Na semana passada, a AS-PTA, Polo, EcoBorborema e CoopBorborema organizaram a quarta ação de doação de cestas para mil famílias com recursos da Fundação Banco do Brasil
Rejane de Lima Nunes (34 anos) trabalhou duro, mas com o coração cheio de gratidão, para produzir 50kg de bolo de macaxeira e beijus destinados às mil cestas solidárias agroecológicas distribuídas na quarta-feira passada (10) no território da Borborema na Paraíba.
O agricultor agroecológico Sidney Guilherme Rodrigues (35) colheu e separou, da sua agrofloresta, 120 kg de batata-doce, 120 kg de macaxeira e 200 kg de banana-maçã. E o jovem Edson Johnny Gaudino (26) se dedicou com afinco a todas as etapas necessárias para a distribuição das cestas, o que inclui a organização do envolvimento de outros 10 jovens nesta ação.
Na linha de produção dos alimentos agroecológicos, além de Rejane e Sidney, também estavam cerca de 80 fornecedores, dos quais 56 eram mulheres e 8 jovens. Dos seus roçados, quintais e cozinhas – no caso dos produtos beneficiados – vieram 24 toneladas de alimentos diversificados, saudáveis, sem veneno, fresquinhos e de excelente qualidade.
Laranja, mexerica, banana, batata-doce, macaxeira, alface, couve, cebolinha, coentro, farinha de mandioca, cuscuz da paixão, bolo, tapioca, beiju e polpa de frutas. E, por conta da seca forte que se repete ano a ano desde 2012 na região, o feijão, o arroz e o café foram adquiridos no mercado convencional.
Os recursos para a compra dos alimentos – mais de R$ 164 mil – vieram de uma parceria que a AS-PTA e o Polo da Borborema fizeram com a Fundação Banco do Brasil, que lançou o projeto “Brasileiros pelo Brasil” e da agência terre des hommes. Os alimentos foram distribuídos para mil famílias em situação de insegurança alimentar em seis municípios – Areial, Queimadas, Esperança, Casserengue, Remígio e Solânea. Os critérios para a seleção das famílias são definidos para todos os municípios e cada sindicato escolhe uma forma de cair em campo e encontrar as famílias com perfil para receber as cestas.
Segundo Edson Johnny, em Esperança, de cujo sindicato ele faz parte, as lideranças comunitárias e os agentes comunitários de saúde são chamados para uma reunião de apresentação do projeto de doação e dos critérios de identificação das famílias. Os convidados da reunião ficam com a missão de identificar as famílias e informar os nomes dos representantes que irão receber as cestas no dia da doação.
“É muito bom receber os produtos da agricultura familiar sabendo que vão chegar nas famílias que precisam. É agroecologia e solidariedade desde a compra até a entrega”, comenta o jovem sindicalista, que além de ser um dos diretores do Sindicato de Esperança, faz parte da coordenação política e executiva do Polo da Borborema, onde também integra a coordenação da juventude e é tesoureiro da Cooperativa Borborema.
Do tempo das Frentes de Emergência para o da Agroecologia – Filho de agricultores que vivem no território, Edson Johnny, apesar de ser bem novo na época das Frentes de Emergência, lembrou como eram os alimentos que as famílias recebiam nas estiagens como pagamentos do trabalho árduo de cavar barreiros e açudes em propriedades particulares ou de melhorar as estradas.
“Meu pai trabalhou na “Cachorra Magra”, como era conhecida por aqui as frentes. O alimento recebido era de péssima qualidade: feijão que não cozinhava, arroz com casca e cuscuz cheio de bichinhos. Hoje, os produtos são de excelente qualidade e tudo é selecionado por nós”, compara cheio de orgulho.
Para ele, por causa da pandemia e da desconstrução das políticas públicas de convivência com o Semiárido e de fortalecimento da agroecologia, se vive uma época difícil no campo, mas nem se compara aos tempos dos avós, pais, quando era criança e até mesmo adolescente.
