Na programação, sementes crioulas, produção agroecológica e comercialização de sementes, mudas e alimentos
As caravanas de diversas comunidades rurais de Teixeira Soares, no Paraná, movimentaram o barracão da Igreja do Rio D’Areia de Baixo no último dia 20 de maio, sábado, para participar do 1º Encontro das Famílias Experimentadoras em Agrobiodiversidade do município. Dentre os intuitos do encontro, animar a troca de saberes, de tecnologias sociais e de experimentação agroecológica desenvolvidas pelas famílias agricultoras.
As boas vindas foram dadas pelo presidente do Sindicato do Trabalhadores Rurais (STR) de Teixeira Soares, Welerson Cleiton Pires, que trouxe o histórico de atuação da entidade, fundada em 1989 e seu histórico de luta pelo acesso e direito à terra. Para Weleson, “uma classe unida, torna um sindicato forte”, que tem o papel de promover a defesa de direitos, valorização da agricultura familiar, oferta de serviços de assistência técnica e jurídica e incidência em políticas públicas.
O município tem quatro assentamentos da reforma agrária (São Joaquim, Carvorite, Che Guevara e Rio D’Areia) e 75% de todos os estabelecimentos rurais são caracterizados como de agricultura familiar, que produzem alimentos, segundo dados do Censo Agropecuário de 2017. Porém, há também uma grande concentração de terras, fazendas produtoras de soja e outras comodities. Os dados apresentados pela técnica do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR), Paula Basilio Ribeiro, mostram a desigualdade no acesso a terra e diversos outros desafios enfrentados por quem produz alimentos, como acesso a crédito, ATER agroecológica, sementes crioulas.
Fortalecer a agricultura local é garantir a produção de alimentos saudáveis
Uma das formas de animar a união das famílias agricultoras pela preservação das sementes crioulas e suas tradições é por meio de encontros como este, trazendo à tona o enorme potencial que a agricultura familiar têm de produzir alimentos saudáveis, preservar a agrobiodiversidade e garantir o equilíbrio dos ecossistemas.
Falar de agricultura familiar é também falar de soberania e segurança alimentar e nutricional, pois são quem produz uma variedade de alimentos frescos, saudáveis e diversificados, atendendo às necessidades nutricionais das comunidades locais. Além disso, mantém um conhecimento profundo das práticas agrícolas tradicionais, adaptadas às condições locais, contribuindo para a resiliência e a saúde dos sistemas de produção de alimentos.
Agroecologia como modo de vida
A vida de Maria Portela, o marido Vanderlei e os filhos Hiago e Yasmin, mudou completamente quando voltaram para o campo e puderam escolher o que plantar e colher. A agricultora, que mora há 20 anos no Assentamento São Joaquim, afirma com um sorriso no rosto ao contar sua história durante o encontro que “a agricultura familiar transformou a minha vida! O meu foco é a horticultura e fruticultura, mas há tantas outras atividades, como a produção de leite, ovos, mel”.
A história de Maria evidencia a força, o espírito de comunhão e partilha, tão presentes na cultura camponesa. “Ao ocupar essas terras, nossa família, composta por seis filhos, cultivava milho, feijão e arroz para sobreviver, utilizando sementes e mudas que trouxeram de “herança” de parentes, com a colaboração de todos iniciemos novamente uma nova jornada, de plantar, manejar, cultivar a terra, conhece-la”.
Hoje, a agricultora constituiu a própria família e segue compartilhando o seu amor pela terra, produzindo praticamente todos os alimentos que consome e comercializando o restante em mercados territoriais, diretamente para grupos de consumidores, associações e cooperativas. Em 2005 o investimento na produção de hortaliças deu certo e trajetória do casal também. “E assim começamos, eu carregava duas caixas atrás da bicicleta e o meu filho na frente, enquanto o Vanderlei carregava mais duas caixas nas costas, toda semana, seis quilômetros percorridos, com sofrimento, mas muita esperança enchendo as caixas. As entregas foram aumentando, e a bicicleta azul foi aposentada, substituída por uma moto que ganhou uma carreta feita de uma caixa de geladeira velha, e quando a moto não deu mais conta, emprestamos a carroça do pai. Com nosso progresso na entrega de alimentos, finalmente, sobrou dinheiro para comprar uma kombi e assim melhorar também a nossa qualidade de vida”, contou.
