No território da Borborema (PB), a Eco realiza três encontros para ativar o senso de pertencimento dos participantes das 13 feiras agroecológicas à associação
Existe alguma diferença entre uma feira agroecológica e uma feira convencional para além da qualidade dos produtos vendidos? O que significa participar de uma associação de agricultores e agricultoras familiares agroecológicas? Quais direitos e deveres de quem é sócio/a?
Esse tanto de perguntas e outras mais estão sendo feitas para as famílias que participam das 13 feiras agroecológicas organizadas pela EcoBorborema. Nesse mês de outubro, estão sendo realizados três encontros, um para cada grupo de feirantes que vivem em municípios mais próximos.
No dia 4, aconteceu em Alagoa Nova, reunindo cerca de 35 feirantes que atuam nas três feiras de Campina Grande, na de Alagoa Nova, Lagoa Seca e Queimadas. No dia 11, o local do encontro foi em Arara e agregou os feirantes do município anfitrião, Solânea e Casserengue. E o último aconteceu no dia 19 com o grupo de Esperança, Remígio, Areial e Montadas.
O objetivo dos encontros é nivelar entendimentos e discutir o papel da EcoBorborema e a importância dos seus sócios participarem ativamente da associação. E, assim, reforçar o entendimento de que só se progride no acesso a mercados agroecológicos de venda direta se houver auto-organização e envolvimento de cada sócio/a nas reuniões realizadas pela EcoBorborema.
“Hoje, a Eco está com mais de 200 sócios. Infelizmente, nem todo mundo que está nas feiras é sócio. A gente precisa que vocês que estão na feira, estejam na Eco. A Eco coordena as feiras, visita os agricultores, procurando meios de comércio para esse conjunto de agricultores/as. A gente precisa que vocês nos deem valor porque, se não, não vamos muito longe”, afirma Gerusa Marques, da coordenação da EcoBorborema.
Esses momentos sobre certificação participativa via Organismo de Controle Social (OCS), são os primeiros promovidos pela associação após a pandemia. O afastamento social imposto pela Covid-19 desmobilizou o processo de organização da EcoBorborema, que pretende reverter essa situação convocando os integrantes das feiras para discutir temas importantes para quem faz parte dos espaços de comercialização geridos pela Eco.
“Esse encontro é mais que necessário para tratar do certificado [participativo de produção orgânica] e visibilizar as feiras agroecológicas. É grande a nossa produção, nosso trabalho e deve ser grande também a nossa esperança de transformar a vida dos agricultores”, pontua Manoel Oliveira, conhecido mesmo como seu Nequinho, da diretoria do Sindicato Rural de Alagoa Nova e da Coordenação Executiva do Polo.
Sobre o certificado, na condição de uma OSC, a EcoBorborema junto ao Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA) tem a capacidade e o papel de emitir certidões que atestam a produção orgânica dos seus associados, por meio do procedimento de certificação participativa, no qual a produção orgânica é validada pelos próprios associados.
O que é ser uma associação de agricultores e agricultoras agroecológicas? – Essa pergunta ecoou por um bom tempo nas reuniões. E as respostas surgiram de forma bem natural.
“É uma forma de juntar os agricultores para que a gente tenha mais força e voz, é uma forma de fortalecer o grupo”, anunciou uma pessoa.
“Não é só plantar agroecologicamente, mas também que a gente se articule para que possamos entrar no comércio como pessoas organizadas, pra pensarem duas vezes em mexer com a gente”, pronunciou mais alguém, referindo-se aos gestores e gestoras dos municípios onde acontecem as feiras e que, durante a pandemia, demonstraram interesse em desarticular as feiras.
“Ser uma associação é feito um mói de formiga preta, se você matar uma isolada é uma coisa. Agora quero ver você dar conta de várias formigas”, fala com sabedoria um terceiro.
“É uma organização de agricultores que plantam respeitando a natureza, sem usar veneno, que a gente sabe que sempre existiu, mas cada um solto. Quando a gente se junta, criamos força”, acrescenta mais alguém.
“Na mesa, a gente vê produtos com a logomarca que foi criada por quem? Se a gente não tem associação, organização, como a gente ia criar uma marca?”, indaga uma das participantes.
“Na associação, a gente tem direitos, mas também temos deveres. A associação é nossa”, acrescenta outra pessoa.
