Com fechamento de postos do INSS, sindicatos rurais assumem enorme carga de trabalho que compete com a ação de mobilização e formação política da base
Esse texto é sobre a ação sindical rural neste tempo de pandemia e desmonte das políticas públicas e também da diminuição constante da presença do Estado junto à população. Mas, antes, vou contar uma história que tem a ver com a redução do quadro de servidores do INSS e também do fechamento das agências físicas.
Meu pai faleceu em meados de maio deste ano de velhice, digamos assim. No dia seguinte, dei entrada na solicitação de pensão urbana para minha mãe. Para tanto, contei com a orientação de uma prima que trabalha no INSS no Recife. Ela me disse qual site deveria acessar, até me ajudou a criar a senha para minha mãe no sistema Meu INSS e me deu dicas importantes para que o processo não tivesse nenhuma pendência que travasse a liberação do direito.
Eu tenho acesso à internet banda larga e experiência em preencher formulários e navegar em sites ou aplicativos de prestação de serviços. Mesmo assim, senti dificuldade em consultar o sistema, que não é nada intuitivo, como devem ser os aplicativos para facilitar a vida de quem os acessam.
Nesta época, pensava: “Se estou encontrando dificuldades, imagina quem é da área rural, sem acesso à internet de qualidade, sem intimidade com a tecnologia e pouca leitura?” E sentia uma revolta por saber que sempre os mais pobres e mais necessitados dos serviços públicos são, sempre, penalizados por governos que promovem o Estado mínimo.
O que pensei é exatamente como acontece na zona rural. Por isso que, nos municípios onde há sindicatos rurais atuantes e conectados com a necessidade dos associados, é a equipe sindical que assume o papel que fiz para que minha mãe virasse pensionista (fato que ainda não se materializou quase sete meses depois da solicitação, vale salientar).
Em Solânea, por exemplo, o único posto do INSS fechou há mais de dois meses e se alguém precisar de um atendimento presencial vai enfrentar, além da fila imensa, um deslocamento de 38,5 quilômetros para a Guarabira, a cidade mais próxima com agência ainda em funcionamento. Na cidade de Bananeiras, a 3,5 km de Solânea, também tem um posto, mas que só dá informações e cria senhas para usuários do app Meu INSS.
Para que os seus associados e associadas não fiquem sem seus direitos assegurados, o tempo de trabalho da equipe do sindicato de Solânea – e também de outras centenas de sindicatos – se estendeu para os três turnos.
Maria do Céu Silva conta que realiza o atendimento de manhã no sindicato e que à tarde segue para casa para entrar no sistema Meu INSS e solicitar o atendimento dos direitos. “Muitos dias, começo a trabalhar umas 8h e vou até 23h30. A gente tem se desdobrado nos 30, nos 40. Quando vou para o campo para fazer o trabalho de mobilização, o agricultor que vir para o sindicato não me encontra”.
E se todo trabalho fosse só reunir documentos e solicitar o benefício, seria ótimo. Ainda é preciso acompanhar o andamento do pedido, que anda sendo analisado por postos em qualquer região do país e por servidores que desconhecem as realidades locais, muito menos, dos agricultores e agricultoras do Semiárido. “Não é incomum ter pedidos negados apesar de termos várias comprovações do tempo de serviço do homem e da mulher do campo”, comenta Céu.
Mas, aos poucos, com muita disposição, compromisso, esforço e resiliência, o sindicato de Solânea está conseguindo dar conta desse aumento de atividade interna e também da ação primordial para o funcionamento devido de uma instituição desta qualidade: da mobilização política dos/as associados/as. “No trabalho de formação continuada, a juventude rural tem um papel super importante”, assegura a sindicalista.
Prosas sindicais – E é para olhar para a vida dos sindicatos que o Polo da Borborema, um coletivo de 13 sindicatos rurais, mais de 150 associações comunitárias, uma cooperativa – a CoopBorborema – e uma associação regional – a EcoBorborema – tem realizado encontros presenciais de balanço do ano de 2021 com lideranças sindicais em cada município.
“Temos refletido junto às direções sindicais esse novo momento. Queremos saber como eles estão se organizando para continuar a relação com a base e, ao mesmo tempo, garantindo o acesso a direitos básicos”, contou Roselita Victor, da coordenação política do Polo.
Neste rol de direitos, inclua também como responsabilidade recém adquirida dos sindicatos, a organização para os associados/as tirarem sua DAP (Declaração de Aptidão) que funciona como uma identidade do/a agricultor/a familiar, essencial para que acessem financiamentos do Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e o Garantia Safra, um benefício que assegura uma renda mínima para as famílias agricultoras do Semiárido nos anos de estiagem.
“Com tantos serviços para os sindicatos executarem, houve um encolhimento na disponibilidade das equipes para o trabalho político que é extremamente importante para a construção do nosso projeto de território agroecológico”, sustenta Rose. Até agora, cinco sindicatos foram ouvidos pelo Polo: Lagoa Seca, Esperança, Queimadas, Alagoa Nova e Solânea. Os nove restantes serão até janeiro que vem.
Junto a essa rodada de escuta dos sindicatos, o Polo também realizou nos dias 30 de novembro e 1º de dezembro o Encontro de Balanço Anual das Ações, na sede do Banco de Semente em Lagoa Seca. Devido aos cuidados com a pandemia, estas reuniões, que antes reuniam cerca de 120 pessoas, agora mobilizam 40 lideranças comunitárias, sindicalistas, agricultores/as e técnicos da AS-PTA.
“Este encontro teve grandes reflexões. Avaliamos que, mesmo com todos os desafios, o nosso projeto político no território da Borborema continuou avançando em várias frentes, contando principalmente com a reorganização dos instrumentos e processos de comunicação”, comenta Rose, compartilhando alguns grandes momentos ou feitos realizados este ano.
“A Marcha virtual Pela Vida das Mulheres e Pela Agroecologia que conseguiu chegar nas casas rurais e as mulheres entenderam que não estavam sós”. Outros feitos destacados por Rose foram o lançamento do Flocão da Paixão e a continuidade da campanha de enfrentamento do avanço da transgenia no território chamada de “Não planto transgênico para não apagar a minha história”.
E o outro fato ressaltado pela liderança sindical foi a capacidade do território de fazer três ações solidárias em 2021. Segundo ela, reunindo as cestas de 2020 e deste ano foram entregues 94.500 quilos de alimentos em 4.750 cestas. “Isso foi muito importante pra gente porque reafirma que podemos construir territórios com soberania alimentar e diz também que a agricultura familiar é extremamente solidária”, destaca Rose, acrescentando também que 2021 deu a luz à cooperativa do Polo.
Olhando para 2022, Rose enfatiza a necessidade de que as lideranças sindicais precisam estar na rua para “fortalecer o projeto político popular democrático” e fazer resistência ao governo atual “porque não podemos seguir perdendo direitos”.
E Rose enumera duas grandes questões para a agenda do Polo ano que vem: Avançar na construção de conhecimentos sobre as mudanças climáticas e como as comunidades têm enfrentado esse fenômeno global e realizar a 13ª Marcha das mulheres, reforçando o trabalho de base realizado nas comunidades que culmina na marcha que, a depender da pandemia, poderá ser presencial.