Ação emergencial, que está em sua 2.ª edição, é realizada pela ReSA e entidades parceiras, com o apoio do Ministério Público do Trabalho no Paraná (MPT-PR)
A farta colheita realizada por cerca de 5 mil famílias agricultoras beneficiadas com as mais de 30 toneladas de sementes crioulas distribuídas entre agosto de 2020 a julho de 2021, na 1ª edição do Projeto Emergencial de Conservação e Multiplicação da Agrobiodiversidade (PECMAP), consagrou o sucesso do trabalho coletivo realizado pela Rede Sementes da Agroecologia (ReSA). Com esse saldo positivo, em julho deste ano, foi aprovada a continuidade e ampliação da ação, abrindo as portas para a 2.ª edição da iniciativa.
Consideradas tesouros por muitos povos, as sementes crioulas são essenciais para a produção de alimentos saudáveis, geração de renda e autonomia de produção para muitos agricultores familiares, indígenas, quilombolas, caiçaras, ribeirinhos, faxinalenses, sem terras e produtores de hortas urbanas. Ciente disso, e em plena pandemia da Covid-19 que inviabilizou a circulação, troca e comercialização de variedades, a ReSA, com o aporte do Ministério Público do Trabalho no Paraná (MPT-PR), efetivou a ação emergencial, distribuindo na primeira edição mais de 200 variedades de espécies, para cerca de 150 municípios paranaenses.
Nesse contexto, visando comprar e doar espécies para famílias que integram as mais de 15 organizações que compõem a Rede, o projeto é realizado em três fases de partilha, sempre atento à sazonalidade de produção e colheita de cada variedade. Assim, iniciando a primeira etapa dessa segunda edição, começou em setembro a aquisição e partilha de sementes crioulas de milho, feijão, arroz, hortaliças, ramas de mandioca, mudas de batata salsa, batata inglesa e plantas medicinais.
Renato Ribeiro, integrante ReSA e do Coletivo Triunfo, explica o cronograma do PECMAP e destaca que para essa segunda edição a expectativa é que o projeto seja ainda mais abrangente, atendendo um número maior de famílias agricultoras, de todas as regiões do Paraná, e com uma diversidade mais ampla de espécies.
“Nesse momento, o projeto emergencial está na fase dos grãos e tudo isso atenderá mais de 5 mil famílias de cerca de 250 municípios. Na primeira edição, muitas famílias beneficiadas conseguiram multiplicar as sementes recebidas, de tal forma que hoje elas possuem suas espécies, reduzindo a sua demanda para essa segunda edição. Com isso, também conseguimos dobrar a quantidade de famílias fornecedoras de variedades, antes tínhamos 100, agora estimamos chegar em 200. Além disso, diferente do ano passado, esse ano estamos trabalhando com mudas de plantas nativas e medicinais, produzidas por mulheres, beneficiando muito mais agricultoras”.
Durante a ação serão compradas e doadas cerca de 20 toneladas de milho, 7 toneladas de feijão, 4 toneladas de arroz, 30 mil pacotes de hortaliças e plantas alimentícias não convencionais (PANCs), mil metros de rama de mandioca, 38 mil mudas de batata salsa e 800 quilos de batata inglesa. Além disso, aproximadamente 16 mil mudas de plantas medicinais, frutíferas, nativas e de erva-mate circularão pelo Estado.
Ação em Rede – Para garantir a qualidade das espécies distribuídas e assegurar que as sementes crioulas cheguem nas mãos das famílias beneficiadas, diversas entidades que compõem a ReSA têm se envolvido na iniciativa. Nessa edição, 9 cooperativas, 7 sindicatos, 25 associações de agricultores, 9 ONGs e comissões inter-religiosas, 8 instituições de ensino, secretarias de agricultura, movimentos sociais, sindicatos e coletivos, têm cumprido papel fundamental no fortalecimento dessa grande ação coletiva realizada em rede.
