Realizado no território da Borborema Agroecológica, encontro faz parte do projeto Coalizão dos Atingidos pelas Renováveis dos Territórios do Seridó e Borborema (RN e PB), apoiado pelo Fundo Casa e Clima Info
No final de semana (12 a 14 de abril), o território da Borborema acolheu um importante momento para a auto-organização das organizações sociais que estão na linha de frente da resistência à ocupação desordenada, intensa e violadora de direitos sociais e ambientais das indústrias de energia renovável no Nordeste.
Trata-se do “Encontro de Formação Salvaguardas Socioambientais de Energias Renováveis”, que reuniu instituições de assessoria à comunidades e povos tradicionais e a organizações de base da agricultura familiar.
O evento foi promovido pelo projeto Coalizão dos Atingidos pelas Renováveis dos Territórios do Seridó e Borborema (RN e PB), executado pela AS-PTA, Polo da Borborema, CoopBorborema, Comitê de Energia Renovável do Semiárido (Cersa), Assessoria Cirandas e Grupo Seridó Vivo, com apoio do Fundo Casa e Clima Info.
O Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá) também está envolvido nestas formações e foi uma das organizações que capitaneou, junto ao Clima Info, a elaboração do documento estudado nestes encontros. “Isso aqui precisa ganhar asas”, atesta Silvana Canário referindo-se ao documento das salvaguardas lançado nacionalmente em fevereiro passado.
Quando se refere ao voo que o documento precisa dar, Silvana está de olho na transformação das Salvaguardas em políticas públicas, regulamentando de forma adequada a chegada dos megaempreendimentos nos territórios rurais e litorâneos do Nordeste.
“É importante que as mudanças se deem neste processo e, só faz sentido pra gente, se acontecerem de baixo pra cima e não o contrário como costuma ser”, pontua desejando que bons resultados sejam colhidos a partir desta ação nos territórios envolvidos.
O primeiro momento do sábado (13) foi um mapeamento das ações já desenvolvidas nos territórios. A intenção é trocar experiências e uma região poder se inspirar nas estratégias de outras. E aí o que se ouviu e viu foi uma lista enorme de atividades que buscam minimizar os impactos das indústrias já instaladas e/ou barrar a instalação. Neste último caso, trata-se da experiência do território da Borborema, na Paraíba, onde o Polo da Borborema e a AS-PTA articulam uma campanha em defesa do território agroecológico desde 2018, mas com mais intensidade há pouco mais de dois anos.
Uma das ações compartilhadas foi a construção e lançamento de uma cartografia social e ambiental do território no Rio Grande do Norte. Nele, há indicações de reservas de água, áreas de produção de mel da abelha jandaíra, entre outros marcos. E também há uma camada que mostra a localização das torres, sobrepondo a área de influência delas com equipamentos ou dinâmicas da agricultura familiar, muitas vezes, fomentadas por políticas e programas públicos adotados a partir do primeiro Governo Lula.
O texto de apresentação deste estudo, lançado em 2024, diz o seguinte: “Foram realizadas três Cartografias Sociais a partir das Oficinas desenvolvidas nos territórios do Mato Grande, Seridó e Assú/Mossoró com as lideranças, agentes sociais e povos e comunidades tradicionais dos territórios, profissionais de várias áreas, pesquisadores e alunos tornando possível levantar os cenários de conflito, promover o autoconhecimento, ampliando a visão coletiva de seus valores, áreas e espaços simbólicos, áreas produção de alimentos e patrimônios de diversas ordens.”
A publicação foi elaborada a partir da experiência do Serviço de Assistência Rural (SAR), um braço social da igreja católica que existe há 75 anos e integra o Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental (FMCJS). E está disponível para consulta neste link.
Especialista no campo energético – No encontro, mais três momentos deixaram os/as participantes muito estimulados pela qualidade e densidade do conhecimento compartilhado. Um deles foi uma exposição feita por Joilson Costa, engenheiro eletricista e coordenador executivo da Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil e assessor técnico do Fórum de Mudanças Climáticas.
De forma bem didática, Joilson tanto apresentou conceitos desta área energética para quem é leigo no assunto, tratou de questões básicas, como a distinção entre transição energética e elétrica. A primeira é mais ampla e engloba além da geração de eletricidade, mudanças na matriz do setor de transporte e de aquecimento. A segunda, que se aplica ao que acontece ao Brasil, se resume apenas à mudança na matriz elétrica. “Portanto, falar de transição energética no Brasil é errado”, pontua ele.
Joilson também apresentou os caminhos para a busca de informações disponíveis no Sistema de Informação de Geração da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). “Todos os empreendimentos possuem estudos registrados na Aneel. Esta é uma das ferramentas mais atualizadas”, assegura ele, mostrando também outras plataformas complementares, como o da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
Especialistas na área jurídica – O segundo momento foi dedicado aos contratos jurídicos, que regem a relação entre famílias e comunidades e as mega corporações que exploram os ventos e o sol e que se apresentam como uma fonte intensa de violação de direitos de quem arrenda sua terra. Este momento foi uma espécie de letramento com relação à parte jurídica.
A primeira parte da exposição foi conduzida pelo advogado Rárisson Sampaio de forma bem didática versando sobre termos jurídicos e itens que merecem atenção nos contratos de arrendamento. Na segunda parte, quem entrou em ação foi o também advogado Claudionor Vital, que vem prestando assessoria na Paraíba para diversas instituições. Por sua vez, Claudionor comparou partes dos contratos com questões colocadas nas Salvaguardas Socioambientais.
Especialista em Consulta Prévia, Livre e Informada – O momento que fechou com chave de ouro o encontro foi com o quilombola e advogado que participou ativamente do processo de denúncia do Estado brasileiro às cortes internacionais pelo desrespeito à Convenção 169, da Organização Nacional do Trabalho (OIT). A denúncia foi relacionada à forma como o governo federal conduziu o acordo com a Ucrânia para fazer uma nova base de lançamentos de foguetes espaciais na ilha de Alcântara. Nele, não houve nenhum processo de consulta nas mais de 220 comunidades quilombolas atingidas pelo empreendimento.
A Convenção 169 é um instrumento de participação social a partir da realização obrigatória da Consulta Prévia, Livre e Informada às comunidades e povos tradicionais, cujos territórios serão afetados pela chegada de empreendimentos. A Convenção foi incorporada no Brasil com força equivalente à Constituição Federal desde de 2004.
Numa apresentação minuciosa e também bastante didática, Danilo compartilhou sua experiência neste processo em Alcântara, no qual a OIT condenou o governo brasileiro e, com isso, abriu um importante precedente no campo jurídico para defesa dos direitos de populações e povos tradicionais.
Além do processo na OIT, as comunidades quilombolas de Alcântara também recorreram à Corte Interamericana e o processo está em andamento. “É a primeira vez que o Brasil está sendo julgado por causas quilombolas nesta corte”, destaca ele.
Durante sua apresentação, Danilo destacou bem que as organizações de assessoria a grupos e comunidades, como a maioria presente no encontro, têm o papel secundário nas convenções. “O protagonismo deve ser das comunidades afetadas até por não ser legítimo, nas litigâncias internacionais, que as entidades de assessoria figurem como peticionárias das ações”, reforçou ele.
Um novo encontro será realizado no mês de maio, no Rio Grande do Norte, com a intenção desses conhecimentos chegarem até os povos e as comunidades atingidas pelos mega empreendimentos de produção de energia.