Luta das mulheres agricultoras da Borborema agroecológica ganha adesão de novos sujeitos políticos e amplia seu fôlego para além dos limites do estado
Os ventos soprados pelas quatro mil mulheres durante a 13ª Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia, em Solânea, no dia 2 de maio passado, seguem gerando resistência à instalação das indústrias de energia renovável na Paraíba.
Hoje (20), foi realizada a primeira audiência pública promovida pela Frente Parlamentar Ambientalista da Assembleia Legislativa da Paraíba para debater os impactos socioambientais dos grandes empreendimentos energéticos, como os parques eólicos e as usinas solares. O ginásio O Ninão, no centro do município de Esperança, reuniu cerca de 300 pessoas dos 13 municípios de atuação do Polo da Borborema.
Presidida pela deputada estadual Estela Bezerra (PT) e com a participação da parlamentar Cida Ramos, do mesmo partido, a audiência ouviu relatos de representantes da sociedade civil sobre os danos de diversas ordens provocados pelos empreendimentos. Assim como ouviu também servidores públicos que atuam na Superintendência de Administração do Meio Ambiente (Sudema), onde são elaborados os pareceres técnicos do estudo de impacto ambiental dos empreendimentos.
“Temos uma avaliação muito positiva da audiência. Por um lado, foi um momento importante para continuar aprofundando o significado dos danos que os grandes empreendimentos causam para agricultura familiar agroecológica do território. E, por outro lado, foi muito importante para fortalecer nossas alianças nessa luta. Percebemos que não estamos sós. Além disso, também pudemos ampliar o debate com a sociedade para que entenda que as energias renováveis não podem vir às custas da vida das pessoas que estão produzindo alimentos, produzindo sua cultura e sua agricultura”, ponderou Adriana Galvão, assessora técnica da AS-PTA.
Na audiência, as pessoas que estavam na mesa fizeram falas importantes denunciando as violações de direitos promovidas pelas empresas multinacionais e provocando sujeitos políticos a se posicionarem e a fazer parte desse debate. “Queremos que o Estado assuma o compromisso político conosco para rever o modelo centralizado de produção de energia renovável”, pontuou Roselita Victor, da coordenação executiva do Polo da Borborema, que organiza a Marcha pela Vida das Mulheres, junto à AS-PTA.
“Cadê o governador João (Azevedo) que não discute esse tema com a população, não olha os efeitos que estão sendo destruidores para as comunidades rurais. É necessário chamar todos os prefeitos para debater esse assunto”, enfatizou a deputada Cida Ramos.
“É preciso uma interlocução com as esferas de poder para que as comunidades sejam mais ouvidas e para mudar a lógica da política concentradora”, anunciou Nahya Caju, coordenadora do Comissão de Estudos de Impactos Ambientais e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) da Sudema. A EIA/RIMA é o estudo de impacto mais complexo para licenciar o empreendimento do ponto de vista ambiental.
“É importante que as questões sociais sejam incorporados não só no procedimento ambiental, mas na implantação dessas empresas que, me parece, de fato, modelos neocolonialistas”, defendeu o vice-coordenação da Comissão EiA/RIMA da Sudema, Manuel Vidal.
Tanto Nahya, quanto Manuel defenderam em suas falas uma maior participação popular nas audiências públicas que são realizadas pela Sudema para apresentar as análises do estudo do licenciamento ambiental.
“Mas, por quê a sociedade não está presente nas audiências públicas?”, questionou Fabiana Alvarenga, do Conselho de Desenvolvimento Rural e Sustentável de Lagoa Seca, quando a fala foi aberta para o público.
A resposta veio de Nahya que narrou as etapas percorridas para a realização da audiência que, pelo visto, carece de maior divulgação para a sociedade em geral, que fica restrita à publicação no Diário Oficial do Estado. Pela relevância social do tema das audiências, a Sudema deveria usar de ampla divulgação dessa agenda para mobilizar o máximo de pessoas.
Merece destaque a fala do professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFTE Paraíba), Valmeram Trindade, que ressaltou os benefícios das energias descentralizadas como “solução de base popular, mais justa e mais inclusiva”.
E acrescentou: “Estamos tratando de energia nova, num modelo velho, que promove a depredação, a concentração, a exploração e a não inclusão. Parece coisa nova, mas é do mesmo sempre”, disparou.
“Por que precisamos desmatar a Caatinga se temos telhados como desse estádio para por as placas fotovoltaicas que poderiam gerar energia para as escolas públicas? Esses parques estão buscando água onde? Eles estão vindo concorrer com a água que a agricultura familiar utiliza para lavar as placas, para a fundição dos aerogeradores. No modelo descentralizado, com duas canecas de água se limpa um painel fotovoltaico em cima de uma casa. Existem tecnologias para a instalação de um modelo descentralizado. Precisamos de políticas públicas porque as que se sobressaem estão estimulando os grandes empreendimentos.”
Vale também destacar falas de Roselita e de Estela que anunciaram o quanto esse movimento proporcionado pela Marcha das Mulheres na Paraíba está gerando interesse de outros estados, seja da sociedade civil interessada em saber como está sendo feita a mobilização e o debate com as mulheres e homens nas comunidades, seja de instâncias de poder político como da Bahia e Pernambuco. É a Paraíba servindo de estímulo para que outros territórios do Semiárido se mobilizem e organizem novos focos de resistência.
Para quem tiver interesse de conferir partes ou a audiência na íntegra, ela está disponível aqui.
Entre os encaminhamentos propostos na audiência, está levar para os ministérios públicos federal e estadual a denúncia das violações de direitos promovidos no processo de instalação dos grandes empreendimentos na Paraíba.
A apresentação para o governo do Estado de um projeto para disciplinar questões importantes como o distanciamento mínimo dos aerogeradores para as casas das famílias.
A Assembleia Legislativa também vai pleitear junto ao Executivo estadual a criação de um projeto para distribuição de kits de geração de energia solar para as famílias que vivem nas áreas afetadas. Assim como vai propor ao Estado um plano de descarte do lixo gerado pelas usinas e parques eólicos.
“Hoje, o tempo de vida útil dos materiais das usinas solares é de 20 anos. Quando está nos últimos dois anos, as empresas realizam contratos com as prefeituras para doar os equipamentos. Eles estão doando o lixo para os municípios”, comentou Estela com indignação.
Outro encaminhamento fruto dos debates na audiência é solicitar à Sudema pedidos de informação sobre os licenciamentos em vigor para que a sociedade civil consiga, em tempo hábil, também incidir sobre as decisões da Copam, que é o Conselho de Proteção Ambiental, vinculado à Secretaria de Estado da Infraestrutura, dos Recursos Hídricos e do Meio Ambiente, que tem o poder de aprovar as licenças ambientais.
“A Copam tem hoje uma representação que não está atenta e não é sensível às questões discutidas hoje nessa audiência. É necessário que a sociedade civil tenha assento na Copam porque é o órgão que libera as licenças ambientais”, enfatizou Estela. A parlamentar informou, inclusive, que há um projeto de lei em tramitação na Assembleia Legislativa de autoria de Jeová Campos (PSB) para que seja revista a participação da sociedade civil nesse conselho, que tem como integrantes representantes das empresas, do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (CREA), do Ministério Público, entre outros.
E, por último, a deputada também se comprometeu a elaborar um documento sobre a temática, sob o ponto de vista da discussão realizada na audiência, para entregar ao futuro presidente do Brasil.