Com o mote de preparação para o Encontro Nacional da ASA, as organizações da ASA Paraíba realizam um encontro com a participação majoritária de agricultores e agricultoras
“Não se fortalece uma rede estadual se a rede não tiver raiz”, pontuou Glória Batista, da coordenação da ASA Paraíba e da ONG Patac.
“Se a gente não tiver sensibilidade para reconhecer e valorizar o papel dos agricultores e das agricultoras, como fortalecemos a nossa rede?”, assegurou Roselita Victor, também da coordenação da ASA PB e do Polo da Borborema.
“Esse nome ‘rede’ parece simples, mas não é. A nossa capacidade e força social e política dependem da nossa capacidade de nos relacionar”, destaca Luciano Silveira, da AS-PTA.
As falas anunciam um dos objetivos do encontro da ASA Paraíba realizado do dia 16 de setembro, à noite, até a manhã do dia 18, em Campina Grande. O mote do encontro foi a preparação da rede estadual para o 10º Encontro Nacional da ASA (EnconASA), mas o evento foi um momento importante de renovação do sentido de ser rede.
“Esse encontro proporcionou um reencontro da ASA consigo mesma, dando mais sentido para as nossas lutas”, avaliou Adriana Galvão, da coordenação executiva da ASA Paraíba e da AS-PTA.
Com a participação majoritária de agricultores e agricultoras, o encontro foi construído com vários momentos para eles e elas compartilharem seus conhecimentos e experiências, como o terreiro das inovações camponesas e o carrossel das redes temáticas da ASA.
A ASA Paraíba é formada por organizações, grupos formais e informais de agricultores e agricultoras que atuam e vivem em sete territórios do Semiárido paraibano: Borborema, Cariris, Alto e Médio Sertão, Curimataú, Seridó e Agreste.
O poder de transformar realidades – Outro destaque do encontro foram os dados quantitativos relativos à ação da ASA na Paraíba, assim como das instituições que fazem parte da articulação. Estes dados foram apresentados em algumas estações do carrossel temático.
Nos sete territórios de atuação da ASA PB, contabiliza-se cerca de 300 grupos de fundos rotativos solidários; mais de 100 mil cisternas de primeira água construídas pelo Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC); mais de 10 mil tecnologias que guardam água para produção de alimentos e criação animal, implementadas pelo programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2); mais de 150 bancos comunitários de sementes.
Estes e outros dados numéricos saltaram aos olhos de alguns participantes. Edinilton Bezerra, da Central das Associações Comunitárias do Município de Cacimbas e Região (Camec) que atua na região da Serra de Teixeira, no Médio Sertão, frisou: “O levantamento dos dados ajuda as famílias a terem noção da grandiosidade do projeto que eles estão fazendo parte.”
Em outro momento, Luciano Silveira, da AS-PTA, pegou esse fio e acrescentou mais um ponto no bordado das reflexões acerca da ASA: “Por trás do que fazemos, tem um projeto revolucionário. Não estamos falando de experiências isoladas. Aqui, ouvimos muito sobre a troca de aprendizados e de conhecimentos. Para nós, trocar conhecimento não tem preço, principalmente, quando vivemos num contexto individualista. O conhecimento é um bem comum, assim como são as sementes e a água. O nosso projeto precisa, mais do que nunca, fortalecer formas de auto-organização pra que possamos defender os bens comuns.”
Antes do carrossel e do terreiro de inovações camponesas, no momento de abertura do encontro, aconteceram duas plenárias – uma de mulheres e outra da juventude.
Na plenária das mulheres, se formou uma grande roda com as participantes que cantaram, refletiram e compartilharam seus olhares a partir de uma questão: quais as principais conquistas das mulheres na trajetória da ASA? Com as respostas, se construiu uma linha do tempo da ação da articulação na Paraíba nos últimos 30 anos.
A resposta que mais se repetiu conta da chegada das cisternas no Semiárido paraibano. Mas, disseram que não foi só a construção da cisterna que transformou a realidade para melhor. A libertação, autonomia e empoderamento vieram a partir do processo de formação política.
“Essa plenária é para reafirmar a importância de nossa voz no EnconASA. O que temos a dizer sobre a convivência com o Semiárido? O que ameaça as nossas vidas? Se não tiver participação das mulheres, não tem convivência com o Semiárido!”, destaca Roselita, que também é da coordenação do Polo da Borborema, um coletivo de 13 sindicatos rurais e cerca de 150 associações comunitárias.
Na plenária das juventudes rurais, houve uma reflexão importante que veio à tona a partir da quantidade de jovens presentes no encontro. Esperava-se 25 jovens, só participaram 12. “Este é um desafio que se mostra pra gente: ser reconhecidos como sujeitos de transformação do território dentro do próprio movimento”, provocou Adailma Ezequiel, uma das jovens lideranças. “Se a juventude não permanece no campo, amanhã, a ASA vai prestar esse importante serviço que presta para quem?”, questionou.
No momento, representantes de cinco territórios do Semiárido paraibano discutiram temas centrais, como a defesa dos territórios contra os megaempreendimentos de energia renovável, auto-organização das juventudes, formação política e fundos rotativos solidários como ferramentas para a emancipação e geração de renda.
Houve também reflexões sobre o fortalecimento do protagonismo juvenil nos espaços de decisão, o acesso à terra e às políticas públicas, além de questões muitas vezes invisibilizadas, como racismo e homofobia.
Entre os avanços, destacaram a participação da juventude nas eleições, a organização da 10ª Feira da Juventude da Borborema e as mobilizações contra os megaprojetos de energia. Além disso, as juventudes atuam na preservação das raças nativas e adaptadas e promovem trilhas ecológicas para coleta de sementes e reflorestamento.
Essas discussões fortalecem a rede de jovens no Semiárido, apontando para um futuro mais justo e sustentável, com maior participação nas esferas estadual e nacional.
Energias renováveis – A Paraíba é um dos estados que têm organizado a resistência à chegada das indústrias de energia no espaço rural. No âmbito da ASA, esse debate já foi realizado em outros encontros e, desta vez, foi retomado como forma de manter acesa a chama da organização para a resistência e o enfrentamento, mas também porque a ASA Paraíba vai conduzir uma oficina no 10º EnconAsa sobre o tema com representantes dos demais estados do Semiárido, articulados na ASA Brasil.
O seminário no encontro estadual foi organizado em duas mesas. A primeira, com as denúncias da violação de direitos provocada pelas empresas de energia, com destaque especial para o contrato que as empresas oferecem para as famílias agricultoras cederem suas propriedades para a exploração do vento e do calor do sol.
“Estamos enfrentando um grande problema. As famílias lutaram muito para conseguir um pedaço de terra e agora estão sob ameaça de perdê-las, enganadas por empresas que prometem valores que não vão pagar”, diz uma agricultora da Serra do Abreu, entre muitas falas que denunciam violações graves de direitos dos povos do campo.
A segunda mesa foi focada nas experiências de resistência. E isso evidenciou as inúmeras formas de fazer frente às invasões das indústrias, que vem acontecendo no Semiárido paraibano. Uma das experiências apresentadas foi a do Comitê de Energias Renováveis do Semiárido (CERSA) que tem disseminado um modelo descentralizado de produção de energia elétrica a partir do sol.
Deste momento, saíram vários compromissos para seguir no enfrentamento ao modelo centralizado. Um deles tem relação com o reconhecimento da importância do acesso à informação verdadeira para as famílias. “Com mais conhecimento, elas entendem que têm nas próprias mãos o poder de definir o que querem para si”, frisou Adriana Galvão.
Outro compromisso foi de se organizar enquanto um ator coletivo propositivo e firmar parcerias com outros movimentos, como o MST, Fetag PB, Contag.
“Precisamos unir nossas lutas. O governador deixou claro que a instalação das grandes indústrias de energias é prioridade pra ele. Ou nos juntamos agora, ou não vamos ter mais nada pra proteger e lutar”, defende Vanúbia Martins, da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Olhando para o passado para construir o futuro – Um dos momentos altos do encontro foi quando olharam para os principais marcos da história da ASA PB e ASA Brasil. “Os acontecimentos que marcaram o rio da vida da ASA PB vão se encontrar com os acontecimentos do rio da vida dos demais dos estados, os quais desembocam no EnconAsa”, revela Glória.
Na caminhada de 31 anos da ASA PB, foram identificados enfrentamentos importantes como às sementes transgênicas e a valorização das sementes crioulas, o lançamento dos programas de acesso à água da ASA na Paraíba, a criação dos GTs de mulheres e juventudes, entre outros.
Neste olhar para a história, foi lembrada a importante contribuição de Socorro Gouveia, uma grande referência da ASA no sertão paraibano. Socorro faleceu em novembro de 2023.
Rumo ao 10º EnconASA – Com os intensos momentos do encontro, premissas importantes sobre a natureza da ASA PB ficaram muito evidentes para quem estava presente. E, como as discussões aconteciam à luz da atual realidade das comunidades rurais, os delegados e delegadas poderão levar na bagagem um olhar amplo e compartilhado dos diversos territórios e sujeitos que vivem e põem em prática a convivência com o Semiárido.
O Encontro Nacional da ASA vai acontecer na região do baixo São Francisco, nos estados de Alagoas e Sergipe, no mês de novembro.