Relatório recente publicado pela Embrapa reconhece que as feiras de sementes crioulas e tradicionais ampliam os espaços das trocas de sementes e do intercâmbio de conhecimentos, constatando que as casas e bancos de sementes comunitários desempenham papel fundamental na conservação on farm de recursos genéticos no Brasil. Essas e outras conclusões fazem parte do documento “Conservação e uso de recursos genéticos vegetais para a alimentação e a agricultura no Brasil 2012-2019”, que foi enviado à FAO como subsídio nacional à elaboração do terceiro relatório global “O Estado dos Recursos Genéticos Vegetais para a Alimentação e Agricultura”.
Os dois primeiros relatórios globais foram elaborados em 1996 e 2010, e, da mesma forma, contaram com subsídios enviados pelos países-membros da FAO. A próxima edição está prevista para 2023. O destaque para o documento nacional preparado agora pela Embrapa e universidades parceiras foi o processo de preparação e coleta de informações. A metodologia trabalhada incluiu um capítulo específico dedicado à conservação in situ e ao manejo on farm de recursos genéticos vegetais para a alimentação e a agricultura. Nele são apresentados dados sobre o trabalho das guardiãs e guardiões das sementes e suas ações em redes, bem como sobre as atividades desenvolvidas pelas entidades de apoio para a conservação da agrobiodiversidade. O levantamento das informações envolveu reuniões com o Grupo de Trabalho Biodiversidade da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), que mobiliza experiências de sócio-agrobiodiversidade em todo o país.
A opção por ampliar as parcerias para o levantamento de dados garantiu a incorporação ao estudo de uma amostra ampla das diferentes estratégias de conservação e livre uso das sementes desenvolvidas nas diferentes regiões e biomas do país. Essa opção também assegurou que nenhuma questão do formulário online utilizado fosse de preenchimento obrigatório e que não fossem solicitadas informações detalhadas ou descritores das variedades citadas. Esse caminho foi adotado para salvaguardar os cuidadores e as cuidadoras dessas sementes e dos conhecimentos a elas associados.
A amostra considerada no levantamento permitiu identificar mais de 3 mil variedades crioulas/tradicionais de mais de 20 espécies alimentícias conservadas e manejadas pelos agricultores. Esse é o maior levantamento sobre o tema já realizado no país e contou com a colaboração de 140 informantes. Cumpre ressaltar que cerca de 40% dos questionários foram preenchidos por mulheres, com destaque para sementes em uso em seus quintais produtivos. Esse dado reafirma a importância do papel exercido pelas agricultoras nos processos de conservação, manejo, e melhoramento genético participativo.
O relatório da Embrapa também traz informações sobre mudanças e tendências verificadas no período avaliado (2012-2019), assim como das lacunas e necessidades identificadas. As organizações envolvidas na amostra ressaltaram como ameaça a perda continuada de habitats nativos, que impacta diretamente a conservação dos recursos genéticos vegetais para a alimentação e a agricultura, as mudanças climáticas e a seca prolongada no semiárido entre 2012-2017. Nesse contexto, aponta o relatório que os bancos e casas são uma maneira segura de guardar sementes e foram fundamentais para a rede de agricultores atravessar esse período. Dentre as ameaças referidas, apareceram ainda com relevo os conflitos por terra envolvendo comunidades indígenas, o rompimento de barragens de rejeitos de mineração e a contaminação por transgênicos. Foram registrados relatos de ações do Programa de Aquisição de Alimentos – PAA Sementes afetadas pela contaminação de variedades crioulas, com ocorrência em todas as regiões do país e nas quais foram testadas amostras de sementes.
Com relação aos povos e comunidades tradicionais, o Relatório traz evidências da existência de crescente informação a respeito da contribuição das sementes crioulas/tradicionais para a construção da identidade e da autonomia dessas populações. Nesse sentido, uma estratégia apontada pelas organizações de assessoria é a necessidade do reconhecimento e proteção de territórios de povos e comunidades tradicionais como um todo e não somente das sementes. Do ponto de vista das pesquisas, crescem as evidências científicas que mostram que os povos e populações tradicionais desenvolveram novas raças de milho.
Em suma, o Relatório da Embrapa confirma que há uma grande diversidade de variedades crioulas/tradicionais de espécies cultivadas que são conservadas e manejadas on farm em todo o território nacional por agricultores familiares, povos indígenas, comunidades quilombolas e outros povos e comunidades tradicionais. As diferentes estratégias adotadas são complementadas pela conservação ex situ, como os bancos de germoplasma. Esse panorama geral da situação dos recursos genéticos vegetais no País tem como objetivo fornecer subsídios para a elaboração e execução de políticas públicas, a priorização de ações e metas para os próximos anos. As condições para concretização desse cenário estão diretamente ligadas ao restabelecimento do ambiente democrático no país.