Jovens camponeses, assessores técnicos da AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia e coordenação do Polo da Borborema estiveram reunidos do dia 21 ao 23 de março para realizar o segundo Mutirão de Sistematização de Experiências da Juventude. Essa atividade faz parte do Diagnóstico da Juventude Camponesa desenvolvido pelo Polo da Borborema e pela AS-PTA desde o ano passado, com o apoio da entidade de cooperação internacional Suíça “Terra dos Homens” que tem por objetivo entender a inserção dessa juventude na agricultura da Borborema e conhecer quais são seus projetos e perspectivas de vida.
As atividades, que tiveram início na tarde do dia 21, foram organizadas em quatro grandes momentos: o debate sobre o diagnóstico, quais são suas grandes questões e como desenvolver as visitas a campo; a realização das entrevistas; a sistematização coletiva dos casos e a análise a partir do que o grupo vem acumulando durante todo o processo.
No segundo dia, o grupo se dividiu e foram conhecer a história de vida de 5 jovens:
– Lucas, um jovem de 18 anos que tem paixão pela vaquejada. Depois de sofrer problemas em casa, foi adotado por uma nova família. Lucas está cursando o nono ano e sonha em fazer um curso de eletricista e morar num sítio.
– As irmãs Aline e Letícia, duas jovens da mesma família que projetam destinos diferentes para sua vida. Letícia, a mais velha, quer estudar e arrumar um emprego na cidade. Aline, a irmã mais nova, pretende trabalhar na agricultura e construir uma casa no terreno da família. Ainda que as duas possuam atividades econômicas bem definidas na propriedade, o único que recebe o dinheiro pelo trabalho é o irmão mais novo, de 9 anos, que também acredita ser o herdeiro natural da propriedade. Tese que é também sustentada por sua mãe.
– Katiana é uma jovem mais madura que depois de morar no Rio de Janeiro com sua família, voltou para Paraíba e para o antigo terreno da família após superarem situação de violência doméstica. O irmão mais novo voltou para o Rio, pai e mãe ainda estão se separando legalmente para dividir o patrimônio. Katiana atualmente mora nessa propriedade com sua mãe, com o esposo e sua filha. Assume a agricultura como atividade econômica. Recentemente passou a se envolver, de forma ainda tímida, no trabalho do Sindicato. Já conquistou alguns benefícios que consideráveis em sua vida (viveiro de mudas).
– Carla Amanda é uma jovem que também superou uma situação de violência doméstica enfrentando seu pai e saindo de casa. Muito provavelmente, seu ato encorajou a mãe, que está em processo de separação do pai. Hoje Carla Amanda mora com a avó, tem uma bolsa na universidade e cursa agroecologia. Tem papel relevante na organização dos jovens e do trabalho do sindicato dentro do assentamento onde sua mãe permanece na terra. Destino diferente tem suas irmãs que optaram por casar para sair de casa. Uma delas voltou recentemente para casa da mãe com um filho pequeno, pois segundo Carla, acabou tendo um destino igual ao de sua mãe.
– Suélio é jovem agricultor que mantém trabalho como mecânico para viabilizar seu projeto de manter-se na agricultura. Depois de oito anos de trabalho, comprou quatro hectares de terra (já é o dobro do que seus pais têm) e pretende comprar mais quatro hectares. Quando atingir seu objetivo, deixará o trabalho de carteira assinada, pois quer voltar a pegar crédito para estruturar sua propriedade.
Na manhã do terceiro dia, os jovens da Comissão de Juventude do Polo da Borborema e a assessoria se reuniram para conhecer o resultado das sistematizações e analisar o que a trajetória de vida desses jovens tem a dizer sobre a juventude rural da Borborema. A história de vida dessas pessoas tão jovens, mas ao mesmo tempo tão intensas acabou apontando ao grupo pelo menos três pontos de reflexão que merecem destaque:
Um primeiro diz sobre a Identidade da juventude camponesa. Esses jovens mostram que a identidade camponesa é ainda um valor muito forte. Mesmo aqueles que não dedicam todo seu tempo na agricultura, ou aqueles que o trabalho fora acabou sendo estratégia de geração de renda para a família, em sua essência, permanecem agricultores e tendo o campo como seu modo de vida. Demostram na prática, que a pluriatividade vem inclusive fortalecendo essa identidade na medida em que permite a compra de terra, o investimento na propriedade ou mesmo, exercer um papel de liderança na organização comunitária. A pluriatividade não é assim uma negação dos valores da vida rural ou da agricultura, mas a oportunidade de fortalece-la como um projeto de vida.
Observa-se ainda que a família, seja qual for sua configuração (pais, padrinhos, tios, avós ou uma família adotada) é ainda um espaço de formação importante para o trabalho e para a construção da identidade e do modo de vida. Aqueles jovens que de alguma forma romperam esse ciclo, acabaram ficando mais vulneráveis e a busca por oportunidades tornam-se mais difíceis. Sem o ambiente de formação pelo trabalho, os jovens acabam vivendo a exploração do seu trabalho.
Outro aspecto que se mostrou central, foi a educação escolar. Novamente, os casos chamam atenção, por um lado sobre a importância de se debater sobre o atual modelo de educação, o quanto ele é excludente, discriminatório e desigual. Contudo, os jovens, ao passar pelas barreiras dessa escola, a educação mostra-se ao mesmo tempo uma importante oportunidade para os jovens. Seja para aqueles que desejam deixar a agricultura, mas também para aqueles que na busca por um projeto de vida, encontraram no estudo uma forma de permanecer na agricultura. Muitos foram os casos de jovens que puderam fazer cursos profissionalizantes ou de nível superior frutos da ampliação das políticas públicas e das novas oportunidades de acesso. É também a partir da educação, de qualidade, que conseguem afirmar sua identidade como agricultor ou como agricultora.
Por fim, outro ponto que merece atenção é a violência. As meninas jovens ainda vivem grave situações de violência doméstica, essa violência acaba sendo repetida em suas comunidades e até mesmo, quando essas jovens chegam nas escolas da cidade. O machismo e o patriarcado ainda marcam fortemente a vida desses jovens e principalmente das meninas jovens, que permanecem presas em casa, que assumem todo o trabalho doméstico para liberar sua mãe para o roçado, que não são remuneradas pelo seu trabalho produtivo, ou que muitas vezes não tem o direito de herdar a pouca terra.
E diferentemente do que se propaga, todos os casos do estudo mostram que os jovens sabem o que querem para a vida. A decisão do futuro seguramente está em suas mãos. O que certamente determinará as diferenças entre as escolhas da vida são as oportunidades que lhe aparecem ou não: acesso à terra e aos recursos, acesso as políticas públicas, a identidade cultural, a organização em grupos de jovens, a participação no sindicato, assim por diante. Os mutirões de sistematização têm permitido descobrir novos tesouros, jovens agricultores-experimentadores vem fertilizando o chão da Borborema.