A frase é de uma moradora de uma comunidade referência no Polo da Borborema pelas capacidades coletivas desenvolvidas para enfrentar a crise climática e outras
“Fazemos tanta força para conseguir as cisternas, tanta propaganda para não desmatar, mas se chegar uma indústria dessa (de geração de energia a partir dos ventos e do sol), serei uma sem terra, sem casa, sem saúde, sem raízes. Essas empresas são um cavalo de tróia para a nossa população”, indigna-se Rita Izidora, conhecida como dona Ritinha, da comunidade Benefício, no município de Esperança.
Benefício é uma comunidade que adquiriu a qualidade de ‘resiliente’, porque tem desenvolvido capacidades organizativas para a gestão coletiva de seus bens, seja a água, seja o conhecimento, sejam as tecnologias que potencializam a produção de alimentos.
E é também uma localidade que está sofrendo o assédio das empresas de energia, tirando o sono das famílias que sabem a destruição que os parques industriais causam na vida comunitária e familiar.
“Temos medo”, declarou dona Ritinha para uma comitiva do governo federal que percorreu várias comunidades na Paraíba e Pernambuco para ouvir as comunidades.
Ana Lúcia é uma das pessoas de Benefício que recebeu a visita indesejada dos representantes de uma empresa de energia. “Em uma semana, eles foram lá em casa três vezes. Tava vendo a hora eu pegar uma depressão. Nem fui pra Marcha (Pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia, em Montadas) com receio de eu não estar em casa e meu marido assinar o contrato”, contou.
Segundo soube, a propriedade dela está cercada por vizinhos que assinaram o contrato de arrendamento. “A mulher da empresa me disse que vou nadar em dinheiro. Respondi que não quero nada disso não, que a gente tem que nadar é em água.”
Diego Araújo, um jovem de Benefício, que finalizou o ano passado o curso técnico em Sistemas de Energia Renovável, no Instituto Federal de Esperança, fez coro com as outras pessoas da comunidade que receberam a comitiva do governo federal. “Agricultor não é sinônimo de burrice. Agricultor é forte e estamos aqui para lutar”, bradou com voz embargada.
A bomba prestes a explodir – Pocinhos vai abrigar três destes cinco parques. E a comunidade Lagoa Comprida, em Areial, que está na área de influência de um deles, conforme informado no Relatório de Impacto Ambiental feito pela empresa, já começa a perceber a mudança ao redor, como a desativação de uma pedreira onde muitas pessoas da comunidade e de fora dela trabalhavam. “Quando soube que era uma empresa (de energia) passei três noites sem dormir. Era chorando, um desespero. Meu Deus, o que vou fazer? A gente com tanto sossego, só escuto o chiado do grilo, do cachorro”, lamentou dona Socorro Pereira.
“Eu faço parte da Feira Agroecológica de Areial que tem 8 anos. Sou uma das fundadoras. Levo o que planto. Se não plantar, não vai ter feira”, acrescentou. Na barraca de dona Socorro, quem leva o doce de mamão verde pra casa nunca deixa de comprar, segundo ela. Os bolos também têm muita qualidade. Fora os feijões fresquinhos colhidos por ela e as frutas como a acerola.
“Foi aqui onde criei meus filhos. Sofrido, mas foi aqui. Não quero deixar a minha terra. Foi aqui onde nasci. Os pés de juá foram herança de meu avô. Eu fico preservando essa herança”, continuou.
Em agosto passado, dona Socorro foi uma das milhares de mulheres agricultoras que coloriram as ruas do plano piloto de Brasília. “Foi a terceira vez que fui para a Marcha das Margaridas, mas dessa vez voltei muito triste. Na Bahia, o tanto de torre que vi. E pensar que verei uma da porta de casa. Com certeza, (o barulho) vai atingir nós porque um trator que está cortando a terra longe, a gente escuta daqui. Imagina um catavento daquele tamanho.”
Zeneide Grangeiro Balbino, presidenta Sindicato dos/as Trabalhadores/as Rurais de Areial, contextualizou dizendo que grande parte da população do município vive da agricultura, produzindo alimentos em pequenas terras que, no máximo, alcançam cinco hectares. São famílias de baixa renda beneficiadas pelos programas e políticas públicas criadas para a superação da pobreza e da fome como o Bolsa-Família, Garantia Safra e os programas Um Milhão de Cisternas (P1MC), Uma Terra e Duas Águas (P1+2), ambos concebidos e executados pela ASA Brasil (Articulação no Semiárido).
“As famílias agricultoras daqui já são ameaçadas pelo agronegócio, que desmatou a Caatinga pra criar gado solto e tem também o monocultivo do milho e do capim para dar aos animais. Estamos no Curimataú de Areial”, informou Zeneide. O Curimataú é uma das regiões mais secas da Paraíba.
Com relação aos parques eólicos, Zeneide enfatizou: “Estamos vendo essa bomba prestes a estourar. Com o arrendamento de suas terras, a família agricultora perde seu CAF (Cadastro Nacional da Agricultura Familiar) e sem ele não pode ter acesso ao crédito, nem a benefícios sociais e previdenciários que custaram tanto para serem conquistados pelos trabalhadores rurais”.
“Diante disso tudo, eu fico me questionando: ‘Essa energia é boa para quem e para quê?’ Eu faço um apelo a vocês. Mas não sei até onde vai meu clamor e o choro de Socorro. Mas, estou aqui na luta.”, disse se referindo para a comitiva da Mesa de Diálogos Energias Renováveis – Direitos e Impactos, criada em setembro pela Secretaria Geral da Presidência.
Entre as falas de dona Socorro e Zeneide, uma agricultora de Montadas, município vizinho de Areial, Rosilda de Lima, não se contém e solta uma pergunta endereçada ao presidente Lula como um grito preso na garganta: “Ô presidente, se temos um milhão de cisternas, porque não um milhão de placas solares?”
Mesa de Diálogo sobre Energias Renováveis
Participaram, desta primeira visita de campo da Mesa, representantes dos Ministérios do Meio Ambiente, do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, das Minas e Energia, do Incra e da Fiocruz, além da Secretária Geral da Presidência. Acompanham a caravana além do Polo da Borborema e da AS-PTA, a Comissão Pastoral da Terra, Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), Comitê de Energias Renováveis do Semiárido (CERSA), Articulação do Semiárido Paraibano (ASA Paraíba), Federação dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado da Paraíba (Fetag-PB), entre outras instituições.