“Os parques eólicos estão chegando e ocupando as melhores áreas, altamente conservadas, altamente biodiversas, que são as serras. E quando eles chegam, cortam e derrubam a vegetação. O que sucede? O solo fica sem cobertura e perde sua fertilidade e assoreia rios e açudes. Com o solo sem fertilidade, a vegetação não cresce mais, perde sua pujança e o clima em todo o lugar se resseca, se desidrata e evita a entrada de água. Menos precipitação, menos águas nas profundezas do solo e os rios intermitentes estancam e o carbono que está armazenado na Caatinga é emitido para a atmosfera.”
Essa sequência de fatos foi descrita por Aldrin Martin Pérez-Marin, pesquisador do Instituto Nacional do Semiárido (INSA), ligado ao Ministério das Ciências e Tecnologias, na última audiência pública realizada no território da Borborema, no Semiárido paraibano, sobre os impactos das energias eólica e solar. Desta vez, a audiência foi promovida pela Câmara Municipal de Campina Grande com propositura da vereadora Jô Oliveira (PSOL). Para conferir a audiência, clique aqui.
Na sua fala de 10 minutos, o pesquisador, que também é professor dos programas de pós-graduação das Universidades Federal e Estadual da Paraíba, apresentou dados que comprovam a eficiência do bioma Caatinga na regulação do clima não só na região onde ela ocorre, mas em todo o planeta.
“Nossos estudos já publicados – temos uns sete trabalhos publicados em revistas bem-conceituadas como a Nature – vêm elucidando o extraordinário papel do bioma Caatinga para o balanço do CO² (gás carbônico) a nível do país, regional e global. Verificamos que, ao contrário do que se imaginava, a Caatinga atua como excelente sequestrador de carbono mesmo em período de extrema seca”, acrescenta.
O pesquisador traz, na sequência, os quantitativos de carbono sequestrados e retidos, de diversas formas, por hectare pelo e no bioma. “Em área de Caatinga mais úmida, essa aqui que temos aqui pela Borborema, ela sequestra entre a atmosfera e a vegetação, até cinco toneladas por hectare. Em área mais seca, entre 1,5 a 3 toneladas/hectare. Também verificamos que esses valores transformam a Caatinga em floresta mais eficiente quando comparada com outras florestas no mundo.”
Com relação à retenção de carbono, Aldrin afirmou que, de cada 100 toneladas de gás carbônico sequestrado, 45 toneladas ficam no sistema em forma de madeira. “Se estoca carbono tanto na vegetação, quanto no solo. Nessa Caatinga mais densa, temos quantificado 125 toneladas de carbono estocadas por hectare. Nas áreas mais abertas, 85 toneladas. Quando transformamos essas áreas em parques eólicos e solares, esse carbono é emitido [para a atmosfera].”
Esses dados elucidam que, mesmo do ponto de vista climático, a geração de energia centralizada, por meio de grandes parques industriais instalados bem no meio da Caatinga, não é a solução prometida.
Um dos principais argumentos usados na defesa da implantação das indústrias de energia renovável é a redução na emissão de gás carbônico por evitar a queima de combustível fóssil.
Segundo dados anunciados pelo representante da empresa EDP Renováveis, responsável pela instalação dos cinco parques eólicos da Serra da Borborema, durante a audiência pública em Pocinhos, no mês de agosto passado, a energia gerada, em um ano, vai reduzir a emissão de gás carbônico em 189 toneladas por ano se comparada com a geração de energia de matriz fóssil.
Mas essa conta não se encerra aí. É preciso levar em consideração todo o passivo ambiental provocado no bioma mais eficaz na retenção de carbono. Os 200 hectares de desmatamento provocados pela instalação dos cinco parques eólicos vão promover a liberação de 25 mil toneladas de carbono.
Multiplicando 25 mil toneladas por 3,66, chegamos a algo em torno de 90 mil toneladas de CO² liberados na atmosfera do planeta só na hora de instalar a indústria. Se a gente fizer uma conta rápida, para zerar o déficit dessa liberação inicial, serão necessários 485 anos, uma vez que a economia de carbono anual projetado pela empresa é de 189 ton./ano.
“Essas contas demonstram que é uma grande falácia apresentar o modelo centralizado de geração de energia renovável como algo que vai impactar na redução dos gases que agravam as mudanças climáticas”, afirma Claudionor Vital, advogado. “Em termos de balanço de carbono, é melhor a caatinga em pé”, atesta.
A omissão do poder público – “Esse modelo de expansão das energias renováveis é agressivo, é desigual, é injusto. E precisa ser repensado, precisa ser discutido. Os governos que têm apoiado precisam rever suas pautas, precisam ouvir as comunidades camponesas sobre como produzir energia de fonte renovável que seja também justa, que seja igualitária e que traga benefícios para as comunidades rurais camponesas”, declarou Claudionor fechando os seus minutos de fala na audiência.
E por falar na postura dos governos em relação à chegada das indústrias de energia, o procurador do Ministério Público Federal na Paraíba, José Godoy, destacou em sua fala a omissão estatal frente ao interesse privado.
“Dentro desse processo, o que observo são as omissões estatais. Elas chamam a atenção. Por exemplo, a Sudema da Paraíba (órgão responsável pelos pareceres técnicos dos empreendimentos no tocante aos impactos ambientais) não exige EIA/Rima (Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental) antes de conceder a licença prévia. Um mero RAIS (Relação Anual de Informações Sociais), a empresa já tem a licença prévia para trabalhar. Falta de apoio do poder público para que esses agricultores possam negociar em condições de igualdade. A falta de um padrão mínimo desses contratos. A Aneel, que disciplina as políticas públicas, pensou num monte de coisa, menos nesse processo de negociação que é um erro grave do órgão regulador nacional”, pontuou o procurador encerrando esse aspecto ao assegurar que o erro mais absurdo do “Estado da Paraíba é nunca ter criado um zoneamento que dissesse essa área me interessa, essa área não vou ceder pra energia eólica, solar, porque ela produz alimentos e isso é importante”.
“Isso é o absurdo da capitulação (submissão) do poder público pelo poder privado. A capitulação do interesse público pelo interesse privado. Essa é a ausência, é a omissão mais grave que nós registramos aqui na Paraíba: É o Estado não pensar o que quer com seu território e entregar para que outrem, do lado de fora, decida o que vai ser em cada região.”
Outros olhares – Além do pesquisador Aldrin Marin, do advogado Claudionor Vital, e do procurador federal, José Godoy, também deram importantes contribuições à audiência pública: a pesquisadora e professora da Universidade Federal de Campina Grande e integrante do Comitê de Energias Renováveis do Semiárido (Cersa), Ricélia Marinho; e mais três assentados da reforma agrária, sendo dois de assentamentos em Campina Grande, a agricultora Zélia de Melo e o agricultor Marco Eloi, e uma assentada em Remígio, que é uma das lideranças do Polo da Borborema e da Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia, Roselita Vitor. Rose apresentou o potencial do território para a produção de alimentos saudáveis, um território referência nacional na agricultura familiar agroecológica.
Imagens: @carlabatista27
https://www.youtube.com/watch?v=iuCHDNpn9-0