Programa Conselho no Roçado, fruto da parceria entre Conselho de Desenvolvimento Rural Sustentável e Prefeitura, estimula a devolução das sementes para formação de um banco municipal
Esse ano, cerca de 150 famílias agricultoras de Montadas receberam sementes crioulas adquiridas com recursos públicos municipais. As sementes foram compradas no próprio território da Borborema onde está inserido o município. Esse feito, que parece simples, na verdade, é um grande marco.
Isso porque as políticas de distribuição de sementes adotadas pelos governos estaduais e federal são voltadas para beneficiar as empresas, apesar de haver oferta de sementes crioulas nas regiões que poderiam compor esses programas públicos. Além disso, as sementes compradas das empresas são de poucas variedades e não adaptadas aos climas dos lugares onde serão plantadas, como o Semiárido, por exemplo.
Enquanto isso, os milhos crioulos possuem qualidades imprescindíveis para a região semiárida. Segundo Hélder Granjeiro, agrônomo da Empresa de Pesquisa, Extensão Rural e Regularização Fundiária (Empaer), a variedade jabatão, bastante popular entre as famílias agricultoras da região, se adapta à quantidade de chuvas do ano e tem uma capacidade de resiliência alta diante da aridez do clima.
“Essas qualidades do milho crioulo servem exatamente para que o agricultor não tenha o roçado perdido totalmente [quando o inverno é fraco]. Por isso que é diferenciado com relação ao milho que é produzido para ter um desenvolvimento rápido e precisa de adubação química”, afirma ele.
Além disso, as sementes de milho das variedades comerciais não são, necessariamente, livres de transgênicos. Esse ano, das cinco variedades oferecidas pelo governo da Paraíba às famílias agricultoras, três apresentavam contaminação. Para evitar que sementes transgênicas sejam cultivadas no território da Borborema Agroecológica e contaminem as sementes crioulas, o Polo da Borborema junto à AS-PTA realizam testes de fitas imunocromatográficas que indicam a presença de proteínas transgênicas no DNA das sementes. Esse resultado foi apresentado oficialmente ao Governo da Paraíba, no dia 5 de maio, mas não houve nenhuma resposta por parte do Estado
Por tudo isso, os movimentos e organizações agroecológicas têm feito duras críticas às políticas de distribuição de sementes. Mas, aqui e ali, a partir da organização das forças locais, surgem iniciativas que causam furos nesse ciclo difícil de romper. A experiência de Montadas é a segunda dessa natureza que acontece nos 13 municípios onde o Polo da Borborema atua. O Polo é um coletivo de 13 sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras rurais, cerca de 150 associações rurais, uma associação de agricultores/as agroecológicos, a EcoBorborema, e uma cooperativa da agricultura familiar agroecológica, a CoopBorborema.
Inspirado na iniciativa precursora de Lagoa Seca, o Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável (CMDRS) propôs ao governo municipal a compra de sementes da Paixão, que é como as sementes crioulas são chamadas na Paraíba, para distribuição às famílias. E também faz parte da proposta a devolução da mesma quantidade de grãos acrescida de 10% para formar o estoque de um banco de sementes municipal.
O prefeito Jonas de Souza (PSD) apoiou a ideia e defendeu junto à Câmara de Vereadores a disponibilização de recursos do orçamento municipal para esse fim. Em 2021, com R$ 8,8 mil foram compradas 1,2 tonelada de feijão e 0,6 tonelada de milho livre de transgênicos. Tudo produzido no próprio município de Montadas, Areial e Remígio.
Cada família beneficiada recebeu dez quilos de feijão e cinco quilos de milho. As sementes foram distribuídas no final de março passado, cerca de dois meses antes das sementes distribuídas pelo governo estadual. O tempo de entrega é fundamental porque o plantio está associado à chegada do inverno, que em Montadas é em março.
O Conselho é um fórum com representação do governo, secretarias municipais e a Empresa Paraibana de Pesquisa, Extensão Rural e Regularização Fundiária (Empaer) e da sociedade civil, dos mais variados espaços como igrejas, ONGs, sindicatos rurais, entre outros. Segundo a presidenta do Sindicato de Montadas, Jailma Flávia Fernandes, o protagonismo do Conselho foi uma decisão estratégica. “Precisamos de mais organizações fortalecidas e com visão agroecológica que não só o sindicato”, sublinhou.
“Antes do programa Conselho no Roçado, o Conselho de Montadas existia para dar aval para as famílias receberem o seguro-safra”, acrescenta Joaquim Pedro de Santana, agricultor guardião de sementes da Paixão e atual presidente do Conselho.
