Guardiões reafirmam compromisso de cuidar das sementes e fortalecer bancos familiares e comunitários
Grãos da Conab são vistos como entrada dos transgênicos na região
Cerca de 80 agricultores guardiões e guardiãs das “Sementes da Paixão”, vindos de várias regiões da Paraíba, representantes da Rede de Sementes da Articulação do Semiárido Paraibano (ASA Paraíba) e da Comissão de Jovens do Polo da Borborema, estiveram reunidos no Seminário “Os transgênicos e as ameaças às sementes da paixão”, realizado nestes dias 30 e 31 de outubro, em Lagoa Seca-PB. As “Sementes da Paixão” são como ficaram conhecidas na Paraíba as sementes crioulas, cultivadas e conservadas pelos agricultores e agricultoras há muitos anos, patrimônio genético das famílias camponesas.
O Seminário teve início com uma mística em que as pessoas compuseram um altar com as sementes que trouxeram de suas regiões ou dinâmicas territoriais da ASA Paraíba. Na ocasião, como parte da mística, foi lida a passagem bíblica em que se fala em separar o “joio do trigo”.
Rejane Alves, assessora pedagógica da ASA e integrante da Rede de Sementes, abriu evento fazendo menção à passagem bíblica: “Nela a gente viu que existe a semente boa e existe a semente do mal. Nos nossos dias de hoje, quem é essa semente do mal? Sabemos que são os transgênicos e os agrotóxicos. É preciso tomar cuidado para que esse ‘joio’ não estrague o nosso ‘trigo’, e temos que juntos discutir o que a gente pode fazer para não contaminar a nossa semente”, disse.
Em seguida, Emanoel Dias, assessor técnico da AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia, falou sobre o panorama das políticas públicas de sementes na atualidade. Ele afirmou que as ameaças são muito fortes, porém lembrou das inúmeras conquistas alcançadas no estado, que são combustível e afirmação de nossa luta pelo livre acesso às sementes da paixão pelas famílias agricultoras no semiárido: “Uma dessas conquistas é a aprovação da Lei Estadual que reconheça a Rede de Bancos de Sementes Comunitários, que por sua vez está ligada à Lei Federal de Sementes e Mudas. Esse foi um passo significativo, pois reconhece as sementes crioulas, e permite aos agricultores multiplicarem, trocarem, venderem suas sementes. Possibilita ainda que programas governamentais comprem sementes crioulas e as distribuam para as famílias agricultoras e isenta as sementes crioulas de registro junto ao Ministério da Agricultura. Isso só aconteceu porque um grupo de organizações se mobilizou para exigir estas mudanças. Tivemos ainda a conquista do PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) Sementes, que começou como experiência para todo Brasil a partir da experiência da Paraíba em 2003 e depois foi se constituindo num ferramenta importante para garantia de compra e distribuição de sementes crioulas para vários BSC em vários recantos desse pais, essa é uma conquista a partir de uma luta pelo acesso livre às sementes”, frisou.
Emanoel lembrou das parcerias com instituições de pesquisa, a exemplo da Embrapa Tabuleiros Costeiros, que durante 03 anos realizou várias experiências de construção de pesquisas participativas com as famílias agricultoras das regiões da Borborema e do Cariri da Paraíba, iniciativas que, segundo ele, comprovam o potencial das sementes da paixão quando comparadas com outras variedades melhoradas e usadas nos programas públicos de distribuição de sementes no semiárido. Essa trajetória vem ganhando força e espaço na conjuntura da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo), com várias iniciativas especificas para promoção do trabalho com as sementes crioulas.
Gabriel Fernandes, assessor técnico da AS-PTA e coordenador da subcomissão de sementes da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo), também falou sobre o contexto da atual conjuntura da política de sementes. Ele afirmou que antes da Pnapo os órgãos e ministérios realizavam ações de forma isolada e que, a partir do diálogo do governo com a sociedade, o governo entendeu que estas ações deveriam estar articuladas. Outros pontos levantados pelo técnico foram a regulamentação para o acesso pelos agricultores aos bancos de germoplasma das instituições públicas de pesquisa e a crítica que as organizações como a ASA têm ao excesso de burocracia das políticas: “A gente percebe que as experiências têm força de influenciar a política, mas os governos ainda optam por uma execução burocratizada, o que pode resultar numa boa política, mas que funciona para poucos”, afirmou. Após esse momento foi aberta uma rodada de debate acerca da questão: diante da realidade, quais são os caminhos e as estratégias que podemos propor para fortalecer o trabalho com as sementes crioulas?
