Aconteceu nos dias 04 e 05 de abril, em Campina Grande, o Seminário sobre Pesquisas e Gestão dos Bancos de Sementes Comunitários do Território da Borborema, que reuniu cerca de 80 pessoas, entre agricultoras e agricultores guardiões de sementes, gestores de bancos comunitários de sementes, pesquisadores, estudantes, professores estudiosos da temática e representantes da rede de sementes da Articulação do Semiárido Paraibano (ASA Paraíba). “Sementes da Paixão” é o termo usado no estado para designar as sementes crioulas, ou nativas, conservadas pelas famílias camponesas há várias gerações.
A atividade foi promovida pela Comissão de Sementes do Polo da Borborema, uma articulação de 14 sindicatos de trabalhadores rurais da região da Borborema na Paraíba que conta com a assessoria da AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecológica. Atualmente, a rede de Bancos de Sementes Comunitários (BSC) do Polo conta com 62 bancos.
O evento teve como objetivos: Socializar e debater resultados de experiências de manejo comunitário da agrobiodiversidade e suas implicações para a pesquisa agroecológica; Definir orientações para a continuidade de programas de pesquisa em agroecologia em conjunto com comunidades e organizações da agricultura familiar; Comemorar os 10 anos de pesquisas com as sementes da paixão no Território da Borborema; Socializar experiências bem sucedidas de gestão dos bancos comunitárias de sementes; e Construir estratégias que qualifiquem a gestão da rede dos bancos comunitários de sementes no Território da Borborema.
Antes da abertura do Seminário, foi feito um minuto de silêncio em memória do ex-diretor e atual coordenador de pesquisas do Instituto Nacional do Semiárido, professor Ignacio Hernán Salcedo, que faleceu no dia 03 de abril, vítima de câncer. Em seguida, Roselita Vitor, liderança do município de Remígio e da coordenação do Polo da Borborema, falou sobre o significado e a trajetória do trabalho com as sementes.
Ela lembrou do surgimento da luta pelo acesso as sementes, no início da construção do projeto político do Polo, ainda na década de 90: “Uma das primeiras coisas que eram colocadas pelos agricultores era a questão das sementes, que eram usadas pelos políticos como moeda de troca. Também as sementes distribuídas que não chegavam na hora certa de plantar. Mas por pouco que fosse, todo agricultor e agricultora tinha a sua semente guardada, só que eles tinham vergonha dela, porque ela não era valorizada pela assistência técnica de Estado e pelas instituições de pesquisa. Mesmo prestando um serviço gratuito à humanidade, de preservação das variedades, os agricultores não eram reconhecidos no seu papel de guardiões da biodiversidade”, afirmou.
Na sequência, os participantes se dividiram em dois grupos para a socialização dos resultados de um conjunto de estudos participativos sobre sementes com a colaboração dos guardiões e guardiãs das comunidades rurais, são elas: Pesquisa com variedades e o levantamento das pragas e doenças do feijão macassar; Pesquisa de armazenamento sementes com produtos naturais; Implantação de campo de multiplicação de milho jabatão; Revitalização da Batata Agroecológica na Borborema; e Monitoramento Rede de BSC na Borborema. As apresentações foram feitas professores e estudantes bolsistas envolvidos nas pesquisas.
Na tarde do primeiro dia, foram apresentados ainda o contexto, as ações e os resultados da campanha Não planto transgênicos para não apagar minha história!, que surgiu à partir da preocupação dos agricultores com a entrada de sementes transgênicas no território, à partir das feiras livres, armazéns e do milho da venda de balcão da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). A campanha produziu materiais de esclarecimento com orientações aos guardiões no sentido de evitar a contaminação de suas sementes crioulas e possibilitou a certificação de dezenas de amostras de milho por meio da aquisição de kits de testes de transgenia. Das 66 amostras de milho testadas em 2016, 40 estavam livres de contaminação por transgênicos.
Após as apresentações, foi feita uma rodada de debate em torno das seguintes perguntas: quais os ensinamentos que os resultados das pesquisas e das experiências apresentadas sugerem para a pesquisa agroecológica e para as políticas públicas de sementes? Que iniciativas serão realizadas no campo das pesquisas em agroecologia em conjunto com comunidades e organizações da agricultura familiar camponesa em 2017? O primeiro dia foi encerrado com uma oficina de produção do “cuscuz da paixão”, com o uso de uma das unidades de beneficiamento de milho crioulo, adquiridas pelo Polo da Borborema em parceria com a AS-PTA.
Fernando Curado, pesquisador da Embrapa Tabuleiros Costeiros, de Aracaju-SE, parceira das pesquisas com sementes no território do Polo desde 2007, fez uma síntese dos desafios e perspectivas para os estudos daqui em diante. A necessidade de avançar no empoderamento dos agricultores para a pesquisa e no investimento de novas metodologias, além do aprofundamento no conhecimento sobre como tem sido a apropriação das famílias agricultoras com relação às pesquisas, foram alguns dos desafios elencados pelo pesquisador.
O segundo e último dia do seminário foi iniciado com o lançamento da publicação Sementes da Paixão – Catálogo das Sementes Crioulas da Borborema, que busca dar visibilidade às iniciativas das famílias e comunidades na conservação, apresentando as principais características das mais importantes sementes encontradas nos BSC da Borborema. Com o objetivo de facilitar a troca de informações entre guardiões e guardiãs, além de ser um instrumento de afirmação das sementes da paixão.
Foram apresentados então os avanços, desafios e perspectivas da Rede de Bancos Comunitários de Sementes no Polo da Borborema no ano que terminou e para 2017. Euzébio Cavalcante, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Remígio, falou sobre a melhoria da estrutura dos 20 BSC apoiados pelos Projetos Ecoforte – Redes de Agroecologia e Sementes do Semiárido, do Governo Federal, que tiveram início em 2015 e sobre as novidades do ano de 2016, como as atividades de formação sobre sementes de hortaliças e sobre o empacotamento de sementes, além da aquisição de duas unidades de produção de cuscuz não transgênico.
Gabriel Fernandes, assessor técnico da AS-PTA, fez uma fala sobre o cenário nacional do trabalho com as sementes e das políticas públicas: “A maioria das políticas públicas de apoio à agricultura familiar que a gente conhece é de 2003 para cá. Tivemos um ciclo de 15, 20 anos importante de apoio das políticas públicas. A região do Polo teve a capacidade de tirar o máximo proveito dessas políticas, o que permitiu dar um grande salto na conquista do seu projeto político. O reconhecimento de diferentes órgãos do governo do trabalho com as sementes é uma conquista nossa. Mas estamos vendo uma contradição, ao mesmo tempo em que a gente vê as experiências com uma força muito grande, vimos o país desmoronando de cima pra baixo”, disse, se referindo às medidas do Governo Temer, de extinção de ministérios e ações estratégicas para o campo.
Na segunda parte da manhã, foi reservado um momento para socializar experiências bem sucedidas de gestão dos bancos comunitárias de sementes, tomando como exemplo o Banco Comunitário de Sementes da comunidade de Guritiba, em Queimadas-PB e o Banco Comunitário de Sementes de São Luiz, em Solânea-PB. Adriana Batista da Costa Mendes, é uma das gestoras do BSC de Guritiba, ela compartilhou os desafios, conquistas e aprendizados do seu trabalho com os presentes: “Cada vez que a gente tá unido, é como se nascesse uma sementinha no nosso coração. A primeira semente que a gente deve plantar, é dentro da gente, quando decidimos ser um guardião”, disse.
Encerrando a programação, os presentes se dividiram mais uma vez em grupos para refletir sobre os ensinamentos e orientações das experiências apresentadas. E levantar o que pode ser feito para melhorar a gestão da Rede de BSC no Polo da Borborema. O seminário foi encerrado com a definição das principais orientações para animação da rede de BSC e possíveis demandas para continuidade das pesquisas com as sementes da paixão. Entre elas merece destaque: a produção de sementes com água de reuso; a realização de reuniões com novas famílias; a realização de novos testes de transgenia; estimular o uso dos materiais de controle dos BSC; e realizar intercâmbios entre os BSCs.