Em oito municípios do território de atuação do Polo da Borborema houve a quinta entrega de cestas e de vales alimentos agroecológicos desde 2020
“Meu filho de oito anos me perguntou hoje quando iria comprar novamente comida para casa. Eu disse que quando recebesse dinheiro no mês que vem. Mas, logo depois, contei para ele que iria pegar uma cesta e voltaria pra casa hoje com comida”, conta sorrindo Anunciada da Silva Rodrigues, que tem 27 anos e cinco filhos. O mais velho, de 11 anos, mora com a avó, a mãe de Anunciada. E os outros quatro com ela e o pai das crianças. Toda a renda da família vem do Auxílio Brasil de R$ 400 que, infelizmente, acaba antes do fim do mês e ela faz o que pode até o benefício do mês seguinte ser liberado.
Hoje, como Anunciada prometeu ao filho, a mesa da família terá comida de verdade e sem veneno, vinda dos quintais, roçados e cozinhas de famílias agricultoras do território: macaxeira, feijão, arroz, cuscuz, farinha de mandioca, jerimum, alface, banana, laranja, bolo e um quilo de polpa de fruta. Junto ao alimento, Anunciada ganhou também um litro de água sanitária, três barras de sabão, três sabonetes, dois pacotes de absorventes e álcool 70% em gel.
Anunciada mora numa comunidade rural do município de Queimadas, um dos oito que recebeu hoje mil cestas de alimentos agroecológicos: Solânea, Remígio, Esperança, Alagoa Nova, Lagoa Seca, Arara e Areial.
Essa é a quinta doação, desde que começou a pandemia em 2020, realizada no território do Polo da Borborema. Nas quatro primeiras foram doadas mais 119 toneladas de alimentos produzidos no próprio território.
Quem também passou pela sede do Sindicato dos/as Trabalhadores/as Rurais de Queimadas para pegar sua cesta foi Maria do Socorro do Nascimento. Com 63 anos e ainda sem conseguir a aposentadoria como agricultora, dona Socorro mora com três filhos de 27, 28 e 29 anos, um trabalha e outros dois não.
Eles comem o que dona Socorro planta em um hectare de terra alugada e com o que dá para comprar com os R$ 400 que ela recebe do Auxílio Brasil. Um dos filhos paga uma conta ou outra de luz e água. “Tava com três papel de conta de água e mais dois de luz atrasado. Meu filho pagou uma de cada”.
Dona Socorro é agricultora, mas vive na periferia de Queimadas há muito tempo, mais ou menos uns 35 anos nas contas dela. Para morar com os filhos, ela paga aluguel porque a sua casa está emprestada para a filha que, por sua vez, mora com seus filhos. E a situação de alimento em casa? “O que salva é que tenho feijão e milho”, diz ela afirmando que esse ano, por conta do bom inverno, conseguiu lucrar de 11 a 12 sacos de milho.
No ano passado, a dona Socorro pegou a cesta. “E amei. Veio comida que só: batata, macaxeira, inhame, couve, bolo”. E quanto tempo durou a cesta? “Em uma semana a gente comeu tudo”, diz ela que, sabendo do peso das sacolas que ia levar para casa, conseguiu emprestado com a irmã um carro de mão para transportar tudo.
Em Queimadas, as famílias identificadas por agentes de saúde e presidentes de associações comunitárias, em sua maioria, apresentavam grau grave de insegurança alimentar, ou seja, padecem com a fome. Essa realidade também está presente nos outros sete municípios em que houve a distribuição dos alimentos. No levantamento feito pela AS-PTA e o Polo da Borborema, 88% das famílias identificadas para receber as cestas apresentam nível moderado ou grave de insegurança alimentar.
A grande maioria das pessoas que foi buscar as cestas eram mulheres, como Anunciada e Socorro. Novas ou mais velhas, todas com muitos filhos e com a sina de alimentá-los todos os dias, três vezes ao dia. Porque como diz Mateus Manassés, da diretoria do Sindicato de Queimadas, “a gente pode escolher comprar roupa ou celular, mas não escolhe comer. A gente janta hoje pensando no dia de amanhã”.
Com 27 anos e três filhos de 8 meses a 6 anos, Williana Santos também foi receber a cesta no sindicato de Queimadas. Ela, o marido e as três crianças moram, há mais de quatro meses, na beira da BR 104 numa casa de taipa esperando receber a terra para viver e produzir alimento. Eles tiram o alimento do plantio do sogro que já está nesse acampamento há mais de dois anos e planta coentro, macaxeira, batata doce, cana e outras culturas para a família e também para vender. E com o dinheiro do Auxílio Brasil, consegue comprar o grosso como ela disse: “Arroz, feijão, cuscuz”. E a verdura e a fruta? “É difícil”, responde.
E os vales – Duzentas famílias receberão nos próximos dias dois vales no valor total de R$ 180 para comprar alimentos e produtos de higiene nas Quitandas Agroecológicas que funcionam em cinco municípios: Solânea, Remígio, Esperança, Queimadas e Arara. A diferença das cestas é que as famílias podem escolher o que querem levar para casa e a quantidade que preferirem dentro do valor estabelecido nos vales. O atendimento das famílias também agrega as Quitandas como espaço de referência na aquisição de alimentos saudáveis, livres de veneno e de transgênicos.
“Hoje, na Quitanda de Remígio, aconteceram cenas gostosas de se ver. A Quitanda estava recheada de gente que escolhia o que queria levar para casa”, conta Gizelda Bezerra, da diretoria do Sindicato de Remígio e também da coordenação política do Polo.
Ela fez parte da equipe que organizou as cestas e fez as entregas hoje. “Quando a gente chegou na comunidade Padre Cícero, tivemos um impacto muito grande. Estavam as 100 pessoas nos esperando. A gente enchia os olhos de água ao ver a alegria das mulheres. Eu acho que foi quase 100% mulheres quem veio buscar as cestas. Muitas com filhos no braço e que saiu carregando um monte de sacolas. Algumas trouxeram carroça”, relata.
“Tudo isso dava um sentimento de alegria mas, ao mesmo tempo, de revolta porque quem deveria fazer isso era o Estado. E a nossa realidade hoje, com os cortes das políticas públicas e a inflação, é de um Estado que está desprezando os mais pobres”, acrescenta a sindicalista.
Quem organizou as doações – A ação é realizada pelo Polo, a EcoBorborema, a CoopBorborema e a AS-PTA. Os recursos que possibilitam a compra de alimentos das famílias agricultoras agroecológicas do território vêm de organizações internacionais.
Para a compra das 21 toneladas de alimentos distribuídos dessa vez e mais os itens de higiene foram gastos quase R$ 180 mil. Esse valor veio de uma entidade da Suíça, a Aliança Terre des Hommes Schweiz/Suisse, que é uma organização parceira da Solidariedade Suíça (Swiss Solidarity), uma fundação independente criada pela Corporação Suíça de Radiodifusão.
A AS-PTA é uma ONG que atua para o fortalecimento da agricultura familiar agroecológica e presta assessoria técnica, política e metodológica para o Polo da Borborema. O Polo, por sua vez, é um coletivo de 13 sindicatos rurais e cerca de 150 associações comunitárias. A ação do Polo e da AS-PTA formou uma cooperativa estadual, a CoopBorborema, e uma associação regional, a EcoBorborema.