Iniciado o ano, o Movimento de Mulheres do Polo da Borborema já entra em ação para mobilizar a Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia, o segundo maior ato de mulheres camponesas do Brasil.
Ontem (22), um grupo de lideranças do Polo, sindicatos e comunidades, cerca 40 pessoas de 10 municípios, se encontraram, na sede da CoopBorborema, em Lagoa Seca, para refletir e planejar a 16ª edição da Marcha, que será em Esperança, no dia 13 de março.
Foi o dia todo de reunião e a pauta iniciou dando espaço para que as mulheres trouxessem o significado da Marcha para cada uma. “Uma das Marchas mais importantes para mim foi a 10ª, que teve como tema a violência contra as mulheres. Compreendi como a violência que enfrentamos é estruturada. Perceber isso é agregar um novo elemento ao nosso trabalho com a agroecologia”, declarou Eliane Barbosa, de Remígio.
“A Marcha liberta. Participando dela, aprendi a falar, a não baixar a cabeça. Os homens são machistas, não dão espaço pra gente falar”, anunciou dona Eliete Santana, de Montadas, depois de contar uma experiência que viveu ao ir de sítio em sítio para convidar as mulheres para marchar. O que ela compartilhou mais parecia uma história do passado sobre o domínio do homem sobre a esposa e filhas. Mas, infelizmente, situações como essa ainda são bem comuns no campo e na cidade.
Ligória Felipe compartilhou um diálogo: “Duas vizinhas me perguntaram: O que vocês ganham com a Marcha? A liberdade, respondi”. E ela seguiu contando o quanto a sua relação com o marido mudou desde que foi, pela primeira vez, na Marcha. “Hoje, não falta meu café, meu açúcar. Antes, eu dependia dele (marido). Hoje, sou eu quem vendo o que plantamos e administro o dinheiro de casa. Aprendi a me defender e até minha neta se defende também”.
Outro ponto bastante refletido na reunião foi a importância da representatividade de mulheres em espaços de poder, desde o âmbito das comunidades e sindicatos rurais, passando pelo Polo e os espaços de política partidária, como as Câmaras Municipais.
“É importante estarmos nestes espaços para defender nossos direitos e aqueles inerentes à vida de todas as pessoas”, alguém pontuou. “Por dentro da Marcha, vamos construindo condições para mudar esta situação (pouca representação feminina)”, outra pessoa acrescentou.
Eliane Barbosa, de Remígio, acrescentou: “Não estamos mais no mesmo lugar. Estamos ocupando espaços, mesmo que nossos corpos sejam questionados por estar ali. O Estado não vai fazer grandes mudanças por si só. Ele é opressor. Por isso estamos neste movimento para influenciar políticas públicas e criá-las a nosso favor. O que precisamos é construir processos que nos fortaleçam e não nos separem.”
Para Maria do Céu Silva, de Solânea, a capacidade das mulheres de representar outras começa a partir do local onde se vive. “Seja em casa, educando os filhos e filhas, ou na comunidade, organizando os bancos de sementes ou os grupos de fundo rotativos solidários. Só com a auto-organização é que teremos um sindicato com mais mulheres que, um tempo atrás, não tinha o direito nem de ser sindicalizada. O movimento de mulheres é você quem faz acontecer a todo momento. Um deles é quando uma mulher leva um bolo que fez para vender na feira”, exemplifica trazendo à tona a importância da participação das mulheres nos espaços públicos.
“Estamos na 16ª Marcha, mas temos muitos homens machistas nos sindicatos, no Polo, nas comunidades. Qual nosso papel? Devemos naturalizar este tipo de violência? Não. Devemos questionar para não fortalecer esse machismo que está por aí”, comentou Gizelda Beserra, de Remígio.
Em outro momento do encontro, mais uma pergunta foi lançada para reflexão, abrindo mais um campo temático: Por que nosso projeto – de desenvolvimento do território baseado na agricultura familiar agroecológica – precisa da força das mulheres?
Este momento era de uma fala dialogada e estava sendo guiado por Adriana Galvão, da AS-PTA. E um dos pontos apresentados por ela em resposta à pergunta remeteu ao papel das mulheres como guardiães do bioma. “Porque aquela Caatinga que estava ali, não está mais depois que o parque eólico se instala”.
E Adriana segue a fala mostrando imagens chocantes que mostram a estrutura de sustentação de um aerogerador com um diâmetro imenso afundado no chão e uma estrutura pesada de ferro que receberá toneladas de concreto. “Isso vez colocado isso no seu terreno, como você vai voltar a plantar feijão e milho no mesmo local?”, questionou.
As fotos da apresentação e as histórias associadas a eles eram chocantes. O tema do momento era o assédio das empresas de energia renovável – eólica e solar – que seguem visitando as famílias das comunidades do território de atuação do Polo da Borborema para transformar vida saudável e digna em vida sofrida e com pobreza.
Mesmo para aquelas mulheres que já estão na linha de frente da defesa do território, o assunto parecia novo diante das fotos impactantes mostradas e das histórias relatadas com detalhes. Desde 2022, ano da primeira Marcha para bloquear o território do avanço dessas indústrias na Borborema agroecológica, que estas mulheres lidam com a problemática e se organizam para resistir. Diante da urgência da defesa do território, esse será o tema da Marcha deste ano também.
O último ponto da reunião foi o planejamento das ações preparatórias em cada município. Cada local tem sua dinâmica de organização e mobilização das mulheres agricultoras e também homens, mas estes momentos contemplam dois âmbitos: encontros comunitários e municipais formativos sobre o tema da Marcha.
E, assim, com muita animação, conversa séria, cantos, gritos de ordem, brilho nos olhos e afetos, que as mulheres do Polo da Borborema deram por iniciada a 16ª Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia.