A agricultura familiar do Rio de Janeiro aponta desafios para a regulamentação das práticas agroflorestais
O aparato legal para a conservação ambiental no Brasil é vasto, complexo e vem sendo adequado e atualizado ao longo dos anos. Ainda assim, não tem sido suficiente para inibir o processo de degradação ambiental que vivenciamos diariamente, com a abertura de novas fronteiras agrícolas, aumentando os níveis de desmatamento, a poluição da água e do solo com o uso de agrotóxicos e a perda da agrobiodiversidade com o uso de sementes transgênicas. O processo de modernização agrícola depende desta artificialização da natureza para se viabilizar economicamente e, além disto, conta com subsídio financeiro das políticas públicas.
Por outro lado, a agricultura camponesa resiste produzindo alimentos agroecológicos capazes de saciar a fome de maior parcela da sociedade, assegurando o direito humano à alimentação adequada e saudável, e contribuindo significativamente com a preservação do ambiente, das nascentes e dos fragmentos florestais ainda existentes.
Foi baseado nestes princípios que o Programa de Agricultura Urbana da AS-PTA executou o projeto Árvores na Agricultura Familiar para a conservação da Mata Atlântica, com o objetivo de contribuir para a conservação de fragmentos do bioma. O projeto permitiu a implantação de um programa de formação para agricultoras e agricultores familiares sobre o manejo agroflorestal para conservação ambiental. A implantação de unidades de manejo agroflorestal voltadas para a geração de renda e a promoção de funções ecossistêmicas levou em conta os saberes das agricultoras e dos agricultores sobre o manejo de seus agroecossistemas. A execução das atividades do projeto apoiou ainda a construção de circuitos locais de comercialização para o escoamento da produção das agricultoras e agricultores localizados em comunidades rurais situadas em áreas de amortecimento de unidades de conservação na região metropolitana do Rio de Janeiro.
Outra ação relevante favorecida pelo projeto foi a ação conjunta com parceiros e agricultores participantes na elaboração e monitoramento da Resolução no.86 do Instituto Estadual do Ambiente (INEA), em vigor desde janeiro de 2014. No âmbito das ações do Programa de Agricultura Urbana da AS-PTA foram realizados três seminários sobre a regulamentação das práticas agroflorestais e de pousio no Rio de Janeiro.
Os dois primeiros ocorreram em 2012 e 2014, na região de Casimiro de Abreu, onde também existe uma diversidade de experiências agroflorestais. A divulgação e a elaboração participativa da regulamentação proporcionada pelos dois seminários permitiram ampliar a base de percepções e contribuições para o texto da norma.
Já o terceiro seminário, realizado no dia 5 de outubro, em Nova Iguaçu, foi o momento estratégico para apreciar a revisão feita pela Gerência de Serviço Florestal (GESEF) do INEA. Neste momento, estiveram presentes cerca de 40 pessoas, entre agricultores e agricultoras, assessores técnicos e gestores públicos. Para subsidiar os debates e reflexões, as experiências das agricultoras e agricultores no manejo de sistemas agroflorestais foram apresentadas na primeira parte do seminário. Cafezal agroflorestal, Bananal sombreado e Apicultura foram algumas das experiências apresentadas pelos agricultores ou exibidas em vídeos documentários. (Veja em https://aspta.org.br/category/videos/?programas=programa-de-agricultura-urbana)
À luz das experiências, a plenária pode aprofundar sobre a resolução no.86 do INEA. A elaboração da regulamentação tem como premissas os seguintes pontos: a) dar segurança jurídica para o manejo agroflorestal e para a prática do pousio, b) regularizar as práticas já em execução, c) não criar regras que afastem os agricultores da regularização e d) criar oportunidades de diversificação de produção.
O debate da resolução evidenciou dois desafios que necessitam ser superados: o primeiro se refere à complexidade dos procedimentos de regularização e dos formulários a serem preenchidos, o que é agravado pelo segundo desafio, o da insuficiência de assessoria técnica aos agricultores familiares. As experiências dos agricultores e os debates também evidenciaram que a conservação ambiental só será efetiva se não for desconectada dos processos socioambientais existentes. Outras reflexões dos participantes evidenciaram o tratamento desproporcional aos agricultores familiares, comparados à agricultura empresarial e a coibição de práticas tradicionais de pousio que levaram ao aumento do uso de agrotóxicos e adubos químicos.
As palavras do diretor da Associação dos Agricultores Orgânicos da Pedra Branca (Agroprata), Graciano Caseiro, se referindo ao caráter coercitivo da fiscalização ambiental e ao enfraquecimento do órgão oficial de assistência técnica e extensão rural (ATER), resumem os desafios: “Tem técnicos (agentes ambientais) para multar e fiscalizar, mas faltam técnicos para orientar ou ajudar.”, concluiu.
A plenária apontou ainda algumas alternativas para colocar em prática a regularização agroflorestal, como: Associar a discussão do processo de regularização às normas de avaliação da conformidade orgânica, principalmente do Sistema Participativo de Garantia, por meio da normatização para o extrativismo sustentável já existente, construir diálogos entre o Ministério Público e estabelecer articulações com os movimentos pelos direitos dos agricultores à agrobiodiversidade.
Ao final do seminário, os/as participantes visitaram a feira agroecológica montada com os frutos das áreas de produção dos agricultores. Saíram com a certeza da importância do diálogo entre agricultores, técnicos e gestores públicos. Diversos pontos foram apontados para as ações no campo de fortalecimento da agricultura familiar para a conservação ambiental: assistência técnica, criação de uma rede de viveiros, aprofundamento dos conhecimentos técnicos sobre coleta, armazenamento de sementes, diálogo com gestores públicos e fazer a sociedade conhecer mais a agricultura familiar da sua cidade.
As ações do Projeto Árvores na Agricultura Familiar foram possibilitadas pelo apoio financeiro TFCA/FUNBIO, e contou com a valorosa parceria da Embrapa Agrobiologia, Instituto de Florestas e Departamento de Extensão Rural da UFRRJ, Campus Fiocruz da Mata Atlântica/Farmanguinhos, Instituto Estadual do Meio Ambiente, Rede Carioca de Agricultura Urbana e das associações de agricultores do Rio da Prata, Pau da Fome, Vargem Grande, Fojo, Marapicu e Magé.