Antes das 7h da manhã, muitas barracas da feira já estavam recheadas de alimentos sagrados produzidos pelas agricultoras e agricultores familiares que fazem parte da dinâmica do Polo da Borborema. Realizada dois dias depois do Dia Mundial da Alimentação (16/10), a feira fez parte da programação da 2ª Festa da Colheita das Famílias Guardiãs das Sementes da Paixão do Polo da Borborema.
Aconteceu em Remígio, um dos 13 municípios que integram o território da Borborema Agroecológica, área de atuação do Polo e da AS-PTA na Paraíba. E foi uma feira e tanto. A animação estava tão forte quanto o sol do Semiárido que esquentava o asfalto e fazia subir um calor mais devastador do que o que vinha do céu.
Eram 20 barracas de feira ocupadas por uma diversidade de sementes da paixão, além de alimentos cultivados e beneficiados em nove municípios. Dez delas continham instalações pedagógicas e materiais informativos que denunciavam as ameaças à agricultura familiar de base agroecológica no território, assim como anunciavam ações e pesquisas que fortalecem e valorizam o trabalho de quem se dedica a cultivar o solo.
Entre os/as participantes, destaque especial para os/as guardiões e guardiãs da biodiversidade, chamadas na Paraíba, de sementes da Paixão. Em muitas barracas e tendas, as sementes crioulas de variedades diversas tinham lugar de honra.
Dona Ritinha, da comunidade Benefício, no município de Esperança, levou 16 saquinhos com sementes de rosa do deserto para vender. Uma das principais fontes de renda dela são as plantas ornamentais, suculentas e medicinais. Ela vende tanto mudas, quanto as sementes, que garantem uma renda contínua, que se soma ao apurado da venda dos ovos de capoeira e das galinhas e das polpas de acerola e maracujá, que reforça o orçamento no período da estiagem.
Para essa feira, dona Ritinha tinha uma expectativa: levantar R$180,00 para comprar um carro pipa de 11 mil litros para regar suas plantinhas. O tanque, a fonte de água para matar a sede delas, secou. “Só tenho a água da minha cisterna. Eu gasto, em oito dias, cerca de 1,3 mil litros de água com as plantinhas. Não dá pra usar da água da cisterna”, contou ela. Antes do final da manhã, Dona Ritinha já tinha superado a meta de arrecadação. E não cabia de felicidade.
Outro guardião feliz da vida na feira foi seu Paulo Alexandre, de Lagoa do Jogo, em Remígio. Ele conseguiu adquirir novamente uma semente que tinha perdido lá pros idos de 1995. E, como dona Ritinha, era só felicidade.
“Faz tempo que eu queria encontrar esse feijão”, disse ele. E como é o sabor dele, seu Paulo? “É muito saboroso. Tem uma pele bem fininha, muito bom de se comer. E é um feijão enramador, que se espalha. Dá para colher umas 10 a 12 vezes sem o pé morrer. É uns dois meses de colheita. O feijão que não tem rama, dá pra apanhar só duas vezes”, disparou.
E o senhor vendeu alguma semente hoje? “Sim! Eu trouxe 18 garrafas PET (de dois litros) com feijão carrapato, mulatinho de cacho e carioca tochinha, e só tenho duas agora”, assegurou quando o relógio marcava um pouco mais das 11h da manhã. Levando em consideração que a feira se estendeu até 15h, é bem provável que tenha vendido as garrafas restantes.
Na frente das barracas de alimentos, estavam as tendas informativas sobre vários assuntos: impactos das indústrias de energia renovável na produção dos alimentos e na vida das famílias rurais; atividades desenvolvidas pela juventude camponesa; ações do Polo e da AS-PTA direcionadas para crianças e adolescentes do campo; formas de controle biológico de doenças e pragas nos cultivos agroecológicos, em vez do uso de defensivos químicos com alto teor de toxicidade prejudicial para a vida.
Participações especiais – Também havia barracas disponíveis para apresentação de ações do poder público municipal nas áreas da educação e agricultura. A tenda da educação estava ocupada pelos alunos do ensino médio da Escola Cidadã Integral Técnica (ECIT) José Bronzeado Sobrinho.
A professora Christina Lima e alguns estudantes apresentaram diversos experimentos. Um deles era uma maquete que tornava visível os danos causados pelos parques eólicos depois de alguns anos de funcionamento. A miniatura reproduzia uma comunidade rural com casas e cisternas rachadas ladeadas pelos gigantes aerogeradores.
“Chegamos aqui por conta das Marcha”, afirmou Kayky dos Santos, 17 anos, aluno do 2ª ano do colégio. “Nós participamos, junto à professora Christina, da Marcha de Solânea e Montadas e estamos discutindo sobre o tema na escola”.
Depois de vocês falarem sobre os impactos, o que as pessoas comentam? “Apesar delas pensarem que é uma energia boa, quando a gente começa a falar, eles começam a ter dúvidas (com relação da certeza anterior)”, respondeu Kayky, que nasceu e mora na rua de Remígio e seus avós maternos e mãe são de sítio em Algodão de Jandaíra. “Eu ia sempre pro sítio nos finais de semana. Minha mãe plantava roçado”, contou. De uns tempos pra cá, por conta da violência, seus avôs já aposentados também migraram pra rua.
Comida de chefs – Outros convidados de honra foram dois ecochefs, Eliane Régis, natural de Campina Grande, e Adilson Santana, de João Pessoa. Eles fazem parte do movimento Slow Food que entende o ato de alimentar-se relacionado à identidade cultural, ao território, às memórias, à história, ao patrimônio. Ou seja: a alimentação como um ato político que está inserido num contexto econômico, social e político.
Acompanhados pela cozinheira de Remígio, Lourdes Rodrigues, os dois ecochefs prepararam petiscos a partir dos alimentos cultivados e beneficiados no território, como o Fubá da Paixão, um dos produtos elaborados a partir do milho livre de agrotóxicos e transgênicos cultivados na Borborema Agroecológica.
Visitantes latinos americanos – O terceiro grupo de convidados especiais são jovens de vários territórios do Semiárido brasileiro, espalhados tanto na Paraíba como em mais sete estados – SE, BA, PE, RN, CE, PI e MA – além de hermanos y hermanas da Argentina, El Salvador e Guatemala.
Essa juventude faz parte das ações da iniciativa DAKI – Semiárido Vivo, um programa de formação e intercâmbio de conhecimentos entre populações rurais das regiões secas da América Latina: Semiárido brasileiro, o Chaco Argentino e o Corredor Seco da América Central.
Financiado pelo FIDA (Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola), o DAKI é uma ação realizada pela Articulação Semiárido Brasil e Plataforma Semiáridos, ambas são redes de organizações da sociedade civil que atuam no fortalecimento da agricultura familiar de base agroecológica.