“Fico imaginando o que seria de nós sem as cisternas. Acho que estaríamos em situação… acho que de morte. As cisternas de beber e de produção estão dando um grande suporte nessa seca. Não está fácil. São anos seguidos de chuvas finas, que não encharcam a terra para acumular água nos barreiros, açudes.” A fala é de Zeneide Granjeiro, da Comissão de Água do Polo da Borborema e presidenta do Sindicato dos Trabalhadores/as Rurais de Areial.
O Polo é um coletivo que agrega 13 sindicatos rurais, mais de 150 associações comunitárias, uma associação regional de agricultores/as familiares, a EcoBorborema, e uma cooperativa com capacidade de atuar em todo o Estado, a CoopBorborema.
“Com as mudanças climáticas, temos muito sol, poucas chuvas e o jeito é racionar as criações animais”, atesta a agricultora. Mas, além das águas que caem do céu, há outro jeito de fazer render a água que as famílias estocam. Trata-se das águas já utilizadas, mas que são reaproveitadas para aguar plantas e outros usos de higiene, como lavar a casa e o chiqueiro dos porcos.
“A maioria das famílias já faz isso a partir da sabedoria popular. A gente aprendeu muito. A necessidade nos ensinou a aproveitar todas as águas. Agora, o Polo da Borborema e a AS-PTA estão implementando, a partir do projeto Borborema Agroecológica, alguns sistemas de reuso de água. Essa tecnologia vai ser tão importante para nós quanto as cisternas de água de beber e das de produção”, sustenta Zeneide.
A iniciativa Borborema Agroecológica faz parte do projeto INNOVA AF, financiado pelo FIDA e executado pelo IICA, que busca fortalecer as capacidades das famílias camponesas, por meio da gestão participativa do conhecimento e disseminação de boas práticas para a adaptação às mudanças climáticas.
Quanto mais a água for aproveitada, mais plantas serão aguadas – Essa frase povoa as mentes das agricultoras da Borborema paraibana. Foi dito tanto por Zeneide, quanto por Marleide Marinho da Silva, que vive na zona rural de Esperança. Ela, seu marido Sandro e a filha de 19 anos Patrícia Gabriela aproveitavam o máximo de água que conseguem da lavagem de prato e roupa e da que usavam para higiene pessoal. Tudo era posto em baldes e reutilizada. Seja no vaso sanitário, seja nas plantas do quintal.
“Mas, desse jeito sempre perde água. E também tinha o trabalho de ficar carregando baldes e a gente não podia jogar a água com sabão na raiz da planta porque não era tratada”, conta Marleide de 44 anos no dia em que uma equipe finalizava a encanação do seu novo sistema de reaproveitamento de águas totais. “Amanhã, a gente já começa a usar”, assegura ela feliz da vida. “Tem muitas plantas no quintal e pouca água”.
Agora, além das águas de sabão, a da fossa também vai ser tratada e conduzida para matar a sede das plantinhas do arredor de casa. O sistema consiste em uma fossa, um reator para tratamento, dois tanques de polimento para que a água descanse por sete dias antes do uso e, por fim, uma última caixa para distribuição do líquido no quintal.
A capacidade de reserva de água na família de Marleide é pequena. Eles contam com a cisterna de água de consumo humano e um barreiro que, esse ano, pegou um pouco de chuva apenas. “A gente planta quando Deus manda chuva. Este ano, a gente deixou de plantar as verduras. Só deu um pouco de cenoura, nem feijão a gente colheu.”
Este é o primeiro sistema de reaproveitamento de águas totais de Sítio Benefício, comunidade onde mora Marleide e família. “Só tenho a agradecer a todos que trouxeram este sistema até a minha casa”, diz outra vez já no final da entrevista.
Assim como Marleide, outras 12 famílias também terão instaladas nas suas casas um sistema que vai aperfeiçoar muito o reaproveitamento das águas servidas. Serão 3 sistemas de reaproveitamento de águas totais, como a de Marleide, e 10 de águas cinzas, vindas das pias e banho. “A nossa ideia é associar essas experiências às organizações de pesquisa, como o INSA [Instituto Nacional do Semiárido] e universidades, para a gente monitorar o impacto na produção de alimentos, assim como a qualidade dela”, comenta José Camelo, assessor técnico da AS-PTA para o tema do acesso à água.
“O nosso objetivo é que essas experiências ganhem uma dimensão política para transformá-la numa política pública nacional como a gente fez com as cisternas”, sustenta Camelo. “Várias organizações da ASA Brasil vem trabalhando com essas experiências como o Patac [PB], Centro Sabiá [PE], Caatinga [PE], Cetra [CE], IRPAA [BA] e outras.”
São águas com grande potencial para melhorar os quintais, principalmente as fruteiras, e também para aguar os campos de forragens que servem para alimentar os animais. Além disso, devido ao aproveitamento das águas de fossa, são tecnologias com dupla função, servindo também como solução para o saneamento rural, um grande problema vivenciado no Brasil.
“As casas de muitas famílias não têm saneamento. Isso é um grande problema para a saúde delas na medida em que a gente instalando uma cisterna no arredor da casa e, ao mesmo tempo, as fezes ao ar livre podem contaminar a água da família”, destaca Camelo.
Não deixe de assistir o vídeo sobre o reuso de águas