“Ser associação é se organizar para vender para mercados que exigem documentos, como selo de certificação. A associação é todo mundo, são os sócios participando. Não é um prédio fixo. É como uma igreja. O credenciamento que damos [à EcoBorborema] é muito importante”, confere mais uma voz.
“A gente tem que trabalhar com a agroecologia para defender também a natureza, o pensamento não é só em apurar só dinheiro. Enquanto sou representado e representando a Eco, tenho que defender o trabalho de agroecologia”, pontua mais alguém.
Marcos regulatórios da produção orgânica – Daí, a conversa migrou para esse assunto que é de extrema importância para quem faz parte de uma feira agroecológica. “Vocês conhecem a Lei 10831/2003?”, indaga Wagner Santos, do Núcleo de Mercados da AS-PTA, que assessora técnica e politicamente o Polo da Borborema nos vários temas mobilizadores da ação no território.
Entre alguns rostos que denunciavam o desconhecimento da lei, alguém se arrisca: “É a Lei dos Orgânicos?” E aí, Wagner enfatiza a necessidade de todos e todas terem muita propriedade dessa lei. “É a Lei que organiza a produção agroecológica. Em 2003, foi uma das primeiras leis que Lula assumiu. Essa lei define o que é um produto orgânico, o que é um produto certificado, para que serve, quais são os procedimentos para ter um produto certificado”, assegura ele.
O momento seguinte da formação trouxe à tona a necessidade de reforçar os espaços de controle social da Eco. “Quais são os dispositivos coletivos para a gente ir, cada vez mais, organizando nossas questões, inclusive, as pequenas. Produção se tem, local de venda se tem. Quais são os espaços para tratarmos de cada problema?”, questiona Wagner.
“Nosso mecanismo maior é a nossa reunião. Se disser que tem feira todo dia, as pessoas não deixam de participar. Mas se disser, que uma vez por ano, tem uma reunião, o povo começa a reclamar. Eu até achava chato, mas depois de ficar analisando, analisando, vi que vale a pena. Porque a gente ganha dinheiro e também ganha conhecimento. Se quiser só participar da feira, vai para uma feira livre”, responde Pedro Alcântara, que participa da feira agroecológica de Campina Grande nas quartas-feiras, na reunião de Alagoa Nova.
Segundo Ednaldo Rodrigues, assessor técnico do núcleo de Mercados da AS-PTA, a EcoBorborema tem uma dinâmica de reuniões mensais das redes de feiras agroecológicas, realizadas de forma itinerante nas propriedades dos associados. “Esse processo de reuniões ligado ao controle social, vem funcionando muito bem, garantindo parte do processo certificativo das famílias”, assegura ele.
Assistência técnica contínua – Nos três encontros realizados em outubro, ficou clara a necessidade das famílias feirantes de receber assistência técnica e participar de intercâmbios. Um falou de um fungo na raiz dos pés de banana, outro sobre a produção de mudas de hortaliças orgânicas, outra pessoa falou sobre o uso de adubação verde na cenoura, entre vários outros assuntos que remetem ao manejo agroecológico da produção.
Esse conjunto de demandas levou Wagner, como facilitador do momento, a dizer que é intenção da EcoBorborema, da AS-PTA e do Polo oferecer oficinas sobre vários temas, como caldas para controle de pragas, biofertilizantes… “É fundamental que vocês estejam coletivamente inseridos na dinâmica da EcoBorborema para a gente ir organizando o atendimento dessas necessidades”, arremata ele.
Outro elemento que foi destacado nos encontros é um instrumento de monitoramento da produção orgânica, o Caderno de Plano de Manejo, mais conhecido como Caderno de Campo. “As anotações não são um processo importante só na certificação, mas mostra força social. A partir do momento que mostramos números, mostra que é um grupo organizado”, sublinha um dos participantes da reunião em Alagoa Nova.
Do município de Remígio, a agricultora Josefa dos Santos, conhecida como Dona Mima, destacou também a importância desse monitoramento para verificar a capacidade de produção. “Com o caderno de campo identificamos o quanto temos de lucro e perda. Não faço porque não sei ler, dependo do meu filho que nem sempre acredita nessa ferramenta. Mas, ano que vem, já disse a meu filho que vamos fazer”.
José Irenaldo Beserra, também de Remígio, acrescenta que a grande dificuldade que sente com esse monitoramento é a falta de costume de fazer anotações. “Mas quando lembro, faço. Coloco a data e o que foi plantado”, afirma ele.