O certificado de produção orgânica veio em 2007, junto com o acesso a políticas públicas como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). O contínuo processo de aprendizagem, fortalecido a partir da participação ativa em diversos espaços políticos, favoreceu o surgimento de grupos comunitários e organizações de base. A propriedade faz parte do Núcleo João Maria de Agostinho, da Rede Ecovida de Certificação Participativa, composto por dez famílias de Teixeira Soares e municípios vizinhos, como Irati, Rebouças, Inácio Martins e Rio Azul.
A família sempre teve consigo a priorização da alimentação saudável. Ao falar sobre, Maria relembra duas ocasiões, quando descobriu que seus filhos são intolerantes a um agrotóxico passado em mangas e tomates. “Nós quase perdemos a Yasmin com seis anos de idade depois de ela comer uma manga, por duas semanas ela ficou no hospital até descobrirmos a alergia a um agrotóxico. Há um ano atrás descobrimos que o Yago também é alérgico ao mesmo agrotóxico, que acreditamos que ele tenha ingerido em um aniversário, por meio de um tomate comprado em mercado. Meu foco sempre foi a produção de alimentos livres de agrotóxico, e esses dois acontecimentos me fazem prosseguir ainda mais com o meu trabalho e a incentivar mais pessoas a mudarem suas escolhas e aderirem aos alimentos agroecológicos”, destacou a agricultora.
O Profeta do Tempo
O animado Luiz Carlos Opata, agricultor de 65 anos, é conhecido na região como o “Profeta do Tempo”. Assentado do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e guardião das sementes crioulas, que, ao longo de sua vida, desenvolveu a capacidade de ler o clima. Há mais de 15 anos vem fazendo anotações diárias sobre a quantidade de chuvas em sua propriedade, que também fica no Assentamento São Joaquim, o mesmo de Maria Portela e dezenas de outras famílias que vieram de todo estado do Paraná.
Durante o encontro, compartilhou seu sentimento sobre agrobiodiversidade em meio a lembranças dos anos 80, quando iniciou junto à AS-PTA, a comissão Pastoral da Terra em Palmeira (PR), sua cidade natal, como também a fundação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais em Palmeira. “Eu cheguei a ser presidente, fui vice-presidente, fui secretário do Sindicato em Palmeira, até vir para Teixeira em 1997. Um fato curioso é que quando cheguei aqui essa área ainda não era assentamento, e o pessoal me falava: ‘vai valer a pena abandonar a nossa terra, pra ir pra outra?’, e valeu, eu já tinha pensado nisso um tempo antes, e eu sempre falava: ‘eu acho que eu vou lá e vou levar sorte para que a comunidade se consolide e vire assentamento’, e por incrível que pareça eu vim em 97, e em 98 foi desapropriada a área, e eu fiquei muito, muito animado, muito feliz por isso”, contou.
Seu Opta completará 66 anos no dia 29 /05 e conta com orgulho sobre sua saúde muito boa, como sempre foi observador da natureza e da vitalidade das pessoas mais idosas. “Eu sempre procurei me espelhar naquelas pessoas mais antigas, mais idosas, elas tinham uma vitalidade muito boa, uma imunidade alta, mesmo trabalhando muito pesado e passando por inúmeras dificuldades. É importante comparar a alimentação de suas épocas, o uso de medicamentos naturais, aos dias de hoje, então isso é um dos fatores que me motiva a continuar participando dos encontros da agrobiodiversidade e me motiva passar para as futuras gerações como forma de exemplo tudo o que vivenciei na luta pela terra e pela agricultura familiar”, disse.
Reflexões em grupo
A partir das inspirações trazidas nas apresentações socializadas, os participantes foram convidados a dialogar sobre suas próprias experiências, conquistas e cenários da agricultura familiar em Teixeira Soares. O intuito foi reconhecer as inovações desenvolvidas e construir um plano de ação conjunto, de promoção da agroecologia, fortalecimento das organizações de base, preservação da agrobiodiversidade e das sementes crioulas.
Para o futuro, a perspectiva é de ação em rede, que se conectam a partir dos fios da incidência política, da defesa de direitos através do sindicato, cooperativas, associações e grupos comunitários, da produção de comida de verdade, do incentivo a juventude a permanecer no campo. Pois é como diz Maria Portela, “seguimos acreditando que passar essa ideologia de vida para frente e incentivar as novas gerações deve estar sempre em discussão com muita atenção, tanto para o cuidado do nosso bem mais precioso que é o meio ambiente, quanto para o cultivo das sementes crioulas que são a representação mais pura do nosso suor e da nossa resistência”.