“Se é pra lutar, a gente luta. Se é pra cantar, a gente canta. E se a gente não planta? A cidade não janta!” foi com esta frase, repetida pelas 150 pessoas presentes na forma de um jogral, que teve início o encontro de balanço do Polo da Borborema, uma rede de 14 sindicatos de trabalhadores rurais da região da Borborema na Paraíba. Realizado em parceria com a AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia, o evento aconteceu nos dias 05 e 06 de setembro, no Santuário Santa Fé Padre Ibiapina, em Solânea-PB e contou com um público de agricultores e agricultoras, lideranças dos sindicatos de trabalhadores rurais, assessores técnicos e parceiros convidados.
O encontro teve início na manhã do dia 05 com uma proposta de reflexão sobre a atual conjuntura política brasileira, que hoje vive um contexto de desmonte de programas e políticas públicas sociais e de retirada de direitos, após um golpe parlamentar, ocorrido com apoio de setores da mídia e do Poder Judiciário. Por meio de grupos de cochicho, os participantes fizeram uma rápida análise sobre como estavam vendo a realidade e como vinham sendo afetados por ela. Após alguns minutos, alguns membros da plenária socializaram o que havia sido comentado em cada grupo.
Gerusa da Silva Marques, agricultora do Sítio Cachoeira de Pedra D’água, em Massaranduba, foi uma das pessoas a falar e resumiu o sentimento expressado pela maioria da plenária: “Desde o afastamento da presidente Dilma, o que a gente viu foi muita coisa ruim para o nosso lado. Cortes no Bolsa Família e, ao mesmo tempo, tudo no supermercado aumentando. Fica difícil para o pobre viver. Parece que os grandes não querem que a gente ande emparelhado com eles. Pois a vida deu uma melhorada depois que a gente teve acesso ao PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), às cisternas, ao Bolsa Família, e isso tudo está sendo tirado à mão grande. Com a questão da Previdência Social é que eu acho que muita gente vai ser afetada. Estamos caminhando para o passado, quando se via saques a armazéns e mercados. A gente tem mais é que ir para rua, lutar pelos nossos direitos”, destacou.
Em seguida, foi pedido aos mesmos grupos de cochicho que listassem todas as políticas públicas que incidiram no território nos últimos 20 anos e que foram importantes para cada um e cada uma. O resultado foi um enorme conjunto de programas, políticas e ações, governamentais ou não, que foram subdivididas em oito grandes grupos: Saúde (Mais Médicos, PSF, Farmácia Popular, SAMU, etc.); Educação (Prouni, FIES, Cisternas nas Escolas, Caminhos da Escola, Cursos Licenciaturas Educação do Campo, etc.); Convivência com o Semiárido (Cisternas de beber e cozinhar, de produção, Programa Sementes do Semiárido, etc); Infraestrutura (PAC, Programa Brasil Agroecológico, Luz para todos, etc.); Mulheres (Lei Maria da Penha, Salário Maternidade, Titularidade do Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida, etc.); Crédito (Fundos Rotativos Solidários, Pronafs, Garantia Safra, Crédito Fundiário); Sociais (Valorização do Salário Mínimo, Regularização Fundiária, etc.) e Acesso a mercados (PAA, PNAE, Ecoforte, etc.).
Após este momento, os participantes da plenária se dividiram nos oito grupos correspondentes às áreas listadas com a tarefa de fazer uma reflexão sobre o impacto de cada uma das políticas públicas sobre a sua vida individualmente e sobre as suas comunidades. No período da tarde, houve a socialização do debate dos grupos, que mostrou de maneira clara impactos positivos sobre a autonomia e organização da população, que entendem que tais políticas são antes de mais nada conquistas que historicamente lhes haviam sido tiradas.
