Jorge Irán, da UNAG (Unión Nacional de Agricultores y Ganaderos), organização da Nicarágua parceira do Projeto Alianza por la Agroecología, relata a luta dos agricultores em defesa das sementes nativas e critica a Lei de Sementes atualmente em tramitação no Congresso do seu país
AS-PTA, via projeto Aliança pela Agroecologia
Como está a questão dos transgênicos na Nicarágua?
– Atualmente, o tema voltou a ser mais discutido, embora haja instituições do Estado que falem de agroecologia e promoção de sementes nativas. É curioso que, no “Plano de bom governo”, uma das estratégias para promover a agricultura seja o uso de transgênicos e, concomitantemente, no mesmo parágrafo, se mencione a agroecologia…
Há setores que apoiam a entrada de transgênicos no país, principalmente nos últimos três anos em que houve seca, e o promovem como uma “alternativa” às mudanças climáticas. Nós defendemos justamente o contrário. Pensamos que a melhor forma de mitigação às mudanças climáticas seja a proteção dos recursos genéticos e dos conhecimentos tradicionais, e que devemos restringir a entrada dos OGMs (Organismos Geneticamente Modificados) na Nicarágua, apelando ao princípio da precaução.
Qual tem sido a posição dos agricultores nicaraguenses?
– Por exemplo, no âmbito do programa De Campesino a Campesino, da UNAG, há mais de 15 anos estão sendo promovidas estratégias locais de soberania alimentar, através do incentivo às sementes nativas e, ao mesmo tempo, contra os transgênicos, paralelamente à luta realizada pela Aliança por uma Nicarágua Livre de Transgênicos.
Mais recentemente, o programa De Campesino a Campesino passou a contribuir para a formação da Aliança Sementes da Identidade, que aglutina redes e sindicatos de agricultores nicaraguenses. A Aliança trouxe para o debate público temas como a importância da promoção de leis municipais, do estabelecimento de municípios livres de transgênicos e do manejo da biodiversidade agrícola local, entre outros.
A partir da Aliança Sementes da Identidade temos promovido campanhas contra os transgênicos e foros para sensibilizar os tomadores de decisão, além de feiras locais e nacionais para levar a nossa mensagem até os consumidores. Também temos trabalhado no resgate dos alimentos tradicionais, produzimos programas de rádio e apresentamos moções para aperfeiçoar a Lei de Sementes, entre outras iniciativas.
É preciso lembrar que já em 2005 foi aprovada a entrada de milho amarelo transgênico para a alimentação de animais (frangos). Quando perguntamos a representantes do setor que importa esse milho o porquê da compra, eles dizem que o adquirem pelo custo e não levam em conta os danos que possa vir a causar. Apesar de que há leis que regulam a introdução e o manejo desses produtos, obviamente sempre existe o risco de contaminação pelos transgênicos.
Nos últimos anos, observamos uma situação que tem provocado a desconfiança do pequeno produtor em relação às sementes melhoradas: sua duvidosa procedência. Há sementes que não foram melhoradas, mas são vendidas como se fossem. Este elemento cria muita desconfiança, embora há que se reconhecer que as autoridades competentes estão tratando de solucionar essa situação estabelecendo um controle maior.
Qual é a situação em relação à produção de sementes?
– Em nosso país convivem dois sistemas de produção de sementes: um formal, que produz sementes melhoradas e outro, representado pelo sistema local, em mãos dos pequenos produtores, que em sua maioria usa as variedades nativas.
De acordo com as cifras oficiais, 75% da colheita de grãos básicos é feita com sementes nativas, produzidas pelos próprios agricultores, e cerca de 10% deles usam sementes melhoradas. No caso de sementes de outras espécies, como hortaliças, estas provêm em grande parte de países como os Estados Unidos, México, Guatemala, Itália e Holanda.
Nesse contexto, como é visto o uso das sementes nativas?
