A AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia e o Polo da Borborema realizaram nesta terça-feira, dia 22 de setembro, no Banco Mãe de Sementes, em Lagoa Seca-PB, um Seminário em Preparação para a VI edição da Festa Estadual das Sementes da Paixão, que acontecerá na região do Polo, no município de Arara-PB, de 14 a 16 de outubro de 2015, na Semana Mundial da Alimentação.
Participaram do Seminário cerca de 120 agricultores e agricultoras gestores de Bancos de Sementes Comunitários dos 14 municípios de atuação do Polo da Borborema e, dentro desses, cerca de 40 jovens agricultores da Comissão Regional de Juventude do Polo.
A programação teve início com a apresentação de uma peça encenada pelo Grupo de Teatro Amador do Polo da Borborema, onde “dona Crioula” e “dona Transgênica”, simbolizando as sementes crioulas, na Paraíba, conhecidas como “Sementes da Paixão”, e as sementes transgênicas, que tentam convencer um agricultor que são as melhores sementes a serem plantadas. Durante a encenação, os participantes interagiram com os personagens, em defesa da semente nativa. Após a peça, os participantes fizeram uma rodada de reflexões acerca da pergunta: “que sementes nós escolhemos para plantar?”
Vários agricultores se pronunciaram, sobretudo a juventude. Uma delas foi Sabrina Maria Belo da Silva, de 16 anos, moradora do Sítio Aningas, em Massaranduba. “Cabe a gente escolher se a gente quer a semente da vida ou da morte. A gente não precisa de muito para produzir, só precisamos da nossa semente, no momento certo de plantar. Cabe à gente seguir com o nosso trabalho, sem cair na conversa de ganho fácil, pois tudo que vem fácil, vai fácil e, de novo, cabe à gente escolher se queremos uma vida de lutas e conquistas ou uma vida fácil, mas enganosa”, afirmou.
Ana Paula Cândido da Silva, da Comissão Regional de Juventude e do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Queimadas, defendeu a qualidade das sementes crioulas: “As nossas sementes são de qualidade, não é à toa que a juventude de hoje trabalha com elas. As nossas sementes vêm resistindo de geração para geração. As pessoas as vezes falam que o agricultor não é formado, mas nós somos doutores em agricultura e ninguém melhor do que nós para saber o que é melhor para a gente”, disse. Para seu José Alves de Luna, conhecido como “Zé Pequeno”, guardião do Sítio São Tomé II, município de Alagoa Nova, as sementes da paixão são sinônimo de fartura: “Estou com 68 anos plantando essa semente e nunca plantei para dizer ‘perdi’, não. É sempre fartura. Eu nunca vi miséria na minha vida com essa semente, não tem inverno ruim com ela. Tenho orgulho de ser um defensor dessa semente, eu considero ela um patrimônio meu”.
Após essa rodada de debate, foi apresentada uma mesa de experiências. Erivan Farias Alves, de 27 anos, do Sítio Floriano, em Lagoa Seca, apresentou a sua experiência como jovem agricultor que encontrou na atividade o caminho para a sua autonomia. Ele falou sobre como a formação e os intercâmbios o ajudaram a diversificar a sua produção e promover a agroecologia. Foram nesses momentos que conheceu a esterqueira, o biodigestor, a cerca viva, a produção de biofertilizantes e de mudas e a adubação verde e que vem permitindo aprimorar sua produção. Ana Paula Cândido da Silva, apresentou a experiência da Comissão Regional de Juventude do Polo da Borborema, que ganhou força e se estruturou melhor em 2010, a partir da realização do 1º Encontro da Juventude Camponesa do Polo da Borborema e em a partir de 2013, com o apoio do Projeto Sementes do Saber.
