Essa semana, a ASA-PB realiza seminário sobre tecnologias que tratam e reaproveitam a água das pias, chuveiro e lavagem da roupa.
Depois de aperfeiçoar o uso da água da chuva, inclusive para matar a sede e cozinhar com ela, além de destinar à horta, frutíferas e criação animal, as famílias agricultoras do semiárido brasileiro estão experimentando novas tecnologias que possibilitam o reaproveitamento das águas de pias, chuveiros e lavagem das roupas. Trata-se das tecnologias sociais de saneamento básico rural a partir do reuso da água. Assim, elas ganham uma ‘nova’ fonte de água. Estudos indicam que até 80% do volume de água que a família usa pode ser reaproveitado. Um índice surpreendente.
Não é de hoje que as organizações da sociedade civil, principalmente as que compõem a Articulação Semiárido (ASA), têm testado e disseminado tecnologias que permitem o milagre da “multiplicação da água”. No ano passado, na Carta Política direcionada às candidaturas nas eleições passadas, a ASA pautou a necessidade de implementação de 200 mil sistemas de coleta e tratamento de esgoto e reuso de água nas propriedades rurais do território.
“O acesso ao saneamento básico rural é um direito de todas as pessoas. Mas ainda temos a metade da população rural sem saneamento. O reuso tem um potencial de manter o quintal produzindo fruteiras e forragens para os animais com a água tratada. Além de contribuir para os efeitos das mudanças climáticas nos territórios”, destaca José Camelo, assessor técnico da ONG AS-PTA que atua no território da Borborema na Paraíba.
O uso dessas tecnologias também provoca impactos que vão além da ampliação da produção, como destaca Maria Madalena Medeiros, do Centro de Ação Cultural (Centrac) que trabalha desde 2010 com processos educativos e de implementação dessas tecnologias junto a população rural do Agreste paraibano. “Os aprendizados são inúmeros, no que tange ao acesso a direitos básicos, educação ambiental, uso correto dos bens comuns e do meio ambiente em geral”, ressalta.
Além disso, tratar o esgoto possibilita a limpeza na comunidade, evitando a erradicação da poluição visual, do mau cheiro e das doenças geradas pela ausência do saneamento. Várias pesquisas associam os maiores índices de mortalidade infantil a lugares sem acesso ao saneamento básico.
Saneamento no NE e PB – Dados do Sistema Nacional de Informação (SNIS), ligado ao Ministério do Desenvolvimento Regional, de 2020, apontam que 5 em cada 7 nordestinos não acessam serviço de coleta de esgoto. Na Paraíba, quase 62% da população, ou seja 6 em cada 10 pessoas, não desfrutam desse serviço.
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), de 2019, quase 45% da população que mora em casas sem esgotamento sanitário têm renda per capita igual ou inferior a meio salário mínimo. Uma realidade muito comum na zona rural.
Seminário – Para debater, refletir e trocar experiências sobre saneamento rural, a ASA-PB realiza nos dias 9 e 10 de fevereiro um seminário em Campina Grande. Com base nesses aprendizados, a ASA vai propor a construção de políticas públicas municipais, estaduais e federais sobre a temática na realidade rural.
O evento reunirá assessores técnicos, pesquisadores de universidades e do Instituto Nacional do Semiárido (INSA) e agricultores e agricultoras familiares de todos os territórios da PB. E a programação prevê, no dia 9, uma visita a campo para conhecer duas experiências de reuso de água cinza. E, no dia 10, apresentações de experiências desenvolvidas pelo Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (Irpaa), uma ONG que tem desenvolvido um trabalho de referência nesse campo, INSA, Universidade Rural Federal de Pernambuco e ASA-PB.
As duas experiências que serão visitadas estão no município de Boa Vista, a menos de 50km de Campina Grande, e na zona rural de Campina, no distrito de São José da Mata, a pouco mais de 11km do centro da cidade.
Sobre as experiências que serão visitadas
Em Boa Vista – As famílias de Eliane e Justina, do Quilombo Santa Rosa, têm seus sistemas de tratamento e reuso há aproximadamente cinco meses. Apesar do pouco tempo de funcionamento, as tecnologias já possibilitaram a intensificação da produção de forragem (palma) e frutas, assim como a maior limpeza do arredor das casas.
Essas experiências são acompanhadas por um projeto de pesquisa desenvolvido para aperfeiçoar o sistema de tratamento e reuso de águas cinzas, fazendo-o atender aos critérios da Organização Mundial de Saúde (OMS) para irrigação com a água tratada.
O projeto de pesquisa foi construído em parceria entre o Coletivo Regional das Organizações da Agricultura Familiar (Coletivo), Insa, o World-Transforming Technologies (WTT), a ONG Patac e a UFRPE.
Na zona rural de Campina Grande – A agricultora Vera Lúcia Ribeiro do assentamento José Antônio Eufrouzino, no distrito de São José da Mata, em Campina Grande, tem aproveitado o espaço cercado, onde destina a água servida, para plantar batata doce, macaxeira, fruteiras, hortaliças e plantas medicinais.
Antes da tecnologia social, que ainda vai completar um ano, Vera tinha dificuldades de cultivar algumas dessas culturas porque, além da escassez de água, ela tem uma criação de galinhas que impedia o plantio no local. Com o espaço cercado, ela consegue produzir o alimento sem ser devorado pelas aves.
Vera relata que o reúso de água, implementado na propriedade pelo Centrac com apoio da agência de cooperação internacional Manos Unidas, tem ajudado muito na produção de alimentos nesse período de estiagem, o que implica em melhoria da segurança alimentar e nutricional da família.
Quer entender como se constrói um sistema de reúso?
Baixe a cartilha produzida pelo Polo da Borborema e pela AS-PTA.
Cartilha – Reúso da Água Servida