A afirmação foi feita em evento de lançamento de nova publicação sobre o método LUME e sua aplicação em pesquisa voltada a avaliar efeitos dos programas de ASA sobre a agricultura familiar no Semiárido brasileiro.
Promovido pela ASA e pela AS-PTA, com apoio do FIDA, o webnário “Transição ecológica justa no Semiárido brasileiro: Ensinamentos das ações da ASA segundo o Método LUME” reuniu na quarta-feira passada (6), representantes de organizações que atuam em distintas áreas secas da América Latina para debater o potencial do método LUME em avaliar os efeitos multidimensionais de políticas e programas públicos voltados ao desenvolvimento rural e à agricultura familiar.
“Diante do desafio colocado pela agenda internacional dos ODS, há uma busca, no mundo inteiro, pela renovação das perspectivas de análise de impacto dos programas e políticas de desenvolvimento rural. Isso porque os métodos convencionais revelam-se insuficientes, senão inadequados, para avaliar de forma conjugada resultados finalísticos relacionados aos vários objetivos estabelecidos na agenda”, sustenta Paulo Petersen, da coordenação da ONG AS-PTA, que capitaneou o desenvolvimento do método e coordena o processo de contínuo aperfeiçoamento com o apoio de instituições do campo agroecológico do Brasil e de outros países latinoamericanos.
“Com o nome que demos ao método, procuramos deixar claro que o nosso objetivo seria o de jogar luzes em parcelas da realidade essenciais para a compreensão da economia da agricultura familiar, mas que são invisibilizadas pelas abordagens de análise convencionais”, conta Luciano Silveira, também da equipe da AS-PTA.
“O LUME busca superar as visões cartesianas, mecanicistas dos enfoques convencionais, procurando analisar as dinâmicas econômicas sem reduzi-las à circulação de mercadorias. Definitivamente, a economia não se restringe aos mercados, sobretudo se estamos falando dos mercados convencionais. Estamos dominados pela lógica dos mercados controlados pelas grandes corporações. Se quisermos entender como programas e políticas públicas impactam na vida material, sobretudo, das populações mais empobrecidas, temos que, sobretudo, ampliar as nossas perspectivas de análise econômica”, destaca Paulo.
O LUME combina análises qualitativas com quantitativas. Com as últimas, o LUME identifica resultados econômicos anuais do trabalho realizado pelas famílias agricultoras. “Esses resultados são apresentados em diferentes níveis de agregação, desde o conjunto do agroecossistema até cada um dos seus subsistemas constituintes. Também são apresentados segundo as contribuições proporcionais de homens e mulheres à renda gerada no conjunto do agroecossistema e em cada um de seus subsistemas. Por meio de um amplo conjunto de indicadores relacionados à remuneração do trabalho dos membros das famílias, o método permite analisar o grau relativo de autonomia do agroecossistema em relação aos mercados de insumos e serviços”, explica Paulo.
Com base em informações objetivas obtidas em entrevistas realizadas junto às famílias agricultoras, o método contribui para aferir qualitativamente os graus de autonomia, de integração social, de responsividade, assim como o protagonismo das mulheres e da juventude nos processos de gestão do agroecossistema. A responsividade diz respeito à capacidade desenvolvida nos agroecossistemas para que as famílias agricultoras respondam às variações no entorno sobre as quais não podem controlar. Eventos climáticos extremos, que tendem a se acentuar com as mudanças climáticas, são exemplos dessas variações.
Segundo Paulo, a construção de melhores índices de responsividade é condição importante para que a agricultura familiar esteja melhor preparada para enfrentar os efeitos das mudanças climáticas.
LUME e as políticas de convivência com o Semiárido – De forma didática e envolvente, Paulo Petersen discorreu sobre a variação nos índices qualitativos e indicadores quantitativos revelados pelas lentes do LUME em agroecossistemas que tiveram suas trajetórias de desenvolvimento influenciadas pela instalação das infraestruturas viabilizadas pelos programas da ASA em dez territórios do Semiárido brasileiro.
Essa avaliação foi realizada no bojo de uma pesquisa conduzida em parceria pela ASA e o Instituto Nacional do Semiárido (INSA) entre os anos de 2014 e 2017. A pesquisa investigou como as famílias que dispõem das tecnologias para armazenamento da água da chuva para consumo humano e produção de alimentos atravessaram a longa seca que assolou o Semiárido nesses anos. Em alguns lugares, a seca começou em 2010, em outros, em 2012.