“É importante destacar o empenho das entidades ligadas à Rede que estão abrindo novos locais e famílias para serem beneficiadas. Há locais que chamamos de tesouro escondido, que nós não sabemos onde estão, nem o que precisam, e essas entidades estão envolvidas, contribuindo na circulação dessas sementes. Sem o apoio e contribuição de todas, essa ação não chegaria a quem mais precisa, as famílias agricultoras”, afirma André Jantara, assessor técnico da AS-PTA e integrante da ReSA, sobre a importância do empenho das organizações para fazer com que as sementes crioulas circulem.
Uma das entidades envolvidas é a Cooperativa da Agricultura Familiar de Palmeira (CAFPAL), na região centro-sul do Paraná. A cooperativa é o entreposto de recebimento e distribuição de toda essa diversidade partilhada pelo Projeto.
Ismael Lourenço Albino, presidente da CAFPAL, integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e agricultor no Assentamento Palmares II, em Palmeira, explica que a escolha da Cooperativa para ser o entreposto das sementes se deu justamente pela localização da entidade, o que facilita a logística.
“Após analisarmos as outras opções para centralizar, organizar e distribuir as sementes, optou-se pela CAFPAL devido à facilitação da logística, visto que a BR 277 passa pela cidade, e ficamos a 40 quilômetros da BR 376, além da PR 151 que passa no município. Também tivemos o apoio da Associação dos Moradores da Vila Rosa (ASMOVIR), que nos cedeu o anexo que serve para armazenar as sementes, facilitando a logística desde a primeira edição do projeto”.
De acordo com Lourenço, a contribuição da CAFPAL nas duas edições do PECMAP reforça a atuação da cooperativa e de todas as entidades envolvidas. “Essa ação com a ReSA fortalece a cooperativa no sentido da visibilidade da CAFPAL, no diálogo com os produtores e com outras entidades, porque foi através desse projeto que construímos algumas redes de negociações, trocamos ideias e experiências. Esse foi o maior legado que deixou o primeiro projeto e está se fortalecendo com essa 2ª. edição. Isso é ótimo para a CAFPAL, mas também para todas as cooperativas envolvidas”.
Lançamento oficial – No dia 1 de outubro ocorreu o lançamento oficial da 2.ª edição do PECMAP, no Assentamento São Joaquim, área do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em Teixeira Soares, localizada a 140 quilômetros da capital paranaense.
O evento contou com ato cultural e político com a entrega de certificados para as mulheres guardiãs que comercializaram sementes crioulas através da iniciativa. O auge da celebração foi a devolução de variedades crioulas de feijão, arroz e milho para as famílias agricultoras do assentamento.
As sementes crioulas partilhadas, que retornaram para as mãos das famílias agricultoras, não foram escolhidas por acaso. Elas são parte de variedades perdidas pelas assentadas e assentados há alguns anos após serem contaminadas por transgênicos e agrotóxicos.
Neste ano, após um teste de transgenia realizado em oito variedades de sementes de milho produzidas por agricultores do município de Teixeira Soares, cinco estavam contaminadas, sendo que dois deles eram de famílias agricultoras do assentamento. Luiz Carlos Opata, assentado e integrante da coordenação da área, preservava a anos a variedade de milho catingueiro, que foi contaminada pelos transgênicos.
“No início do assentamento as primeiras produções eram com sementes crioulas que a pessoa tinha. Tinha milho de várias variedades crioulas e até soja orgânica. Mas, veio o cultivo de soja e milho convencional, depois os transgênicos, que levou a contaminação do milho catingueiro, carioca e outras variedades crioulas. Agora, essas sementes que recebemos vão ajudar na recuperação dessas variedades perdidas, para inclusive garantir a produção de alimentos básicos. É aquela coisa, como vamos falar de segurança alimentar e nutricional se não temos sementes de qualidade para plantar?”
Texto: Comunicação ReSA
Fotos: @diogo_fotografia_hd