Como funciona a compra e doação de sementes crioulas em Montadas? – Como o Conselho não faz a gestão de recursos, a compra das sementes fica a cargo da Secretaria de Agricultura do município e o Conselho se encarrega de criar os critérios de distribuição e acompanhar as famílias que receberam as sementes. “Estabelecemos dois critérios muito claros para nós: a distribuição acontece sem vínculos partidários e não existe apadrinhamento, nem discriminação nesse processo”, assegura seu Joaquim.
Além desses princípios, outro critério também é bem forte: quem pegar as sementes precisa plantá-las. Porque, diferente da entrega das sementes feita pelo programa estadual, essa entrega funciona como um empréstimo. Quem tiver acesso às sementes precisa devolver a mesma quantidade acrescida de 10%.
A ideia é criar um senso de cooperação entre as famílias para que, juntas, possam ter condições futuras de sair da dependência das sementes compradas às empresas que o governo distribui. “Em mais dois anos, esperamos ter sementes suficientes armazenadas para que as famílias não precisem mais pegar as sementes de variedades comerciais”, acentua seu Joaquim.
No fim desse mês de outubro, quando ainda está em curso a colheita do milho nos roçados, o Conselho estima que já houve a entrega de 70% das sementes doadas. “Devemos chegar a um patamar de 80%”, comemora seu Joaquim. “Para ser um programa novo, que ninguém acreditava nesse sistema de devolução das sementes, é um bom resultado.”
Como o Conselho não tem um espaço físico próprio, as sementes estão sendo armazenadas na sede do sindicato de Montadas para serem entregues para as famílias agricultoras em 2023. Esse material genético dá início ao estoque do Banco Municipal de Sementes da Paixão. Hoje, Montadas conta com dois bancos de sementes comunitários e centenas de bancos familiares. Um dos bancos comunitários fica no Sítio Furnas e outra no Sítio Campos.
Segundo seu Joaquim, se amanhã aparecer alguém com interesse em criar um banco comunitário, o Conselho pode sim ceder as sementes do banco municipal para esse fim. A grande dificuldade dos bancos comunitários é que a sua gestão necessita de um trabalho voluntário que exige muita dedicação. “Ter que liderar sem receber (recurso financeiro) não é para todo mundo”, comenta o agricultor, que é um dos gestores do banco do Sítio Campos que é sua comunidade.
E quais os próximos passos do programa Conselho nos Roçados? – A expectativa é ampliar o número de famílias atendidas em mais 60, chegando a cerca de 210. Para isso, segundo cálculos do secretário adjunto de Agricultura do município, Edmilson da Costa, é preciso comprar mais uma tonelada de feijão, que vai se juntar ao que foi estocado no banco municipal. “Ainda estamos calculando a quantidade de milho necessária uma vez que ainda vamos ter devolução esse ano”, informa ele.
Para comprar mais sementes, é preciso de mais recursos públicos. Segundo Edmilson, o prefeito já está avisado dessa demanda e sinalizou positivamente. Outro passo para tornar o programa uma ação de estado e não de uma gestão, o Conselho com o aval do prefeito vai apresentar um projeto de lei na Câmara dos Vereadores criando uma lei que obriga o município a comprar sementes crioulas das famílias agricultoras do município e região para distribuir com todas as famílias de Montadas. A minuta da lei vai ser elaborada com base na lei já aprovada no município de Lagoa Seca (Lei nº 206.2014 – Dispõe sobre a criação do programa municipal de sementes).
As quantidades de famílias e de sementes parecem poucas, mas o município de Montadas é bem pequeno. No último Censo Demográfico realizado no Brasil, em 2010, foram contabilizadas 4.990 habitantes, sendo menos de 37% (1.834 pessoas) moradores da zona rural. A partir do cadastro na prefeitura para receber os tratores para o preparo da terra para o plantio, há cerca de 350 famílias que vivem da agricultura no município. E o que acontece lá é um processo de reconcentração de terras nas mãos de um só proprietário, que já comprou 40% das terras do município, que é o teto máximo permitido por uma lei municipal, segundo o secretário Edmilson.
Sem terras, as famílias agricultoras vão morar na periferia da cidade e perdem a sua principal atividade econômica, que é a agricultura. Assim, é gerada uma mão de obra sem qualificação para outros serviços, que se torna muito vulnerável a trabalhos que exploram os trabalhadores e trabalhadoras, ampliando ainda mais a pobreza e a miséria.