Nos debates, apareceu com bastante força a preocupação com as eleições municipais deste ano e a nova correlação de forças que deve surgir a partir delas: “À medida que o povo pobre foi sendo incluído, a gente vê crescer essa disputa, que é na verdade uma luta de classe. A gente não pode mais aceitar migalhas, estamos no meio de um processo eleitoral, precisamos orientar o nosso voto para não fortalecer ainda mais os políticos da direita, os políticos responsáveis pelo golpe. Precisamos pensar quem é que está por trás dos que estão batendo na nossa porta, lá nos nossos municípios”, alertou Roselita Vitor, liderança do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Remígio e da Coordenação do Polo da Borborema.
Após o debate, Luciano Silveira, da coordenação da AS-PTA, fez a apresentação de uma linha do tempo do território nos últimos 20 anos e a evolução das políticas. “Pensando nas políticas, se a gente olhar para o deserto que era no passado e para o conjunto que temos agora, percebemos que vivemos um ciclo de democracia e de acesso a direitos, mesmo com todas as críticas que temos aos governos do PT. No passado, quando a gente falava de políticas públicas, a desinformação era a regra. Hoje a gente tem domínio sobre elas. Precisamos levar este debate até a ponta, para que as pessoas entendam o que está acontecendo e que estas conquistas a gente não pode perder”, disse.
Encerrando a programação, Adriana Galvão Freire, assessora técnica da AS-PTA partilhou com os presentes acontecimentos recentes preocupantes na região do Polo da Borborema, que vive uma onda de casos de violência contra a mulher e de estupros, que já tem mais de 20 ocorrências nos municípios de Lagoa Seca, Remígio, Montadas, Areial, Alagoa Nova, Matinhas e Lagoa de Roça. “Neste momento, nós estamos buscando informação, conversando com as mulheres, encaminhando as denúncias, para construir um mapa do problema. Estamos também dialogando com as autoridades responsáveis e precisamos, antes de mais nada, acolher estas vítimas, fazer com que elas registrem os casos e jamais cair no erro de culpabilizar as mulheres. Não foi porque estava de minissaia, não foi porque estava sozinha, numa situação de estupro, a mulher nunca, nunca é culpada”, frisou.
O segundo dia de encontro foi reservado para os balanços das comissões temáticas em que o Polo está organizado: sementes e fertilidade solo; criação animal; infância e juventude; cultivos agroflorestais; saúde e alimentação; recursos hídricos e mercados. Cada grupo reunido fez uma reflexão sobre a trajetória das redes nos últimos anos e a articulação com as políticas públicas no seu fortalecimento. Foram ainda avaliadas as ações de 2016 e apontadas estratégias diante da nova conjuntura desafiadora.
Na Comissão de Juventude, os participantes avaliaram o processo preparatório para a “I Marcha da Juventude Camponesa” realizada em Remígio, no mês de julho deste ano que reuniu mais de mil jovens dos 14 municípios onde o Polo atua e as duas feiras agroecológicas e culturais da juventude, que aconteceram em Remígio e Massaranduba. “Em Remígio, o processo de preparação da Marcha ajudou a fortalecer os três grupos de jovens que já existiam e a criar mais dois grupos novos, um deles quer produzir artesanato para vender na feira e o outro quer criar um fundo rotativo solidário de ovelha”, avalia Aline Belarmino, liderança jovem do STR Remígio. “Também ampliamos a comissão municipal de juventude de seis pessoas para doze, que nos deu a possibilidade de fazer um acompanhamento bem melhor das ações. Antes da marcha, os jovens tinham medo de participar do programa de rádio do sindicato, hoje não mais. Em resumo, a Marcha sacudiu o nosso município, foi como dizer um ‘oi, somos a juventude camponesa, existimos e estamos produzindo’, foi muito bom”, continua Aline.
No período da tarde, os grupos apresentaram uma síntese das suas estratégias para o fortalecimento do trabalho e suas agendas futuras. Parte das estratégias passa pela resistência ao golpe e a construção da luta pela garantia dos direitos conquistados. O Encontro de balanço do Polo da Borborema foi realizado com apoio do Projeto Ecoforte Rede de Agroecologia da Borborema, com recursos da Fundação Branco do Brasil.