Afirmação é de Roselita Victor uma das representantes da sociedade civil em seminário estadual para construção de plano de combate à desertificação promovido pelo Ministério do Meio Ambiente
Ontem (6), a experiência da Rede de Jovens Viveiristas – coletores de sementes, semeadores e cultivadores de mudas de plantas nativas da Caatinga, frutíferas, ornamentais, medicinais e outras – foi apresentada no Seminário Estadual para Elaboração do 2º PAB Brasil, que acontece até hoje (7), no campus Sumé da Universidade Federal da Paraíba.
PAB é Plano de Ação Brasileiro de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca. É o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima quem está provocando a elaboração dos planos estaduais que vão dar corpo ao nacional.
A experiência da Rede de Jovens Viveiristas apresentada no primeiro dia do semiário é promovida pelo Polo da Borborema, uma articulação de Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de 13 municípios situados no território da Borborema. O Polo faz parte de várias redes de expressão estadual, como a Articulação Semiárido Paraíba (ASA PB) e nacionais como a Articulação no Semiárido (ASA Brasil) e a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).
O Polo é também uma das entidades da sociedade civil do Nordeste que está na linha de frente da resistência aos grandes empreendimentos de produção de energia elétrica a partir da força dos ventos e do calor do sol.
Na terça-feira passada, as mudas usadas para a recuperação da vegetação da Caatinga nos municípios de atuação do Polo também foram usadas pela juventude camponesa num ato de protesto. Cerca de 30 jovens plantaram mudas de mororó, barriguda, angico, cardeiro, agave, entre outras espécies, numa área de fronteira do município de Areial que vem sofrendo supressão vegetal (desmatamento) para a instalação de um parque eólico do Complexo da Borborema, da empresa EDP Renováveis.
Quando se fala dos empreendimentos de energia renovável, a imagem criada é de solução para as mudanças climáticas. Mas não é bem assim. O modelo industrial de produção de energia elétrica em larga escala produz danos ambientais e sociais de alto calibre.
Um deles é o desmatamento de áreas de Caatinga, bioma considerado pela ciência como um dos mais eficientes na captura de carbono da atmosfera e retenção no solo e nas madeiras. O gás carbônico, que se forma a partir da junção de uma molécula do carbono com duas de oxigênio (CO²), é um dos gases mais presentes na atmosfera e a elevação de sua concentração provoca o efeito estufa, alterando a temperatura da superfície da Terra e o clima.
Por reconhecer a importância da Caatinga em pé, o Polo da Borborema tem promovido formações de jovens e mulheres sobre o bioma desde o ano passado. A última formação, realizada em plena mata, aconteceu no último dia do mês passado (29).
Cerca de 35 pessoas, na sua maioria mulheres – lideranças sindicais e comunitárias, coordenadoras e professoras das escolas do campo, agricultoras familiares, assessoras técnicas – passaram umas horas em uma região preservada de Caatinga para aprender mais sobre a proteção ao solo e a alimentação ao lençol freático quando a mata está sobre o solo, entre tantos outros conhecimentos sobre a fauna e flora desse bioma exclusivamente brasileiro.
“Se o solo estiver descoberto, chega a perder 65 mil quilos por cada hectare numa chuva de 100 milímetros (ml)”, destacou o professor Daniel Duarte do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal da Paraíba, campus Areia.
“Se o solo estiver coberto, de cada 100 ml de água que cai em um metro quadrado (m²), 50% se perde por evaporação ou porque escorre pela superfície e 50% fica no solo. Destes que se infiltram, metade vai lá pra baixo, abastecer os lençóis freáticos. Quer dizer que, em cada m² da Caatinga preservada, 25 litros de água se acumula abaixo do solo a cada 100 litros. Se não tiver cobertura vegetal, o acúmulo chega a zero”, complementa o professor que deu uma verdadeira aula ao ar livre.
A atividade de campo é uma das previstas no processo preparatório à Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia que está na 15ª edição. É o terceiro ano que o tema central é a defesa do território produtor de alimentos saudáveis da invasão das indústrias de energia renovável, incompatíveis com a agricultura familiar pelas inúmeras alterações provocadas no ambiente, como a aerodinâmica dos ventos, que interfere na umidade do solo e gera movimentos da corrente ar como redemoinhos.
Plano de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca – É importante que fique claro que não haverá plano que dê resultado se as ações não forem convergentes e pensadas de forma sinérgica e como políticas públicas prioritárias.
Esse é um dos recados que os representantes do Polo da Borborema vai dar. “Nós da sociedade civil organizada que estamos contribuindo com o plano, que terá duração de 24 anos, também quer discutir o que causa esses efeitos climáticos”, atesta Roselita Victor, da coordenação do Polo, da ASA Paraíba e ASA Brasil.
“Pensar políticas públicas de enfrentamento à desertificação também é pensar nas pessoas, sujeitos de direitos, que moram nas áreas em processo de degradação do solo no Nordeste do Brasil”, acrescenta.