– Na Nicarágua tem prevalecido em certos setores do Estado, do empresariado e inclusive em algumas áreas da academia, uma visão que associa o uso de sementes nativas com a pobreza e o atraso. Questionam sua utilização com o argumento de que as sementes devem ser homogêneas e que sua diversidade vai contra a qualidade do produto. Da mesma forma, criticam a capacidade e a prática das famílias de agricultores de guardar as sementes de uma colheita para a outra. É mal visto por esses setores, principalmente, o livre intercâmbio de sementes. Estas posições estão refletidas na Lei de Sementes, cuja análise está atualmente parada no Congresso.
Como o sr. analisa a Lei de Sementes?
– A lei é uma estratégia montada para nos colonizar com as sementes melhoradas e com o sistema que implica seu uso. Pretende-se tratar um sistema local, que vem funcionando há gerações, da mesma forma que se lida com o sistema convencional de produção de sementes certificadas.
Os que defendem essa lei veem o universo de pessoas que usam as sementes nativas como um mercado potencial para suas sementes e seus agroquímicos.
Mas é importante esclarecer que não estamos contra as sementes certificadas. Nossa luta é para que se reconheça que existem dois sistemas de produção. Não aceitamos que o sistema agroecológico de produção de sementes nativas seja excluído. Pelo contrário, queremos que esse sistema – que é o que mantém a diversidade – seja reconhecido. Também queremos que seja público e não marginal.
Como estão as discussões sobre essa proposta de lei?
– Tentou-se apressar sua aprovação, mas esse processo parou. Hoje, a análise da lei está suspensa pelas apreciações que estamos fazendo e também pelas eleições presidenciais, que vão ocorrer em novembro deste ano.
Nesse período, tem havido encontros com deputados e outros representantes políticos. Mas o que se percebe, embora se fale de agroecologia e da importância do resgate das sementes nativas, é que ainda há setores muito fortes influenciando o pensamento em prol de um enfoque convencional. De fato, há grandes interesses econômicos envolvidos nesse debate.
Estamos preocupados, por exemplo, com a possibilidade de que nesta lei se incorpore o tema das sementes nativas simplesmente com o objetivo de regularizá-las. É preciso destacar que, entre outros aspectos negativos, ela penalizaria o intercâmbio e a guarda dessas sementes.
Uma coisa é o reconhecimento da sua importância e outra – muito diferente – é fazer desaparecer nosso sistema de sementes nativas. Por isso, se chegou a propor que nessa lei se eliminasse o tema das sementes nativas, para que elas não venham a ser normatizadas. Para nós, está claro que o que se defende nesta lei é, na verdade, o controle das sementes nativas, o que traria um risco de perda de autonomia por parte das famílias de agricultores.
Quais são os pontos mais polêmicos dessa lei?
– O tema dos transgênicos é a maçã da discórdia, apesar de que em nosso país as pessoas estão mais preocupadas com o seu dia a dia. Os possíveis problemas de saúde, devido ao consumo de produtos transgênicos, não preocupam tanto… Por essa razão, os consumidores não se manifestam muito e isso nos coloca em uma posição vulnerável diante de um universo de consumidores não muito conscientes dos riscos que representam os OGMs. Para nós, outro elemento sumamente polêmico é a proibição do livre intercâmbio de sementes nativas, como já mencionamos.
Em sua opinião, que medidas devem ser tomadas para mudar esse quadro?
– Como já colocamos, no âmbito da Aliança Sementes de Identidade, “nossa melhor medida de adaptação às mudanças climáticas é o estudo e revalorização de nosso patrimônio genético”. É necessário defender a soberania alimentar através da proteção de nossos recursos genéticos e do conhecimento associado, e restringir a entrada de OGMs na Nicarágua.
Também é preciso fortalecer os marcos legais locais, onde os agricultores têm podido intervir. As conquistas obtidas na defesa das sementes nativas são muito importantes. Há posições que, com o tempo, evoluíram. Porém, ainda há muito trabalho por fazer. Para isso, precisamos de constância e paciência.
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