Realizado na UFSC nos dias 25 e 26 de abril, o 2º Seminário Internacional “Alimentos saudáveis: Redes Agroecológicas de Produção-Consumo” contou com um público (presencial e online) de centenas pessoas em torno de suas palestras, debates e grupos de trabalho, além da feira agroecológica com uma oferta diversificada de alimentos processados e in natura.
O evento cumpriu o papel de estreitar os laços entre os atores da cadeia agroecológica, na perspectiva do acesso ampliado aos alimentos saudáveis. Estes, por sua vez, não são tratados como meros produtos, mas como um ativo fundamental na garantia da segurança alimentar e nutricional, da justiça social e da conservação do meio ambiente. Tais características fundamentam a Agroecologia, cujo arcabouço supera os limites e a abrangência da produção orgânica, geralmente acessível apenas por públicos mais privilegiados.
Durante a mesa “Formas Públicas e Solidárias de Abastecimento com Alimentos Agroecológicos”, o professor Renato Maluf, que atua na coordenação nacional do Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional, alertou para que o tema da alimentação não seja reduzido à comercialização. “Abastecimento é uma questão de acesso. É necessário fazer uma disputa pelo controle social do abastecimento”, frisou Maluf. Como exemplo ele cita as ações de abastecimento emergencial que rapidamente foram postas em prática diante da calamidade da pandemia, que devem ser potencializadas e servir de inspiração para novas iniciativas, políticas públicas e programas.
Para Humberto Palmeira, representante na mesa do Movimento de Pequenos Agricultores, o acesso à comida de verdade para a população pode ser baseado num sistema como o SUS: “Se, ao lado de cada unidade básica de saúde tivéssemos uma feira, facilitaríamos o acesso à alimentação saudável”, propõe.
Diversos canais de acesso aos alimentos foram abertos pela sociedade civil durante a pandemia, seja na forma de doação de cestas de alimentos ou na consolidação de cozinhas comunitárias, entre outras iniciativas, que garantiram a sobrevivência de muitos grupos populacionais em situação de vulnerabilidade extrema. Dividindo a mesa com Renato Maluf, a administradora pública Isabela Barbosa, coordenadora da Rede com a Rua, enfatizou que tais ações não devem estar restritas à filantropia e ao voluntariado. “Apenas levar os alimentos não resolve nosso problema. Precisamos de incidência para construir políticas públicas, porque a Alimentação é um direito”, realçou Isabela em sua fala.
O papel da comunicação no fortalecimento da Agroecologia foi discutido na palestra de abertura “Comercialização de alimentos saudáveis e redes agroecológicas de produção-consumo.” A nutricionista, socióloga da alimentação e professora Elaine de Azevedo, autora do podcast Panela de Impressão, falou sobre a necessidade de criar redes de comunicação e propagar as pesquisas e informações referentes à Agroecologia. Tais ações objetivam tanto democratizar os conhecimentos, como também fazer o enfrentamento ao agronegócio, que tem uma máquina sofisticada de propaganda. “Agroecologia não é só uma prática agrícola, é uma ciência. E ela não produz só alimento, produz futuro”, disse a professora ilustrando seu posicionamento.
As 4 mesas de debates do Seminário, além de sua Assembleia e Plenária Final, estão disponíveis na íntegra no canal do Cepagro no Youtube.
Além das mesas de debate, a programação do Seminário abriu espaço para a participação ativa dos/as inscritos/as a partir dos Grupos de Trabalho. Cada grupo refletiu sobre um tema do universo do abastecimento agroecológico e conduziu a discussão partindo de três perguntas orientadoras. Confira os principais assuntos e encaminhamentos propostos pelos 5 GT’s:
GT 1 – Comunicação para consumidores
1.Quais os limites/dificuldades para a comunicação com consumidores?
Tempo e disponibilidade de quem produz; Falta de domínio das ferramentas; e falta de articulações e troca de serviços para este fim.
2.Quais os potenciais para a qualificação da comunicação entre produtores e consumidores visando fortalecer a agroecologia?
Conscientização e educação alimentar, entendimento das realidades produtivas, potencialização dos mercados, fidelização e fortalecimento das iniciativas; Inclusão das consumidoras/es na cadeia produtiva; Ressignificação do hábito de consumo; Fortalecimento das feiras e das vendas diretas, qualificando a defesa oral da produção; Fortalecimento da comunicação via redes sociais; Fortalecimento de mercados não diretos; Comunicação acessível.
