As políticas públicas de fortalecimento da agricultura familiar no Nordeste precisam atender às reais demandas da população da região. Nesse sentido, a Rede ATER Nordeste de Agroecologia tem direcionado sua atuação para incidir politicamente em âmbito federal, estadual e municipal, tanto para a melhoria de programas já existentes quanto para a criação de novas políticas.
Com esse propósito, entre os dias 2 e 4 de abril, no Recife-PE, a rede realizou seu planejamento, que contou com a presença do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), do Governo Federal, e do Consórcio Nordeste em um dos três dias de encontro. No evento, foi possível definir prioridades, construir estratégias e identificar as principais perspectivas das políticas voltadas para a Convivência com o Semiárido, principalmente no contexto do projeto “Cultivando Futuros: transição agroecológica justa em sistemas alimentares do Semiárido Brasileiro”, que tem foco em incidência política e abastecimento alimentar.
“Temos o desafio de investir na agricultura familiar para aumentar a produção de alimentos saudáveis. Sabemos também que muitas famílias, infelizmente, estão consumindo mais produtos ultraprocessados, alimentos industrializados, e precisamos ampliar a oferta de alimentos saudáveis nos municípios e disponibilizá-los para as famílias, principalmente as mais vulneráveis”, explica o agrônomo Denis Monteiro, coordenador do Cultivando Futuros e um dos representantes da organização AS-PTA na Rede ATER Nordeste de Agroecologia.
Houve debates importantes sobre programas públicos, como o Plano de Alimentos Saudáveis (PAS Nordeste) e o “Da Terra à Mesa – Por um Brasil com mais alimentos agroecológicos”. A discussão contou com a participação do secretário técnico da Câmara Temática da Agricultura Familiar do Consórcio Nordeste, Reginaldo Alves; do consultor do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), Humberto Oliveira; e da coordenadora geral de inclusão socioprodutiva do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), Geane Bezerra.
O PAS Nordeste tem o intuito de articular políticas públicas em nível federal, estadual e municipal, de forma a apoiar a produção de alimentos saudáveis pela agricultura familiar nos territórios. Além disso, pretende fortalecer os Colegiados de Desenvolvimento Territorial (Codeter), espaços de participação da sociedade civil na construção de políticas públicas, que permitam o diálogo entre sociedade civil, movimentos sociais e governos.
É imprescindível contribuir nessas construções coletivas, a partir dos colegiados territoriais, que devem levar em consideração o contexto local – discussão que tem relação direta com a atual inflação dos preços dos alimentos, que acaba impactando as famílias mais empobrecidas. “Há uma série de políticas que são importantes de serem valorizadas, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). E as organizações que prestam assessoria técnica à agricultura familiar e às comunidades tradicionais no território precisam se articular para construir os planos territoriais de abastecimento alimentar”, acrescenta Denis.
Já em relação ao programa “Da Terra à Mesa”, proposta que visa promover a estruturação produtiva dos agricultores familiares e a ampliação da produção familiar, Geane Bezerra anunciou que será lançado um edital específico para o Semiárido, que dialoga com o Garantia-Safra – benefício financeiro que o(a) agricultor(a) recebe caso perca sua safra devido à estiagem.
“É uma proposta bastante robusta, que envolve o conjunto dos estados do Nordeste e Norte de Minas Gerais, e vai garantir que sejam feitos projetos de estruturação produtiva associados a assessoria técnica e formação para os agricultores vinculados ao Garantia-Safra. Uma inovação importante do programa, que antes trabalhava apenas com o benefício referente à perda de safra, e agora estamos trazendo essa possibilidade de algo mais estruturante para os agricultores familiares do Semiárido”, complementa Geane.
Geane também destacou o papel fundamental da Rede ATER Nordeste de Agroecologia no fortalecimento desse e de outros programas federais voltados ao Nordeste e à Convivência com o Semiárido. “Já nos inspiramos nessas experiências do trabalho com projetos produtivos junto à agricultura familiar no Semiárido, desenvolvidos pela rede. Estamos iniciando essa possibilidade de ampliação da participação na própria construção dos editais, apresentando um desenho mais geral para que possam ser feitas sugestões. Posteriormente, a rede poderá concorrer aos editais como executante dessas propostas”.
Também foram abordados o papel da Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA) e da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), pautando o governo sobre como a Convivência com o Semiárido e a Agroecologia se concretizam na prática, contribuindo com a construção e efetivação de políticas públicas que dialoguem com essa realidade, principalmente relacionadas à Assessoria Técnica e Extensão Rural (ATER).
