Na experiência, foram construídos painéis para os anos de 1990 e 2025, que trazem os principais alimentos que fazem parte dos hábitos alimentares das famílias.
O que mudou nos hábitos alimentares da sua família, da década de 1990 para cá? Foi essa pergunta que desencadeou o debate do terceiro ciclo de oficinas do projeto Cultivando Futuros, que vem sendo realizado pela Rede ATER Nordeste de Agroecologia desde março de 2024, com foco em aprimorar as ações de incidência política das 12 organizações integrantes da rede e o debate sobre melhorias nas principais políticas públicas de fortalecimento da agricultura familiar e da agroecologia.
O ciclo marca a volta das atividades territoriais junto às famílias agricultoras em 2025 e a primeira oficina aconteceu na quinta-feira (20/03), no município de Remígio, na Paraíba, com apoio metodológico da organização AS-PTA. O mesmo debate será feito com mais 11 territórios de atuação da rede.
Pelo relato dos agricultores e das agricultoras, é possível perceber que nos últimos 30 anos houve mudanças significativas nos hábitos alimentares. A agricultora de Remígio, Eliane Barbosa, conta sobre os antigos hábitos da sua família: “O cuscuz, a partir do milho que a gente produzia e colocava de molho, que a gente até chamava de pão de milho porque ele era feito no prato e amarrado com um pano na boca da panela. O feijão, a mandioca que a gente produzia e tinha também a casa de farinha na época. Era onde a gente fazia as farinhadas”. Eliane é vice-presidenta do do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais do Município de Remígio e integrante da coordenação do Polo da Borborema.
Na fala de Roselita Victor, que diretora do sindicato e também da coordenação do polo, as mudanças ficam evidentes quando comparadas com o relato anterior: “Algumas famílias preservam um valor sobre os alimentos, eu acho que a questão mais grave é com as crianças. Na associação da gente, nós dividimos quem leva o que para o lanche coletivo. Eu geralmente levo suco e, e é impressionante como a maioria das crianças não tomam. Como tinha outra pessoa que levou refrigerante, ele é que acabou ligeiro”.
Esta realidade não é exclusiva de Remígio quanto o assunto são os hábitos alimentares. Recentemente, o portal jornalístico “O Joio e o Trigo” publicou matéria recente sobre a questão em âmbito regional.

O refrigerante é só um dos produtos ultraprocessados citados pelas famílias agricultoras, que tomaram espaço nas mesas de Remígio nas últimas três décadas. Sopas e papas em pó, macarrões instantâneos, biscoitos e bolachas também marcaram forte presença nos relatos. Nos anos 90 até o início dos anos 2000, inclusive, a porta de entrada desses alimentos foi o ambiente escolar. Contudo, este mesmo período de tempo também é marcado pelo fortalecimento de políticas públicas significativas que garantiram e garantem alicerce para o crescimento da agricultura de base agroecológica, como é o caso do Programa de Cisternas, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
“Aqui em Remígio, hoje, tem dois lugares que a gente consegue oferecer alimentação saudável. É claro que existe todo um processo e outras organizações por trás, mas isso é um contraponto que a gente precisa destacar”, acrescenta Eliane Barbosa, em referência às feiras e quitandas agroecológicas.
A agricultora Gizelda Beserra chama atenção também para tomada de consciência sobre a importância do papel das mulheres para a produção de alimentos saudáveis nos últimos anos e como isso fortalece a incidência política nesses programas. “A mulher como agricultora experimentadora, como liderança na associação e no sindicato. A marcha (pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia) não seria a marcha ‘com 5 mil mulheres’. Vai para além da produção, é o papel político e de solidariedade”.

De 2010 a 2022, o percentual de compra do PNAE em Remígio oscilou bastante. A menor compra ocorreu em 2012 (13,77%) e a maior em 2019 (62,45%). Já o PAA, apesar de muita oscilação nos percentuais e anos sem nenhum repasse, apresentou uma retomada com R$282.541,69 em 2023, vindos do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), depois de passar 2021 e 2022 sem repasses.
Na região da Borborema, foram instaladas 11 mil cisternas pelo Programa 1 Milhão de Cisternas (P1MC), de 2004 a 2024, e 1.469 pelo P1+2 (Programa Uma Terra e Duas Águas), de 2008 a 2024. Alguns desses dados também foram pautados durante a oficina e servirão como base para reflexões nos espaços de discussão sobre o desenvolvimento territorial da Borborema e no conselho de desenvolvimento rural do município de Remígio.
As famílias agricultoras têm como desafio a expansão da comercialização de produtos agroecológicos garantindo o crescimento e estabilidade do percentual de venda para o PNAE e também estabilidade do PAA, debate que será fortalecido nos próximos momentos do projeto Cultivando Futuros.
Cultivando Futuros: transição agroecológica justa em sistemas alimentares do semiárido brasileiro
O projeto está sendo realizado no território do Polo da Borborema e em mais 11 municípios do Semiárido brasileiro, a partir da atuação das ONGs que fazem parte da Rede ATER Nordeste de Agroecologia. É uma realização da AS-PTA, Brot für die Welt e Rede ATER Nordeste de Agroecologia, com financiamento do Ministério Federal da Alimentação e da Agricultura da Alemanha (BMEL, na sigla em alemão).