3.Quais propostas/sugestões de encaminhamento para qualificar a comunicação entre produtoras e consumidoras visando fortalecer a agroecologia?
Alinhar a narrativa aos diferentes públicos; Ampliar o trabalho em rede; Qualificar a ATER (Assistência Técnica e Extensão Rural, pública e da sociedade civil) em temas relacionados à comunicação; Aproximar prestadores de serviço com ênfase em comunicação de projetos voltados à agroecologia; Pensar soluções coletivas de comunicação; Ter entidades e organizações se envolvendo diretamente na aproximação entre consumidoras e produtoras; e formar campanhas coletivas entre as organizações.
GT 2 – Articulação entre restaurantes, lojas e organizações de agricultores
1.Quais os limites/dificuldades para a organização dos/as consumidores/as?
Mudança de interesses individuais, para interesses coletivos e a ação cidadã em rede; A qualidade de um bom serviço pode ser um bom alimento e isso passa a ser primordial e incentivo econômico. O alimento local passa a preconizar a ação em rede; A logística de transporte e abastecimento adequada a realidade da agricultura familiar e restaurantes. Como incluir licitações e grandes empresas?
2.Quais os potenciais para maior organização dos/as consumidores/as visando fortalecer a agroecologia?
Valorização do alimento e dos agricultores, junto ao abastecimento alimento de qualidade na cidade; Utilizar logísticas de distribuição já existentes como de organizações públicas e privadas; Restaurantes agroecológicos: marca coletiva para os restaurantes que utilizarem alimentos orgânicos, agroecológicos e em transição. Restaurantes que apoiam a AF; Fortalecer grupos de agricultores para que possam abastecer grandes volumes conjuntamente, unindo as produções individuais de cada um; A relação direta e preços mais estáveis ao longo do ano, expansão do consumo consciente. Corresponsabilidade entre restaurantes, produtores e consumidores. Alimentos saudáveis na cidade são um bem para todos; Estimular a participação de ATER, ONGs e toda sociedade.
3.Quais propostas/sugestões de encaminhamento para organização dos/as consumidores/as visando fortalecer a agroecologia?
Organização em rede desde a base (agricultores) aos consumidores (restaurantes). Quais modelos ideais? Cooperativa/Associação de restaurantes para escalonar essa ideia; Formalização de uma Marca Coletiva, identidade resguardada, defesa de interesses e princípios em comum; Ação de conscientização do consumo orgânico e agroecológico nas cidades; Pesquisas junto aos consumidores; Quais formas de logística são possíveis?
GT 3 – Organização de grupos e cooperativa de consumidores
1.Quais os limites/dificuldades para a organização dos/as consumidores/as?
Disponibilidade dos consumidores em se engajar com a organização do grupo, especialmente por falta de tempo; Sensibilização dos/as consumidores/as, especialmente no sentido de instigar a percepção sistêmica da rede agroecológica, e não se ver como um mero consumidor; Locais adequados para centralizar alimentos; Rede de fornecedores; Financeiro (falta de subsídio); Formas de acesso (necessidade dos democratizar o acesso aos alimentos agroecológicos); e comunicação (melhorar a comunicação e a divulgação).
2.Quais os potenciais para maior organização dos/as consumidores/as visando fortalecer a agroecologia?
Organização e fortalecimento da coletividade (idec, Mapas, Consea, Cepagro, lacaf); Redes de comunicação; Redes de economia solidária; Qualidade e confiança; Redes de amizade; Envolvimento de consumidores; Existência de referências étnicas e/ou ancestrais; Saúde (busca por melhores alimentos saudáveis); Acesso a diversidade de alimentos; Educação (escolas com espaços de educação alimentar); Grupos locais de consumo; Disponibilidade / oferta (aumentar o volume da demanda, compras em grupo); Maior conhecimento ou popularização do assunto; e criar escala (compras em quantidade, organizar a produção e melhorar o custo benefício).
3.Quais propostas/sugestões de encaminhamento para organização dos/as consumidores/as visando fortalecer a agroecologia?
– Formas de comercialização: Criar loja coletiva; Remuneração do trabalho de gestão; Tecnologia, logística e e-commerce; Montar organização cooperativa mista com agricultores e consumidores; Entreposto; e Rede nacional cooperativa.
– Mapeamentos: Mapeamento de pessoas já sensibilizadas; Identificar outras organizações que já trabalham com consumidores; Mapear interessados em associação de bairro;
– Maior presença e autonomia: Diversificar rede de parcerias; Roda de conversas com degustação; Maior dedicação e engajamento dos agricultores juto aos consumidores; Consumidores ativos no processo de aprendizagem; Provocar encontros e conversas sobre Agroecologia; Aproveitar grupos existentes (condomínio, sindicatos, escolas, associações de bairro, moradias populares e igrejas).
– Acesso à informação: Mais propaganda e comunicação; e Esclarecimento dos sistemas de consumo de produtos agroecológicos.
– Incidência política: Bolsa Família e Vale-feira; Restaurantes populares; Rede colaborativa, troca de serviços por produtos, moedas sociais.
– Atividades Educativas e vivências práticas: Educação agroecológica crítica; Atividades formativas conjuntas de precificação e organização da produção; Eventos culturais; Compartilhar experiências internacionais; Agroturismo; Agricultura familiar sustentável de forma solidária através de hortas e compostagem nos bairros; Intercâmbios e promoção de atividades conjuntas com consumidores e agricultores; Encontros com consumidores já organizados; Iniciar o debate de consumidores a partir de outros grupos.
GT 4 – Equipamento Público de Abastecimento Solidário
Limites/dificuldades para a organização dos/as consumidores/as:
Falta recurso financeiro, equipamentos, desmonte da assistência à população; Equipamento público não resolve tudo. Sempre vai precisar do solidário; Precisa sensibilizar as pessoas sobre a importância dos equipamentos públicos e das políticas; Com o negacionismo, precisamos de formação política e re-sensibilizar as pessoas sobre o direito humano à alimentação; Falta de comunicação e integração intersetorial para redução da Insegurança Alimentar; A alimentação não está entre as 10 prioridades do Ministério da Saúde.
GT5 – Redes locais e internacionais
- Quais os limites/dificuldades para a organização das redes locais e internacionais de produção-consumo?
Ter uma escala de produção dentro de uma escala da necessidade (como o local); Transporte; Promover a agricultura para os jovens (quem vai a produzir nos próximos anos e em que terra?); Como fazer a transição agroecológica? E quem fica no meio?; A perda de alimentos; Trabalhar com a sazonalidade dos alimentos; Como a gente otimiza o conhecimento público da agroecologia para além do não agrotóxico?; Como discutir agroecologia em contextos diferentes.
- Quais as potencialidades para maior organização das redes locais e internacionais de produção-consumo para fortalecimento da agroecologia?
Estão pensando em fazer uma troca Brasil e Paraguai dentro do SPG; A transparência é uma potencialidade para a fidelização do cliente (como se forma o preço, para onde vão os ganhos, quem é o produtor); Aproveitar a escola como um centro institucional para a educação alimentar e criar consciência; Quebrar com a potencialidade das redes, com o paternalismo do Estado; Enorme potencial do consumidor de ultraprocessados para o comedor agroecológico. Há uma necessidade também de aumentar o número de grupos certificados, assim como a produção e a área da produção; Do indivíduo à sociedade civil organizada.
- Quais propostas/sugestões de encaminhamento para organização das redes locais e internacionais de produção-consumo visando fortalecer a agroecologia?
Aproveitar as redes sociais (o que mantém as redes são os nos/nós); Universalizar o alimento, democratizá-lo, torna-o um direito; Contornar as limitações da política de compras públicas, aproveitando a potencialidade do setor privado; Levar para as escolas a agroecologia como uma área interdisciplinar do conhecimento; Engajar os grupos de consumidores e compra coletiva (como a compra de bioma) e articular as diversas experiências com as diferentes demandas; Encontrar pontos comuns e projetos coletivos; Pensar em Redes de Apoio que estão interligadas nas necessidades do cotidiano, que resolvem problemas das pessoas em suas condições como pessoas; Abastecimento popular como uma ação comum.
Realização e apoio
O 2º Seminário Internacional “Alimentos saudáveis: Redes Agroecológicas de Produção-Consumo” foi organizado pelo Cepagro, Núcleo Santa Catarina da Aliança Pela Alimentação Adequada e Saudável, Associação Slow Food Brasil, LACAF/UFSC, NUPPRE/UFSC e Centro Vianei de Educação Popular. O apoio foi da Misereor, Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Agrárias da UFSC, Programa de Pós-Graduação em Agroecossistemas/UFSC, SESC, CETAP, AS-PTA, Cresol, CESE e Fundação Inter-Americana.
Por Fernando Angeoletto
Jornalista do projeto Consumidores e Agricultores em Rede