Transgênicos – A parte da tarde foi dedicada a aprofundar o tema dos transgênicos, que são cruzamentos artificiais entre espécies diferentes a partir da combinação de genes de plantas, vírus e bactérias, por exemplo. Gabriel explicou que, por serem as responsáveis por esse tipo de cruzamento que não ocorreria na natureza, as empresas se dizem donas das sementes e as patenteiam. O agricultor que as compra fica, portanto, proibido de replantá-las, perdendo a sua autonomia. Outro motivo de preocupação levantado foi a diferença entre o resultado prometido pelas empresas e o resultado que se consegue observar na prática. Testes com amostras de soja e de milho que estão no mercado mostraram que o gene produzido não corresponde ao esperado, o que segundo Gabriel, por si só deveria levantar suspeitas e preocupações em relação à segurança dessas plantas para a saúde e o ambiente.
Atualmente o Brasil tem liberados 19 tipos de Milho, cinco tipos de soja, 12 tipos de algodão, um tipo de feijão, 15 de vacinas, dois tipos de leveduras e um tipo de mosquito da Dengue transgênicos. “A propaganda dos organismos geneticamente modificados dissemina a ideia de que, usando os transgênicos, teríamos plantas mais resistentes e usaríamos cada vez menos agrotóxicos, no entanto, olhando os dados das próprias empresas de agroquímicos, o que a gente observa é que o consumo de agrotóxicos no país explodiu após a liberação dos transgênicos”, afirma Gabriel. Outro fato preocupante é que as empresas que produzem os transgênicos são as mesmas que produzem os agrotóxicos. Sua tecnologia faz com que a semente transgênica seja feita para uso casado com o veneno, de forma que a empresa lucra duas vezes. O resultado observado é a reação da natureza: plantas invasoras mais fortes, que demandam uma quantidade cada vez maior de veneno, ou um veneno cada vez mais forte.
Após a exposição, os participantes do seminário debateram em grupos estratégias para enfrentar o avanço dos transgênicos. O agricultor Jacinto Guimarães, morador da Comunidade São Tomé II, no município de Alagoa Nova, fez uma provocação aos agricultores presentes: “A gente planta a semente da paixão, mas infelizmente come o cuscuz transgênico. Isso é uma tristeza, na minha casa, mandei moer o milho jabatão e fiz um xerém natural, lucrado no meu terreno. Acho que todos os agricultores deveriam resgatar esse costume em que a gente comia um arroz, um cuscuz da paixão”, disse o agricultor, associado ao Banco de Sementes Comunitário mais antigo da região da Borborema, que recentemente completou 40 anos.
Livres de transgênicos – No dia 31 de outubro, segundo dia do evento, a programação foi iniciada com a realização de testes de transgenia para certificar a pureza das sementes da paixão trazidas pelos agricultores. Para tanto foi usado o chamado teste da fita, que em poucos minutos acusa a presença ou não de proteínas transgênicas no material avaliado. Foram testadas 14 amostras de milho, entre as sementes dos guardiões e as variedades distribuídas pelos governos. Todas as amostras trazidas pelos agricultores deram negativo para contaminação por transgênicos. Os guardiões e guardiãs receberam um certificado de “Sementes Livre de Transgênicos”, atestado pela Rede de Sementes da ASA.
Risco de contaminação – Já o teste com a mostra do milho distribuído pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) deu positivo para a presença de proteína transgênica. O que reacendeu entre os agricultores a preocupação com o risco de contaminação de suas lavouras, já que, ainda que a distribuição desse milho seja voltada para a alimentação dos rebanhos, muitos agricultores inadvertidos acabam plantando estas sementes. Uma das propostas levantadas durante o seminário foi a de que se exija que o milho distribuído seja doado já triturado ou em farelo para evitar o plantio. “O Polo da Borborema vai realizar mais testes com as sementes de outros agricultores do território com a ajuda da Comissão de Jovens. Nós vamos inclusive enviar as amostras da Conab para que uma instituição de pesquisa possa atestar que é realmente transgênico para a gente comunicar oficialmente o fato ao órgão”, afirmou Roselita Vitor, da coordenação do Polo da Borborema.
O Seminário foi encerrado com o levantamento de estratégias comuns de ação para enfrentar os transgênicos como o fortalecimento das experiências exitosas dos bancos comunitários de sementes, a luta pela desburocratização do PAA, o reforço às parcerias com as instituições de pesquisas e a realização de campanhas de esclarecimento à sociedade sobre os transgênicos, em parceria com as secretarias de educação e saúde. O evento fez parte da preparação para a VI Festa Estadual das Sementes da Paixão, que acontecerá na Paraíba em 2015 e conta com o apoio do Projeto Sementes do Saber, cofinanciado pela União Europeia.
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