“É um crime ambiental”, sentencia Roselita Victor, da coordenação política do Polo da Borborema, referindo-se à distribuição de sementes de milho contaminadas pela transgenia pelo programa do Estado. Essa fala foi direcionada para o secretário estadual da Agricultura Familiar e Desenvolvimento do Semiárido, Bivar Duda, na manhã de hoje (5), na sede do Banco Mãe de Sementes, em Lagoa Seca.
“Trata-se de um crime que silencia e marginaliza os nossos guardiãos e guardiãs de sementes da Paixão”, segue Roselita. “É um crime que ameaça esse espaço [o Banco Mãe e a Unidade de Beneficiamento de Milho Livre de Transgenia] que foi construído com um investimento de R$ 200.000,00 levantados pelo Polo e pela AS-PTA. Sem sementes livres de transgenia não podemos fabricar o flocão”, acrescenta.
Por fim, Roselita se põe à disposição para a construção de uma política que atenda as necessidades das famílias: “Se quiser, a gente vai dialogar com o governo. O Rio Grande do Norte, da governadora Fátima Bezerra, tem uma lei de distribuição de sementes crioulas. Não queremos que o Estado faça pra gente, queremos construir políticas públicas em parceria com o governo. Foi assim que fizemos com o Programa Cisternas [no âmbito federal], assim construímos junto ao governo estadual o edital do projeto de raças nativas que empodera e traz autonomia para as famílias e valoriza suas experiências.”
O tom da audiência com o governo estadual foi de críticas duras ao programa estadual de sementes. “A política estadual de distribuição de sementes precisa ver também os agricultores do território como fornecedores de sementes”, dispara o jovem agricultor dirigente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Queimadas e vice-presidente da CoopBorborema, Mateus Manassés.
A sentença de Mateus sintetiza um dos pleitos da sociedade civil e do movimento sindical do território da Borborema para essa política pública que, no estado da Paraíba, não está a serviço das famílias e, sim, das empresas de sementes.
“Uma das maiores contradições dessa política é que um programa de sementes direcionado para a agricultura familiar seja gerido pela secretaria que atende aos interesses do agronegócio”, sustenta por sua vez o secretário de Agricultura Familiar e Abastecimento de Lagoa Seca, Nelson Anacleto.
No que toca o abastecimento de sementes às famílias agricultoras, a secretaria coordenada por Nelson está pondo em prática o modelo de programa público defendido pelos guardiões e guardiãs de sementes da Paixão e expressado por Mateus.
Um modelo que não só compra o material genético das famílias do território, mas empresta as sementes para que sejam devolvidas no ano seguinte, criando assim um senso de responsabilidade e coletiva e reforçando os laços de solidariedade entre as famílias agricultoras.
Além de Manassés e Anacleto, outras tantas pessoas, representantes de sindicatos, conselhos de desenvolvimento rural, organizações da sociedade civil, negaram a política atual e propuseram como encaminhamento que as sementes contaminadas não fossem mais distribuídas para as famílias agricultoras.
Uma carta assinada pela Articulação Semiárido Paraíba, da qual fazem parte o Polo da Borborema e a AS-PTA, foi entregue ao secretário Bivar. Nela, há exigências de que o governo do estado submeta as variedades de milho distribuídas a testes laboratoriais para comprovação do resultado dos testes realizados com fitas imunocromáticas que detectou presença de várias proteínas de organismos geneticamente modificados.
Pela gravidade da situação, a Comissão de Sementes do Polo orienta às famílias guardiãs das sementes da Paixão que não peguem as variedades de milho dadas pelo Estado para não contaminar o material genético que fazem parte das histórias delas de produtoras de alimentos saudáveis.
Neste caso, essas famílias receberão sementes crioulas adaptadas às características locais que sindicatos, prefeituras, Polo da Borborema e a AS-PTA estão comprando com seus próprios recursos. Essa distribuição local de sementes faz parte da estratégia da campanha “Não planto transgênicos para não apagar a minha história”, que o Polo realiza desde 2016.
Em resposta aos presentes, o secretário Bivar pediu que a denuncia da contaminação fosse levada para o Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável pelas organizações presentes e que ele, enquanto governo, também faria o mesmo. O mesmo conselho foi denunciado pelos presentes como espaço pouco democrático e que está sofrendo processos de manipulação pelo Estado.
Parques eólicos – O recado do Polo para o secretário inclui também a contraposição às indústrias de geração de energia a partir dos ventos e do sol. “A chegada dessa indústria nos força a entregar a nossa terra conquistada com tanta luta”, destaca Roselita que é assentada da reforma agrária no município de Remígio, onde há vários assentamentos que são grandes produtores de milhos livres de transgenia, inclusive.
Ela destaca que, com a aliança do Estado com as empresas privadas, quem sofre são as famílias agricultoras e o meio ambiente, salientando os impactos na vida das mulheres e das comunidades que se fragilizam ainda mais diante da fome, da pobreza e dos efeitos das mudanças climáticas que são sentidos de forma mais acentuada nas áreas mais secas do planeta, como o Semiárido brasileiro, onde se situa o território da Borborema.
Mateus também ressalta um aspecto bastante cruel desses empreendimentos para os jovens rurais. “Os contratos [que comprometem o uso prioritário da propriedade para a geração de energia por décadas] nos tiram a possibilidade de herdar as terras de nossos pais e avós. Onde estou hoje foi terra de meus avôs. Se os jovens rurais estão indo embora do campo é porque o sistema governamental está falhando. O governo deve nos escutar. Se isso não acontecer não vale a pena a gente estar aqui e eu ter deixado de cuidar das minhas cabras hoje de manhã.”
Sobre esse tema, o secretário disse que era inevitável a chegada desses empreendimentos no território.
Carta Política da ASA Paraíba sobre a distribuição de sementes
Resultados dos testes realizados com fitas imunocromáticas
Carta política da 13a. Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia