Cerca de 50 agricultores e agricultoras, integrantes da Rede de 12 Feiras Agroecológicas do Polo da Borborema, organizados em torno da associação Ecoborborema, celebraram os 10 anos de fundação da Feira Agroecológica de Remígio, com a realização de um seminário no Assentamento Dorothy Stang, no dia 27 de setembro. Estiveram presentes agricultores da feira local e outros feirantes dos municípios de Lagoa Seca, Massaranduba, Queimadas, Areial, Lagoa de Roça, Solânea, além dos assessores técnicos da AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia.
O Seminário aconteceu na sede da Associação Comunitária do Assentamento Dorothy. Após as boas vindas, dadas pelos agricultores João Miranda e dona Terezinha, anfitriões da comunidade, foram apresentados os objetivos do evento. O encontro teve como ponto de partida uma matéria do Programa “Fantástico”, da Rede Globo, sobre o comércio dos “falsos orgânicos” o que gerou um debate inicial sobre ética, trabalho coletivo e os princípios da agroecologia.
Após o vídeo, os agricultores e agricultoras fizeram pequenos grupos de cochicho sobre suas impressões acerca do material, antes de socializar com os demais. “Acho que o que aconteceu nesse vídeo, jamais iria acontecer com a gente, porque nós não trabalhamos isolados. O agricultor até pode levar um produto que não seja seu, mas que seja de um vizinho e que ele conheça todo o processo de produção”, afirmou Irenaldo Nunes, feirante de Remígio e um dos coordenadores da EcoBorborema.
Eliane Barbosa, jovem do Assentamento Oziel Pereira e filha de uma agricultora da feira de Remígio, observou as questões éticas envolvidas e que a matéria invisibilizou o movimento das feiras agroecológicas, que não foram ouvidas e nem aparecem no material: “Ficou muito clara as questões dos aproveitadores, gente que abusa da confiança das pessoas. Mas por outro lado, a matéria não mostra as feiras enquanto movimento agroecológico, enquanto organização social, o que é uma forma de denegrir as pessoas envolvidas nele. Eu acho também que não é só você recusar o agrotóxico, mas informar sobre os riscos dele”, avaliou.
Após esta rodada de debates, Euzébio Cavalcanti, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Remígio, fez um resgate histórico da criação da feira. “Nós estamos completando 10 anos de feira, mas com a energia de jovens, que tem toda a vida pela frente. Realizamos este seminário para continuar melhorando a nossa feira e relembrando os nossos princípios”, disse. Euzébio lembrou alguns pontos de partida para o trabalho da feira no município, como o diagnóstico sobre o uso de agrotóxicos que foi realizado em 2002 pelo Polo, com a produção de um vídeo visto por mais de 800 pessoas na cidade, o estudo da feira livre do município e o intercâmbio de agricultores de Remígio para conhecer a feira de Lagoa Seca-PB. De acordo com ele, o ponto forte da feira de Remígio é a sua organização, com a realização de assembleias mensais, participação dos feirantes nas assembleias da Ecoborborema e articulação da venda para o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), do Governo Federal.
Encerrando a manhã, três gerações de agricultores feirantes deram depoimentos sobre a sua participação na feira. Seu João Miranda, agricultor histórico da feira e do movimento de luta pela terra do assentamento em que vive, falou sobre a conquista da terra e como a feira chegou atendendo a uma necessidade dos agricultores de valorização da sua produção: “Teve uma época em que eu produzia muito tomate, vendia para um atravessador, que misturava tudo, o que era orgânico com o que não era. Então eu pensei, estou perdendo o meu trabalho, vamos procurar uma forma da gente mesmo vender a nossa produção. Eu fui um camarada pobre, sem terra. Mas hoje eu digo a vocês, nós não temos do que chorar. É uma felicidade a nossa união aqui, porque a gente vive num mundo tão cruel, com tanta perversidade, eu fico muito feliz em ver que está todo mundo prosperando”.
A agricultora Elizabeth Ananias, conhecida como ‘Beta’, foi a segunda a compartilhar sua história, e trouxe as mudanças que a feira promoveu na vida de muitas mulheres. Beta participa de feiras com o marido, Irenaldo, que comercializa hortaliças há vários anos. Há algum tempo, ela assumiu a sua produção própria e conquistou a sua renda, fazendo inclusive feiras sozinha, sem o marido: “Trabalhava com ele, mas eu queria vender uma coisa que eu pudesse ganhar o meu próprio dinheiro. Então fui aprender a fazer pamonha, canjica, beiju, bolo e deu certo. Depois passei a vender polpa de frutas, aí me deram conselhos para parar com o resto e montar uma empresa só de polpas de frutas. Mas se é para eu ter que me desfazer das minhas galinhas, dos meus bolos, das minhas plantas, do meu arredor de casa, eu não quero. Prefiro ter um pouco de tudo. Meu objetivo nunca foi enricar, mas produzir um alimento saudável para minha família e para os outros”, disse.
A última fala foi a do jovem Gabriel Belarmino, do Assentamento Junco, filho de agricultores feirantes que este ano assumiu um banco na feira de Remígio com outra jovem do assentamento vizinho. Conta como a feira o ajudou a construir sua autonomia: “Posso dizer que meu crescimento foi junto com a feira, a gente evoluiu juntos. Acho que eu tinha de 10 a 12 anos quando comecei a ir com meus pais, hoje estamos com um banco nosso, e iniciando uma experiência com a apicultura”, disse.
No período da tarde, os participantes do Seminário fizeram um lançamento local da Campanha “Não planto Transgênicos para não apagar a minha história!”, desenvolvida pelo Polo da Borborema e pela AS-PTA, por meio da Comissão Regional de Sementes e da Comissão de Juventude. Foram exibidos dois vídeos da campanha, uma animação esclarecendo sobre os transgênicos e como evitar a contaminação das sementes crioulas e outro com depoimentos de guardiões de sementes. Euzébio Cavalcanti fez a leitura do Cordel “Vou proteger as sementes da Paixão”, de sua autoria, outro material da campanha. Os agricultores fizeram uma rodada de discussão sobre os encaminhamentos para evitar a invasão dos transgênicos na região e sua relação com o trabalho das feiras agroecológicas, que por princípio, precisam estar livres de contaminação.
O Seminário foi encerrado com a realização de uma oficina prática, de debulha de milho e empacotamento das sementes para a venda, usando uma identidade visual única para a rede de feiras, os Produtos do Roçado. Os agricultores e as agricultoras levaram ainda amostras de sementes de milho para a realização de testes rápidos de transgenia, que foram feitos na ocasião.