A produção de conhecimentos e o estímulo ao debate sobre a dimensão política da Agroecologia tem sido uma marca da revista Agriculturas. Afinal, as experiências em Agroecologia ganham pleno significado quando compreendidas no contexto da disputa política e ideológica com os sistemas agroalimentares hegemônicos, organizados segundo a racionalidade do capital. Cada experiência apresentada nas sucessivas edições da revista pode ser interpretada como expressão de trajetórias voltadas para a superação dessa hegemonia. Transformações dessa ordem implicam mudanças nas relações de poder em várias esferas da sociedade: desde as famílias e organizações locais, nas quais o patriarcado reproduz desigualdades de gênero que se irradiam para o conjunto das instituições sociais, até a escala dos Estados nacionais, muitos dos quais capturados pelo receituário neoliberal de gestão pública.
Este é o segundo número da revista dedicado especificamente à temática das políticas públicas. Desde a edição do primeiro, em 2006, o processo histórico se acelerou. Nesse período, foi instituída a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo), tornando o Brasil pioneiro em iniciativas dessa natureza. Em resposta à crise econômica global e ao recrudescimento da fome no mundo, diferentes órgãos das Nações Unidas passaram a reconhecer a Agroecologia como um enfoque necessário para o alcance dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Mas foi também no mesmo período que o desencanto com a política se generalizou frente à falta de respostas consistentes por parte dos governos e das instituições estatais à acentuação da pobreza, das desigualdades sociais e das crises ecológica e climática. Criou-se assim o terreno fértil para a ascensão do conservadorismo e para a expansão de forças políticas autoritárias em muitos países.
Tirar os aprendizados desse período é condição essencial para o desenvolvimento e a consolidação do novo ciclo de institucionalização da Agroecologia como política pública que se inicia no Brasil. Este número especial de Agriculturas, publicado no exato momento em que a Pnapo é reativada, traz artigos que dão conta e analisam avanços e desafios que emergem da trajetória da Agroecologia. O conjunto aqui publicado transmite, pelo menos, duas ideias-chave. A primeira, é a constatação de que as políticas públicas devem reconhecer o valor e apoiar a multiplicação e o aumento de escala das experiências sociais que apontam para a democratização e a sustentabilidade dos sistemas agroalimentares. Essa condição, no entanto, não será suficiente enquanto a maior parte dos recursos orçamentários e políticos geridos pelos poderes públicos permaneçam canalizados para subsidiar as cadeias do agronegócio e a alimentação industrializada. Daí a importância da segunda ideia: a de que as políticas devem inverter o sentido dos benefícios públicos, ao impor obstáculos e normas penalizadoras às práticas danosas à sociedade e ao meio ambiente.
Agriculturas – Volume Especial – Agroecologia nas Políticas Públicas (2023)