Inédita na história do município, a iniciativa é possível graças à recém-criada Política Municipal de Bancos Comunitários de Sementes
“Como coordenadora da comunidade, pedi pras famílias terem calma e não pegarem sementes distribuídas pelo governo do Estado porque vinha semente de qualidade pra gente.” A espera, solicitada por Marizete Alves Vieira para as famílias de três comunidades rurais de Alagoa Nova – Cutia, Juá e Cascavel – chegou ao fim nos últimos dias de abril.
Cerca de 30 famílias agricultoras atenderam ao pedido de Marizete e já estão buscando a parte que lhes cabe das sementes – meio quilo ou um quilo – de milho e feijão.
“Muita gente já estava com o roçado plantado, mas quem veio se interessou, principalmente, porque a variedade de feijão que chegou pra gente é a mulatinho de cacho que tínhamos perdido por aqui”, conta Marizete.
“Eu mesma estava batalhando há algum tempo pra ver se conseguia recuperar essa semente. Tanto em casa como no banco de sementes comunitário, a gente tem outras variedades de feijão como faveta, espírito santo, carrapatinho, carioca, ovo de rolinha, rosinha e preto”, enumera a presidenta da associação comunitária de Cutias, Juá e Cascavel.
Segundo Marizete, o mulatinho de cacho é feijão de ciclo curto, chamado de feijão ligeiro, que já pode ser colhido depois de 40 dias do plantio. E o pé chega a dar duas vezes. Quando colhe, o pé floresce de novo e dá novas vargens.
“Todo mundo que recebeu as sementes ficou muito feliz e agradecido, porque sabemos que se trata de uma semente boa”, reforça. Assim como o Sítio Cutias e adjacências foram contemplados com as sementes crioulas, mais outras 11 comunidades rurais de Alagoa Nova também foram.
A entrega simbólica das sementes para as associações comunitárias aconteceu no dia 25 de abril, como parte da programação da Feira do Produtor. Foram distribuídos 550 kg de sementes crioulas, sendo 300 kg comprados, pela primeira vez, com recursos públicos do município.
A compra dos 300kg representa um investimento de apenas R$ 3mil da prefeitura. Os 250kg restantes foram adquiridos com recursos do Sindicato dos Trabalhadores/as Rurais de Alagoa Nova.
Segundo Manoel Oliveira, conhecido como Nequinho, do Sindicato de Alagoa Nova e da coordenação do Polo da Borborema, “a maior parte das sementes é de feijão (carioquinha e mulatinho) e fava (lavadeira). E 80kg é do milho jabatão, que é bem aceito pelas famílias agricultoras da região. Todas as sementes foram adquiridas de agricultores de Arara e Esperança que fazem parte da Rede de Sementes da Paixão do Polo da Borborema.”
O Polo é uma articulação de 13 sindicatos rurais que, juntos, constroem um projeto de desenvolvimento da região pautado na agricultura familiar de base agroecológica.
Variedades crioulas – Diferente das sementes produzidas por empresas, as variedades crioulas são completamente adaptadas às condições ambientais da região e apresentam um conjunto de características que atendem às necessidades das famílias agricultoras para alimentação humana e dos animais que criam.
Até o ano passado, a prefeitura de Alagoa Nova distribuía apenas as sementes compradas a grandes empresas pelo Governo da Paraíba. Vindas de outras regiões, seu rendimento não é tão bom quanto das espécies nativas e não havia garantia de que estavam livres de transgênicos, ou seja, que não eram sementes geneticamente modificadas. Tais modificações podem causar problemas crônicos de saúde, como o câncer.
Lei municipal 625/2023 – Alagoa Nova é o terceiro município do território da atuação do Polo da Borborema que desenvolveu mecanismos que possibilitam a compra de sementes crioulas dos agricultores com recursos públicos da prefeitura.
Para tanto, Alagoa Nova, a exemplo de Lagoa Seca, aprovou e sancionou a Lei 625/2023, que institui a Política Municipal de Incentivo e Fortalecimento para Formação de Bancos Comunitários de Sementes e Mudas de Variedades Locais, Tradicionais ou Crioulas.
“Há quatro anos, levamos uma carta de compromisso para os candidatos a prefeito e vereadores assinarem. Depois, quando o prefeito estava eleito, cobramos dele um dos itens da carta que é justamente esse compra para distribuição com as famílias locais das sementes crioulas. Ele disse que precisava ter uma lei para respaldar o município desta compra e aí fizemos uma reunião no sindicato com a presença do presidente da Câmara, Severino Ricardo da Silva, e do vereador Ícaro Teixeira, para apresentarmos a proposta da lei, que tramitou no Legislativo e depois foi sancionada pelo prefeito Francinildo Pimentel”, conta seu Nequinho.