Os resultados evidenciados na pesquisa mensuram dimensões como autonomia, integração das famílias a espaços auto-organizativos e comunitários, além da contribuição proporcional do trabalho realizado por homens e mulheres nas propriedades rurais.
Na dimensão Integração Social, verificou-se uma variação no índice de 0,5 para 0,9 (em uma escala de 0 a 1). O primeiro valor remete ao período em que as famílias ainda não tinham acesso às tecnologias do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), aquelas destinadas a armazenar água da chuva para a produção de alimentos. O segundo valor refere-se ao ano de 2015, período em que a pesquisa de campo foi realizada.
“Embora seja um dos efeitos mais expressivos, dos programas, ele é absolutamente negligenciado pelas avaliações convencionais”, acredita Paulo. Na sua avaliação, a participação das famílias agricultoras em espaços políticos-organizativos, em redes de aprendizagem, em gestão de recursos de uso comum e em outros processos de auto-organização local é um elemento fundamental para a adaptação às mudanças climáticas.
“O LUME não analisa as unidades familiares como se fossem empresas isoladas, lutando para sobreviver nas cadeias de valor verticalizadas”, salienta Paulo. “Infelizmente, ao desconsiderar a importância dos processos econômicos baseados na cooperação local, algumas políticas e programas públicos acabam fragilizando os mecanismos de defesa de que a agricultura familiar depende para conviver com o Semiárido.
A variação em outros índices foram igualmente apresentados e comentados, revelando os significativos impactos da ação da ASA sobre a realidade rural no semiárido.
Reconhecimentos da importância do método – Na segunda parte do evento, representantes de diversas instituições com atuações mundiais ou em distintos territórios da América Latina fizeram comentários sobre o método: Gabriel Seghezzo, da Plataforma Semiáridos da América Latina; Claus Reiner, diretor do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) no Brasil; Emma Siliprandi, da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO pela sigla em inglês); Alexandre Lima, secretário de Agricultura do Rio Grande do Norte; e Glória Batista, da ASA Brasil.
“O LUME traz uma grande inovação na forma de pensar e melhor entender a agricultura agroecológica”, sustenta Emma, do Secretariado da Agroecologia da Organização da FAO e autora do livro “Mulheres e agroecologia: transformando o campo, as florestas e as pessoas”.
Outra constatação feita é do quanto o LUME representa um instrumento capaz de agregar os conceitos e inovações da economia feminista à análise material da agricultura familiar. E, isso, reforça também as lutas feministas por emancipação política e econômica. “O LUME contribui enormemente na discussão sobre a questão de gênero ao pôr trabalho produtivo e trabalho reprodutivo no mesmo campo”, destaca a professora Emma.
Gabriel Seghezzo ressalta a dificuldade de mensurar quantitativamente os impactos econômicos junto à agricultura familiar. E, do ponto de vista dele, neste campo o LUME tem uma grande contribuição a dar.
As considerações foram distintas, com elementos complementares, que perpassaram o reconhecimento das capacidades diversas do LUME a partir de seu olhar sistêmico, inclusive, o de promover o envolvimento das famílias neste olhar para sua realidade.
Para Claus Reiner, do FIDA no Brasil, um dos potenciais do método LUME é a leitura do agroecossistema feita ao longo do tempo. “Foram 25 anos para o desenvolvimento da família no caso mostrado por Paulo. Neste intervalo, há muita formação, acesso à informação. O desenvolvimento observado não se faz só comprando um maquinário”, conclui.
Outro elemento destacado por Claus foi a importância do LUME para balizar decisões de investimento. “Sabemos que as cisternas são bons investimentos. Mas outras decisões não são tão evidentes assim. Seria bom ver esta aplicação do método LUME”, sugere.
Campanha Tenho Sede – Dona Nena e outras mulheres do Semiárido, cujas imagens e falas se transformaram em vídeos da nova campanha da ASA para mobilização de recursos que darão continuidade à disseminação das cisternas no Semiárido, também marcaram presença no evento virtual. Elas apareciam entre as falas dos participantes do webnário como que para reforçar o que a análise dos dados da pesquisa revelou sobre a mudança na vida delas e das famílias a partir da chegada da água para beber, cozinhar, se higienizar e para plantar e dar aos animais.
O evento foi encerrado com o videoclipe Tenho sede, regravado por Gilberto Gil especialmente para a campanha lançada no mês passado.
Por Verônica Pragana para www.asabrasil.org.br.
Webnário: Trasnsição Ecológica Justa no Semiárido