“Embora o governo estabeleça em seus documentos que tudo é agroecológico, na execução prática dos programas, a Agroecologia não tem a mesma visibilidade e evidência financeira”, explica Neila Santos, representante da ANA no encontro e coordenadora geral do Centro de Estudos do Trabalho e de Assessoria ao Trabalhador e à Trabalhadora (CETRA), organização integrante da Rede ATER Nordeste de Agroecologia.
“Há muita coincidência entre os desafios enfrentados pela ASA e pela Rede ATER na Convivência com o Semiárido em bases agroecológicas. É importante, para o momento do país, a articulação de diferentes redes com objetivos comuns de fortalecer a agricultura familiar, o acesso à água e a alimentos saudáveis. Principalmente, também, fortalecendo a organização política e os sujeitos coletivos”, pontua Waneska Bonfim, coordenadora da ASA Pernambuco e representante nacional da articulação no encontro da rede.
O encontro contou ainda com a presença da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) para balanço e atualizações do projeto Baraúnas dos Sertões. Uma parceria da ANA, Rede Feminismo e Agroecologia do Nordeste e Rede ATER Nordeste de Agroecologia com a universidade, com apoio do MDA. A rede também dialogou sobre a terceira fase do Projeto Dom Helder Câmara.

Cultivando Futuros
Incidir na construção de políticas públicas municipais, estaduais e federais é o foco do projeto Cultivando Futuros, que foi um dos pontos abordados durante o encontro. Nesse sentido, durante a programação, houve o planejamento das próximas ações do projeto, que incluem caravanas, intercâmbios e oficinas voltadas a compreender as principais mudanças nos hábitos alimentares das comunidades, além de discussões sobre o fortalecimento dos mercados territoriais e locais que escoam a produção de alimentos saudáveis da agricultura familiar.
Esse projeto dialoga com as iniciativas do PAS Nordeste e Da Terra à Mesa, “porque vamos propor que as políticas públicas possam fortalecer a produção das comunidades da agricultura familiar e das comunidades tradicionais de Fundo de Pasto, observando como essas políticas podem chegar às comunidades e fortalecer nossa capacidade de produzir alimentos saudáveis”, frisa Denis.
É preciso estreitar o diálogo com os conselhos municipais de segurança alimentar e nutricional e os conselhos de alimentação escolar, de modo que os recursos destinados ao PNAE sejam, de fato, usados para fortalecer a agricultura familiar, promovendo alimentação de qualidade para os estudantes. Além disso, é necessário o apoio dos municípios às feiras agroecológicas e o incentivo ao consumo de alimentos limpos.
O “Cultivando Futuros: transição agroecológica justa em sistemas alimentares do Semiárido Brasileiro” é uma realização da AS-PTA e da Pão para o Mundo, com financiamento do Ministério Federal da Alimentação e da Agricultura da Alemanha (BMEL, na sigla em alemão). Por meio da Rede ATER Nordeste de Agroecologia, o projeto está sendo executado no território do Polo da Borborema e em mais 11 municípios do Semiárido brasileiro.
Rede ATER rumo ao CBA
Dentre as diversas discussões do encontro, o 13º Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA) também esteve em pauta. O evento ocorrerá entre os dias 15 e 18 de outubro, em Juazeiro (BA). O presidente da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), José Nunes, aproveitou sua presença no encontro para reforçar a importância da Rede ATER Nordeste de Agroecologia para fortalecer o congresso, “mobilizando eventos locais e territoriais para discutir o CBA, engajando comunidades, associações e grupos com os quais as entidades da rede trabalham. Esse é um papel fundamental”.
Nesse sentido, a Rede ATER, por meio do projeto Cultivando Futuros, organizará caravanas dos estados da Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe, com cerca de 120 participantes rumo ao CBA, para conhecer, vivenciar e construir coletivamente esse espaço tão significativo para o fortalecimento da Agroecologia no país.
Nunes reforçou ainda a importância da sistematização das experiências de técnicos(as) da Rede em diferentes projetos no âmbito das organizações, para submissão nos Grupos de Trabalho (GTs), por meio de relatos de experiências, relatos populares e resumos expandidos. “Existe um grande conhecimento acumulado de práticas, seja na criação, divulgação e implantação de tecnologias sociais, seja em aprendizados metodológicos e pedagógicos, em que técnicos e técnicas estão envolvidos”, sendo uma ótima oportunidade para ampliar a atuação das organizações no Semiárido.
Texto: Lorena Simas com participação de Helena Dias
Fotos: Darlinton Silva e Leonardo Reis
Coletivo de Comunicação da Rede ATER Nordeste de Agroecologia