“Hoje, temos as cisternas. Antes, tínhamos que buscar água muito distante. Voltava com um caldeirão na cabeça que não dava nem 10 litros. Fui filho único até os 12 anos e meus pais trabalhavam muito, no pesado. Por isso, desde cedo, aprendi a cozinhar e a cuidar da casa. Não queria que meus pais tivessem que trabalhar depois que voltassem para casa.”
Esse cuidado de Edson Johnny para os pais se ampliou para as outras pessoas. “Antes de entrar no movimento sindical, ficava imaginando como posso contribuir com a vida dos agricultores tendo como espelho a vida dos meus pais. No sindicato, o que está ao nosso alcance, temos feito. Muitas vezes, a gente sai debaixo do sol, vamos para longe e, quando voltamos, estamos renovados. Tudo o que a gente ensina, a gente aprende em dobro. É muito gratificante.”
No momento em que cozinhava, passava um filme [na mente]. A primeira coisa que vem é a Marcha das Mulheres – Foi assim que Rejane expressou o que sentiu ao participar desta ação de doação de cestas. E explicou que, no dia de ir para a cozinha, o grupo de whatsapp da Rede de Mulheres de Beneficiamento não parou de chegar mensagens com desejos de que a produção seja boa. Desta Rede, participaram mais de 50 mulheres das 80 que a compõem.
“A gente sente aquela união. Mesmo longe, estamos unidas. No grupo, uma torcendo pela outra, só benção. Por isso que a gente lembra da Marcha. Tudo o que tem na Marcha é para a gente crescer. Podemos fazer tudo o que a gente quiser. A única coisa que temos que fazer é acreditar em nós mesmas”, fala cheia de entusiasmo e canta um trecho de uma canção símbolo do movimento de mulheres: ‘Eu quero ser, me deixa ser, o que mereço, eu quero ser quem sou, eu tenho meu valor, e este não tem preço’.
Dos 80 fornecedores, 56 são mulheres – Para Rejane, esse quantitativo mostra “o quanto estamos nos desenvolvendo a partir de todas as ações que estamos participando. Nos tornamos mais corajosas, acreditamos mais que a gente consegue. Lutando em nossos lugares, a gente consegue. Quando vê que uma mulher está conseguindo, a outra se encoraja. Isso só vai aumentando a quantidade”.
Só gratidão – Na conversa, Rejane segue com o coração transbordando de alegria, gratidão e plenitude por fazer parte desta ação. Tanto por saber que sua ação beneficia a quem precisa, como a quem produz o alimento. “O mais importante é o reconhecimento que temos ao receber esta missão. Essa encomenda é o amor. Envolve a solidariedade e a união em uma única ação.”
Atualmente, a renda de sua família – ela, o marido e dois filhos – Maria Helena de 10 anos e Lucas de 16 – se resume aos R$ 300 do Bolsa Família e ao que consegue vender na semana. O esposo Francinaldo produz verdura, mas sem água, não tem como. Segundo Rejane, neste ano de seca que sucede mais de 10 anos de invernos fracos, as fontes de água que eles utilizam “secou, secando”.
“A nossa sorte é essas coisas que faço. Estou mantendo a casa praticamente”. Além de bolo e beiju, Rejane cozinha e vende doce de mamão, pé-de-moleque, cocada e dindin. “De tudo tento buscar para ver se consigo. Agora, tá muito difícil a venda. Quando aparece é para atravessador, mas tenho que arriscar. O que entra já é uma ajuda. Com as cestas, vendemos bem vendido. Estamos ganhando 100% do nosso trabalho. Tenho a maior gratidão por esse projeto.”
Cozinhas mais equipadas – Há cerca de 11 anos, Rejane começou a beneficiar os produtos do roçado porque sempre prezou pela sua autonomia. “Gosto de arriscar. Se tenho capacidade de tentar, tento”, afirma. Foi por já trilhar este caminho que Rejane tinha clareza do que precisava quando chegou o Fundo Rotativo Solidário (FRS) na comunidade Xique-Xique, onde vive, em Remígio. O seu pedido para ser agraciada no primeiro FRS que participou foi o equipamento que transforma a cozinha numa mini casa de farinha.
O rodete para moer e a prensa para espremer a macaxeira e a mandioca foram desenvolvidos pelo casal vizinho José Irenaldo Nunes Bezerra e Elisabeth Ananias Barbosa. “Quando disse que queria esses equipamentos para a AS-PTA e o Polo, foi uma coisa inesperada. Ficaram até surpresos. Acho que fui uma das primeiras a receber o motor para moer a macaxeira e a prensa”, conta acrescentando que o que fazia em mais de duas horas, passou a fazer em 20 minutos, no máximo.
Anos depois, Rejane participou de outro Fundo Rotativo Solidário e escolheu o fogão ecológico. “Nele, faço os meus bolos, só não o pé de moleque e o beiju porque preciso controlar a temperatura e no de lenha não consigo. [O fogão] é outra riqueza. Uma benção. Não fumaça. Eu tenho alergia e fico cansada, nunca senti nada com esse fogão. E ainda economiza o gás. O último comprei por R$ 100, mas já subiu de preço. Minha mãe também possui um fogão ecológico e tem quase um ano que comprou um botijão, você acredita?”
Mesmo na seca, a agrofloresta produz – Como o território da Borborema envolve 13 municípios, englobando tanto regiões de brejo, mais úmidas, como outras áreas mais secas, os produtos que o Polo da Borborema, a EcoBorborema e a CoopBorborema conseguem juntar são variados. Se falta uma coisa aqui, se produz ali. A mesma lógica de fornecimento se dá com as Quitandas da Borborema e com as Casas Comunitárias de Sementes. O que se produz no território serve a todos os municípios.
É assim que a compra dos produtos para as cestas mobiliza quem consegue produzir, apesar da seca longa. Este é o caso de Sidney, do Sítio Lages, do município de Solânea. Desta vez, ele forneceu dois tipos de tubérculos e uma fruta, mas nas duas cestas anteriores ele participou com mais produtos, como as hortaliças e polpas de frutas.
Sidney é filho do Sítio Lages. Mora hoje na casa em que nasceu há 35 anos. Mas, teve um tempo – dois anos – que ele migrou para Minas Gerais em busca de trabalho. Quando voltou, em 2014, decidiu trabalhar na propriedade e “arranjar maneira de produzir”. Foi a partir daí que conheceu o sistema agroflorestal e resolveu transformar os dois hectares da propriedade numa agrofloresta. “Tem seis anos que estou ativo, produzindo e vivendo da agroecologia”, diz ele orgulhoso.
Na conversa, Sidney listou rapidamente 15 tipos de hortaliças, vegetais, tubérculos e frutas que cultiva. E depois ainda lembrou de mais quatro, entre eles, o café, que se plantava muito na região, mas hoje é raro.
A seca tem diminuído bastante a diversidade do que produz. Até uma fonte de água que nunca secou na propriedade – um olho d´água que existe na propriedade desde a época do pai – está com o nível bem baixo. O que faz Sidney suspeitar que, se não chover nos próximos meses, pode acontecer algo inédito: a nascente secar.
Mesmo com bem menos água disponível para a plantação, a agrofloresta de Sidney tem conseguido produzir o suficiente para alimentar a família e ainda para comercializar em vários pontos: em Solânea, na Quitanda Agroecológica e nas feiras agroecológica e na livre. Em Casserengue, na feira livre. E, agora, para as cestas solidárias.
Se os alimentos são produzidos com amor, também são recebidos com amor – Maria Aparecida Oliveira Silva é mãe de três filhos, agricultora no sítio Arara, em Areial, e conta o significado de receber esta cesta agroecológica: “Essa doação chegou no momento certo, na minha casa e na casa daqueles que precisam também. Todos sabem que estamos enfrentando uma pandemia que fechou a porta de emprego, fechou tudo. E como somos agricultores, também tivemos muitas perdas na agricultura. No meu caso, como planto uma cuia de feijão, eu não lucrei praticamente nada, eu perdi tudo. Graças a Deus que essa doação chegou no tempo certo, para mim e para meus três filhos. Eu e eles vamos nos alimentar. Eu vejo hoje que essa ação está cativando as pessoas a ajudar umas as outras. Eu vejo isso como amor no coração que o próximo tem pelos outros”, afirma.