Quem tem acompanhado a resistência do Nordeste contra os megaprojetos de energia na região, compreende o marco histórico e político que significou o 1º Encontro do Movimento de Atingidos.as por Renováveis (MAR), ocorrido entre os dias 23 e 25 de maio, no município de Lagoa Seca (PB). O evento reuniu cerca de 130 pessoas vindas de oito estados nordestinos e contou com a participação de diversas experiências de luta pela regulamentação das energias renováveis e em defesa dos territórios da agricultura familiar, quilombolas, indígenas e da pesca artesanal.
Na noite da sexta-feira (23), ainda na abertura, a escolha da mesa deu o tom à proposta de união que o MAR constrói, trazendo o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) para dialogar sobre suas experiências de décadas como atingidos e atingidas pelo modelo de energia brasileiro. Um dos pontos de conexão na análise dos três movimentos é que a transição energética brasileira já está acontecendo e não tem se baseado nas reais demandas das populações diretamente impactadas.
Foto: Walisson Rodrigues
“Não existe transição energética, nem desenvolvimento. O que existe é o mesmo colonialismo extrativista de sempre, com um discurso falacioso”, aponta Nevinha Valentim, da coordenação nacional do MAR. No mesmo passo, Pedro D’Andrea, da direção nacional do MAM, lembra da relação entre as energias renováveis e a exploração desenfreada de minério no país: “Precisamos discutir a taxa e o ritmo de extração de minério. A energia eólica amplia a demanda e coloca o Nordeste no topo da expansão de mineração”.
A visão ampliada e aprofundada da produção de energia no país é também compartilhada pelo MAB. O movimento, existente há 33 anos, tem passado por mudanças de análise sobre o conceito de populações atingidas e expandido a forma de atuação. “Fomos forçados pela conjuntura a ir além. Hoje somos atingidos por enchentes, por barragens, por represas, por mineração e por renováveis. Atingidos do Brasil pelo alto preço da luz”. Ao todo 79 organizações fizeram parte do encontro.
Foto: Walisson Rodrigues
Resistência e partilha
As principais salas do Convento dos Maristas, em Lagoa Seca (PB), local em que aconteceu o 1º Encontro do Movimento de Atingidos/as por Renováveis, foram ocupadas por diversas experiências de resistência contra as energias renováveis no Nordeste. Mulheres da Borborema, da Paraíba, povos e comunidades tradicionais do Ceará, agricultoras e agricultores de Pernambuco, quilombolas do Piauí e também uma experiência de cartografia social do Rio Grande do Norte compuseram um carrossel de imersão para quem participou.
Francisca Silva, integrante do MAR no Rio Grande do Norte, conta que a experiência foi uma troca de saberes. “Esse encontro foi para a gente somar e ver que, a partir daqui, temos mais coisas a fazer e conseguir avançar cada vez mais. Unirmos forças”. A coordenação nacional do movimento foi constituída durante o encontro e a representação interina do estado da Paraíba, a agricultora Maria do Céu, também avalia o momento como uma “aproximação” do Nordeste. “O MAR foi criado há dois anos e ainda é muito recente, mas tem apoiado os territórios a se articularem e enfrentarem os megaprojetos de energia renovável. Cada vez mais as organizações do Nordeste vem se aproximando para ter mais corpo e construir uma pauta que venha fortalecer nossos territórios, e não destruir”, explica.
Foto: Walisson Rodrigues