Evento reuniu tanto os/as agricultores/as beneficiados/as pela iniciativa, quanto lideranças sindicais, de conselhos de desenvolvimento rural e da gestão pública de outros municípios para que a ideia se esparrame pelo território
A secretaria de Agricultura e Abastecimento de Lagoa Seca, o Polo da Borborema e a AS-PTA realizaram na quinta-feira da semana passada (16) o 1º Encontro Municipal de Sementes da Paixão. A grande novidade deste encontro foi que ele reuniu os agricultores e agricultoras de Lagoa Seca e lideranças comunitárias, sindicais, presidentes dos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável (CDRS) e representantes das prefeituras dos municípios vizinhos para apresentar os primeiros resultados alcançados pela operacionalização da Lei 296/2014, que cria o Programa Municipal de Sementes. E, ao mesmo tempo, o encontro serviu de espelho para que os demais municípios do território – Montadas, Remígio, Queimadas, Areial e Alagoa Nova – conhecessem mais sobre a lei – seu funcionamento e fundamentos.
Euzébio Cavalcanti, presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Remígio e também presidente do CDRS do município, um defensor ferrenho dos cuidados com as sementes crioulas para sua conservação e multiplicação, acredita que o encontro gerou impacto nas pessoas dos municípios vizinhos ao mostrar que “é possível ter uma política de semente a partir da semente crioula.”
“A nossa luta é fazer que essa lei se espalhe. Cada município faça do seu jeito, mas que faça a compra na época certa para distribuir sementes na época certa. Isso é um grande fundamento dessa lei”, destaca ele, salientando que a lei, por obedecer aos tempos da colheita e do plantio, tem seu funcionamento semelhante aos bancos de sementes. “Os bancos comunitários são um retrato disso [da lei] numa quantidade menor. O BSC distribui as sementes para a comunidade quando chove e a semente volta para casa quando na época da safra.”
Segundo ele, é desse jeitinho que deve funcionar uma política de semente. “Não adianta fazer licitação para comprar a semente na época da distribuição porque a semente vai chegar tarde para quem planta”, destaca ele referindo-se aos processos feitos pelos estados e que terminam não atendendo à necessidade das famílias agricultoras na hora em que precisam.
Nelson Anacleto, secretário de Agricultura de Lagoa Seca, também avaliou o evento positivamente e com entusiasmo. “Foi uma forma de reafirmar o projeto que vamos fortalecer e avançar em outros aspectos, ampliando a conotação do programa de sementes”, salientou.
No que se refere ao fato do evento ter sido pensado para possibilitar a construção de diálogos com outros municípios, numa articulação para fora de Lagoa Seca, o secretário reconhece que mostrar uma política implementada por uma secretaria da prefeitura para outra gestão municipal tem um significado político. “Mas, só a força política não é suficiente para fazer a iniciativa funcionar. Esse programa só vai ter sucesso se os movimentos sindicais e agricultores assumirem seu papel: de cobrar e fazer articulação social. É preciso conjugar a vontade política de gestores municipais com a capacidade de articulação da sociedade”, defende.
Segundo o secretário, que já foi vereador por dois mandatos e conseguiu a aprovação e sanção da lei de sementes de Lagoa Seca, a expectativa da prefeitura para 2022 com relação ao programa é substituir “substancialmente” o uso do milho 1051 pelo milho jabatão. A primeira variedade é uma semente híbrida – resultado do cruzamento entre duas variedades – mas que só vinga no roçado diante de condições ideais de precipitação pluviométrica ou irrigação e um solo bem nutrido, necessitando do pacote químico para se desenvolver.
Segundo Emanoel Dias, assessor técnico da AS-PTA, o milho 1051 dá espigas grande e uniformes, apreciadas no mercado. No entanto, as sementes não geram outras plantas. O que faz com que o camponês ou a camponesa precise comprar a semente no outro ano, novamente. E junto à semente todo o pacote de venenos. “Já o milho jabatão, nosso milho da Paixão, é mais doce, mais gostoso, tem uma coloração diferente”, comenta ele sem nem precisar destacar a capacidade de adaptação desta semente às condições ecológicas do território.
Assim como Nelson Anacleto, Emanoel saiu do evento muito entusiasmado. “A avaliação é extremamente positiva. O programa de sementes é um exemplo prático de como o recurso público municipal pode estar a serviço das dinâmicas já existentes da agricultura familiar. No momento em que a gente vem perdendo vários programas na esfera pública federal, essa mobilização de recursos municipal é fundamental para dinamizar a rede de bancos de sementes comunitários”, dispara ele.
Para Fabiana Alvarenga, do Sindicato dos/as Trabalhadores/as Rurais de Lagoa Seca o evento foi “bastante produtivo porque percebemos, principalmente, o olhar do trabalhador para as suas sementes, mesmo aquele que trabalhava de forma convencional, usando veneno. Como guardam, como plantam, o hábito da troca de sementes para recuperar alguma variedade perdida. Vimos também que precisamos mudar muito a questão do uso do solo, por exemplo, que já está muito desgastado por conta do uso dos venenos.”
Programação – Pela manhã, para mais de 60 agricultores/as, foram apresentados o resultado do Programa Sementes em 2021: compra pelo município de 2.126 quilos de sementes, investimento de mais de R$ 12 mil para a compra de sementes e de R$ 7 a 8 mil para a compra de equipamentos para estocagem das sementes.
“Quando comparamos este volume de recursos ao orçamento municipal, vemos que é muito pouco, mas quando é um recurso bem direcionado e bem investido, os retornos são significantes como, por exemplo, o resgate de uma diversidade enorme de material. No evento, escutei de vários agricultores, que perderam o feijão carrapatinho, o ovo de rolinha, a faveta de cacho que, a partir destas compras feitas em 2020 pela prefeitura de Lagoa Seca, que conseguiram resgatar as sementes”, conta Emanoel.
À tarde, para mais de 30 representantes de associações comunitárias, foi apresentada a estratégia das comunidades livres de transgenia e foi reforçada a mensagem sobre a necessidade de ter mais milho crioulo livre de transgenia para vender para a unidade de beneficiamento que fica no município e produz vários produtos a partir das espigas, como o famoso Flocão da Paixão. Quando o milho é crioulo e está livre de contaminação, o valor de venda dele para a Unidade de Beneficiamento supera em 30% o valor do mercado, o que é uma grande vantagem para as famílias agricultoras.
Na parte da tarde, também foi apresentada a proposta do plantio de algodão consorciado a outras culturas, uma estratégia muito interessante para as famílias agricultoras devido à capacidade da variedade de algodão ser bem resistente à falta de água.
O município de Lagoa Seca tem aptidões de plantio de frutas e hortaliças, na região mais brejeira, e, na área mais seca e menor de Lagoa Seca, se planta as culturas de sequeiro – batatinha, batata doce, macaxeira. Mas, entre estas, o algodão não é uma cultura comum.
“Vamos priorizar, no início de 2022, alguns agricultores e agricultoras que têm interesse em trabalhar com o algodão”, comenta Anacleto, que montou uma pequena equipe para prestar assistência técnica às famílias agricultoras dos municípios. Feito que foi ressaltado por Emanoel entre os méritos do primeiro Programa de Sementes do território da Borborema paraibana.