferença na vida de uma família que produziu pouco. Se estivesse isolada, já tinha pensado em outras estratégias. Como ela está numa rede, sabe que consegue novamente mais material crioulo”, responde Emanoel. Sobre as ‘outras estratégias’ citadas por ele podemos imaginar desde compra de sementes transgênicas no mercado ou uso das sementes não adaptadas à região que são distribuídas pelos governos, ou a migração para outras regiões em busca de alternativas para se ganhar dinheiro.
Para além destas estratégias pensadas, outras estão sendo experimentadas no território como a diversificação dos plantios com culturas mais resistentes à seca como o algodão agroecológico. “Do algodão, além de vender a pluma, se aproveita a semente e a forragem para a alimentação animal”, comenta ele. Outra cultura “extremamente resistente à seca” é a mandioca que serve tanto para alimentar as famílias, quanto os animais.
Para Emanoel, a intenção por trás de todas as estratégias é de animar a rede de bancos de sementes. “Com a pandemia, estamos chegando a dois anos sem reuniões comunitárias com a intensidade de antes. E, agora, com a baixa nos estoques, pode acontecer uma esfriada na mobilização das famílias. E quando chegar o tempo da chuva, todos querem plantar e então as pessoas saem no mercado para adquirir sementes. E a possibilidade de aumentar a quantidade de milho contaminado com a transgenia é muito grande”, arremata ele citando as consequências a médio prazo trazidos pelo problema do desabastecimento.