A agricultora experimentadora Terezinha da Silva, do Sítio Videu, município de Solânea falou sobre a experiência da criação do Banco de Sementes Comunitário, do local onde vive, há cerca de 20 anos: “A minha semente da paixão é a do feijão cacho. Guardo ela não só para mim, mas pra um vizinho, pra quem precisar. Aqui quando os meninos têm anemia, basta tomar o caldo desse feijão, que ficam bons. O Banco de Sementes é uma mãe, um pai, é tudo para nós. Enquanto Deus me der vida e saúde eu vou continuar guardando essa semente e zelando por ela”, disse a agricultora.
Por fim, Euzébio Cavalcanti, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Remígio e integrante da Comissão de Sementes do Polo da Borborema, falou sobre como a rede, atualmente com 60 bancos comunitários de sementes ativos no território do Polo vem resistindo aos desafios e segue fortalecida. Ele também ressaltou a importância do envolvimento da juventude no trabalho de guardiões das sementes: “A gente ouve falar que os agricultores não guardam mais sementes. Mas quando dá um trovão, o que a gente vê em todo canto é todo mundo com semente para plantar. O banco de semente é uma porta aberta. Precisamos cuidar para que essa porta também se abra para a juventude, para ela ir construindo o seu trabalho de guardiões. Pois se eu sou guardião e meu vizinho não é, nossa semente fica ameaçada”, afirmou a liderança.
Ameaças – Após esse momento, Emanoel Dias, assessor técnico do Núcleo de Sementes da AS-PTA, fez uma contextualização do momento atual e do cenário de processo de preparação para a VI Festa das Sementes, que é realizada pela Articulação do Semiárido Paraibano (ASA-PB). Ele trouxe para o debate as principais ameaças ao modelo que defende as sementes da paixão e o conjunto da agricultura familiar, colhidos nas muitas reuniões municipais realizadas em preparação ao encontro territorial. A primeira ameaça colocada nesses momentos foi a seca, que pode ocasionar a perda de variedades. Foi ainda lembrado, da importância dos estoques familiares e dos Bancos de Sementes Comunitários nesses últimos anos de estiagem prolongada. Em seguida foi tratada da violência no campo, que ameaça a permanência das famílias agricultoras na zona rural. As políticas de distribuição de sementes e a legislação que desconsideram o trabalho de conservação e preservação das sementes crioulas pelas famílias agricultoras também foram levantadas como ameaças. Emanoel lembrou como desafio a chegada dos transgênicos no território: “Antigamente quando a gente falava em sementes transgênicas, parecia uma coisa distante, do sul do país, hoje não. A porta está escancarada, todas as amostras testadas com o milho distribuído pela Conab deram positivo para a presença de transgênicos, o que é preocupante, pois o milho é uma planta de polinização aberta, ou seja, a contaminação é muito fácil de ocorrer”, alertou. Por fim, o público presente ainda trouxe como ameaça as entidades de ensino e pesquisa que mantém estratégias voltadas para fortalecer o agronegócio, inclusive no Território da Borborema.
No período da tarde, Roselita Victor, liderança da Coordenação do Polo da Borborema e do STR Remígio, apontou todas as conquistas dos últimos anos na luta pela conservação das sementes crioulas, a exemplo do diagnóstico de variedades de feijão feita no território em 1996, que segundo ela “revelou muitos ‘tesouros escondidos’ a Lei Estadual de Sementes de 2006, que reconheceu as sementes dos agricultores, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) específico para sementes, que permitiu a compra pelo governo das sementes nativas, o surgimento das Festas das Sementes em 2004, a pesquisa participativa realizada com a parceria da Embrapa em 2012, que comprovou a superioridade das sementes nativas e adaptadas à região em relação às variedades comerciais e os recentes apoios dos Projetos Sementes do Saber, Sementes do Semiárido e do Ecoforte ao Programa de Sementes da Paixão do Território da Borborema, fortalecendo o trabalho de resgate, valorização e armazenamento das sementes.
Encerrando o seminário, foi aberto espaço para a feira de trocas entre os agricultores, que levaram suas sementes da paixão. Jovens de Massaranduba e Remígio apresentaram uma peça rápida, onde problematizaram os desafios à permanência das famílias no campo. Uma grande ciranda com uma benção das sementes encerrou o evento.