Independente do assunto tratado no 1º dia da Festa da Colheita, em Remígio/PB, a síntese sempre reforçava essa certeza
Como não há alimentação saudável, sem semente livre de veneno e transgênicos, nada mais adequado do que celebrar as Sementes da Paixão na semana do Dia Mundial da Alimentação (16.10).
No território da Borborema Agroecológica, no Semiárido da Paraíba, na terça e quarta-feira passadas (17 e 18), foi realizada a 2ª Festa da Colheita das Famílias Guardiãs das Sementes da Paixão da Borborema. Dos 13 municípios de atuação do Polo da Borborema, o que sediou o evento foi Remígio.
O primeiro dia da Festa da Colheita reuniu gestores e gestoras dos bancos comunitários de sementes para olhar para as estratégias de proteção e multiplicação das Sementes da Paixão, assim como para as ameaças ao patrimônio genético guardado pelas famílias agricultoras.
No dia 17 pela manhã, os/as participantes circularam por carrossel de experiências sobre quatro temáticas: acesso a mercado e o direito humano à alimentação saudável; mulheres em defesa do território ameaçado pelas indústrias de energia renovável; leis municipais de compra e distribuição das sementes crioulas de Montadas e Lagoa Seca; e as sementes crioulas e o resgate das culturas de renda do território, através dos consórcios agroecológicos.
“Pra mim, a maior lição do carrossel é a resistência. Estamos num país capitalista, no qual as indústrias que produzem as sementes, produzem também o veneno e os medicamentos. Os venenos nos adoecem. Os remédios são para tratar as doenças provocadas pelos agrotóxicos. Num país desse, a gente tem conseguido implantar uma ação de proteção das sementes crioulas e tem colocado o poder público contra esse sistema. Em nossa região, temos três municípios com leis e programas de compras de nossas sementes crioulas para distribuição para as famílias agricultoras. Isso só existe por conta da nossa resistência. E a chefe de tudo é a nossa organização social. Se não tiver ela, não há resistência”, comentou Seu Manoel Oliveira, conhecido como Nequinho, presidente do Sindicato de Alagoa Nova, da coordenação do Polo da Borborema, e uma das lideranças mais antigas da luta pela terra na região.
“O bom militante não pode abandonar a luta por conta das ameaças”, acrescentou ele trazendo à lembrança os tempos em que conviveu com Margarida Maria Alves. A sindicalista foi assassinada porque defendia os direitos dos trabalhadores rurais no início da década de 1980, numa época em que o poderio dos coronéis era a lei local. Hoje, as ameaças que o território passa são outras, mas são forças potentes, que têm o poder econômico e político nas mãos, como as megacorporações internacionais do setor de energia renovável e de alimentação.
Pesquisas participativas – Na tarde do primeiro dia, foram apresentados os percursos de pesquisas participativas feitas pelas universidades públicas da região – estadual e federal da Paraíba – com envolvimento das famílias agricultoras. Tais pesquisas foram realizadas para superar desafios enfrentados nos cultivos da batata inglesa, por exemplo. Desde 2014 que a UEPB vem desenvolvendo estudos para fortalecer o cultivo desse tubérculo que já foi uma forte fonte de renda para as famílias locais.
A outra pesquisa apresentada é o monitoramento dos estoques dos bancos de sementes comunitários, que são cerca de 60 na região de atuação do Polo da Borborema. A pesquisa levanta informações para a tomada coletiva de decisão sobre algumas questões como as estratégias para ‘salvar’ algumas variedades do estoque em estado crítico – com menos de dois quilos e localizado em apenas um banco comunitário de sementes. “A comissão de sementes do Polo deve se reunir e decidir o que fazer para não perder essas sementes”, comentou a professora e doutora em Engenharia de Produção, Christine Saldanha, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
No final dessa mesa, uma frase de Roselita Vitor, uma das lideranças do Polo da Borborema, sintetizou bem a grandiosidade das iniciativas de construção do conhecimento agroecológico e fez referência à ameaça que ronda o território e pode pôr tudo a perder: “O dinheiro que as empresas estão oferecendo não dão conta da riqueza que estamos vendo aqui.”
Incidência política – Na segunda metade da tarde, houve mais uma mesa dedicada aos programas e políticas públicas que fortalecem as sementes da Paixão e os conhecimentos tradicionais associados a elas. Foi a vez de ouvir o secretário de Agricultura de Lagoa Seca, Nelson Anacleto, que pôs em prática a compra e distribuição das sementes crioulas das e para as famílias agricultoras do município; o representante da Conab na Paraíba, Anderson Nascimento, que levou um contrato do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), na modalidade Sementes, para ser assinado pela CoopBorborema no valor de mais de R$ 103 mil.
Esse contrato prevê a compra de Sementes da Paixão para o Banco Mãe do território que, por sua vez, distribuirá para os bancos comunitários a partir das necessidades apresentadas. “Esse é o terceiro contrato assinado pela CoopBorborema. Isso nos diz que os/as agricultores/as sabem administrar muito bem os recursos, inclusive, os de políticas públicas”, pontuou a presidenta da cooperativa, Gizelda Beserra. A Coop começou a operar no início de 2021, no meio da pandemia e durante o governo que deixou de apoiar a agricultura familiar e a agroecologia.
Nesta mesa, também falaram o representante da Secretaria Estadual da Agricultura Familiar e Desenvolvimento do Semiárido, Jaílson Lopes, que apresentou as iniciativas em construção para acessar recursos públicos até então direcionados para empresas de sementes. Uma destas iniciativas é a Lei da Agrobiodiversidade, aprovada no primeiro semestre deste ano, e que tem duas vertentes: um programa de fortalecimento da rede de bancos comunitários de sementes da Paraíba e a construção de um plano de estímulo às sementes crioulas.
Por fim, a representante da Vert, empresa francesa de tênis, Valdirene de Sá, falou do que significa comprar da CoopBoborema a produção de algodão agroecológico da Borborema.
A última fala da tarde reforçou o que disse Nequinho, no encerramento das atividades da manhã. Desta vez, foi Luciano Silveira, da AS-PTA, quem ressaltou o tamanho da resistência que o Polo da Borborema orquestra no território, tendo parcerias importantíssimas como as instituições públicas de ensino e pesquisa.
“Estamos resistindo a grandes corporações que querem controlar a produção de alimentos no mundo. É um projeto grande e poderoso. E nosso trabalho formiguinha diz ‘não’ a tudo isso. Construímos um movimento de resistência alinhado à universidade, que vem promovendo a ruptura com o projeto de privatização dos recursos naturais. Hoje, passamos o dia falando que o nosso território é de resistência”.
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