Convivência com o Semiárido: passando do discurso a uma política-país, Brasil 2002-2016
Desenvolver estratégias de resiliência e convivência com as questões climáticas e as grandes discrepâncias sociais e políticas existentes no Semiárido brasileiro sempre foi um desafio histórico para as populações camponesas que habitam esta região.
A semiáridez não é uma característica apenas de parte do Nordeste brasileiro, pois se estima que de modo geral, as terras secas, com diversos graus de aridez, representam cerca de 40% da área terrestre, uma porcentagem considerável para se avaliar aspectos de desenvolvimento. Vale destacar que 42% da população mundial vivem nessas áreas, acumulando experiências de vida vinculadas com as dinâmicas climáticas, próprias das regioes secas, onde além disso, produzem a nivel mundial cerca de 22% dos alimentos.
Tanto no Brasil como no mundo, a concepção de realidade que tem influenciado o imaginário técnico, econômico e social destas regiões secas, se construiu e se institucionalizou a imagem de regiões problemáticas, cheias de adversidades, desmerecendo assim, as potencialidades dessas áreas.
Segundo o pesquisador, Aldrin M.Perez-Marin, que atua na área da Agroecologia e da Desertificação, “existem poucas experiências no mundo onde se tenha estabelecido, no caso dos Semiáridos, uma relação entre Estado e sociedade, que tenham dado as pessoas autonomia, espaço de decisão e organização (vez, voz e voto) para a formulação, implementação e controle de políticas públicas”.
No nosso país, onde essa área representa 11% do território nacional, a resposta dos governos predominantes foi a implementação de políticas de “desenvolvimento”, dirigidas quase exclusivamente ao “combate a seca” e os seus efeitos.” Mas, tais percepções de “desenvolvimento” foram questionadas pelos agricultores e suas organizações, dado a sua insustentabilidade economica , ambiental e social. Articulados na rede denominda Articulaçao do Semiárido Brasileiro (ASA Brasil), eles apresentaram – durante a 3ª Conferência das Partes da Convenção de Combate à Desertificação e Mitigação dos efeitos da Seca das Nações Unidas (UNCCD) – a Declaração do Semiárido Brasileiro (SAB) em torno do conceito de “convivência com a semiáridez”, enfatizando a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais e hidrícos, e a quebra do monopolia de acesso a água, a terra, a comunicação, e aos meios de produção.
Nacismento da revolucao silenciosa
A chegada do governo de Luiz Inacio Lula da Silva em 2002 abriu a participação de novos atores sociais e políticos e a definição de uma política sob o princípio de “convivência com a semiáridez”. Em linha com este novo paradigma – da convivência com a semiaridez – , foi realizada uma pesquisa participativa entre 2012-2016, em articulação com uma instituicao pública de Ciência, Tecnologia e Inovação – Instituto Nacional do Semiárido (INSA) – e a entidade representativa da Sociedade ASA-Brasil.
A pesquisa objetivou explorar se foi possível tornar realidade a proposta brasileira de “Convivência com a semiaridez”, e em caso afirmartivo, estabelecer quais estratégias e condições contribuíram para isso. Isto foi feito através de uma análise comparativa das transformações ocorridas em 10 territórios do Semiárido brasileiro, em dois períodos de tempo PI (1973-2001) com políticas governamentais de combate a seca e seus efeitos, versus PII (2002-2016), caracterizado pela implementação de políticas governamentais de desenvolvimento sob o conceito de convivência com a região semiárida. As variáveis e processos analisados incluíram: capital físico; acesso a infraestrutura hídrica; Diversificacao de Sistemas de Produção (animais e vegetais); Gestão de bens comuns; Integração em Espaços Políticos Organizativos e Acesso à políticas públicas.
As tranformações sociais e agroecológicas da revolução silenciosa
Os resultados nos 10 territórios do SAB mostraram mudanças significativas entre PI e PII em relação aos indicadores analisados. Em média, houve uma melhoria significativa no acesso à infraestrutura de água (+ 33%), diversificação de sistemas de produção (Animais +36% e Vegetal + 61%), gestão de bens comuns (+ 45%), Integração em espaços políticos organizativos (+ 24%) e acesso a Políticas Públicas (+ 29%). Assim sendo, a “convivência com a semiaridez” passou do conceito, à ação como consequência do conjunto de transformações estruturais, agroecológicas, sociais, e de manejo em combinação com o fortalecimento de mecanismos de reciprocidade comunitária, caracterizados pela criação de reservas de recursos para uso em tempos de seca; o uso eficiente dos recursos naturais disponíveis; e a articulação, organização e momentos sinérgicos de comunicação entre os diversos sujeitos com interesses em jogo.
Os territórios estudados sofreram mudanças importantes no (PII) relacionadas a técnicas e inovações como, por exemplo, cisternas domésticas de água de beber (Programa 1 Milhão de Cisternas – P1MC) e de cisternas de água para produção (Programa Uma Terra e Duas Águas – P1+2), plantios consorciados de culturas, inovações sociais, organização e participação em políticas públicas.
Os agricultores e agricultoras familiares do recorte da ASA Brasil, a qual beneficia cerca de dois milhões de famílias, segundo a pesquisa, promoveram processos de produção melhorada com base na valorização dos recursos locais (clima, solos, realidade social, gestão comunitária, etc.), o uso de tecnologias apropriadas e práticas de gestão agroecológicas, tudo isso causou um aumento das reservas de recursos que possibilitaram uma maior circulação produtiva dentro das suas propriedades.
Muitas potencialidades no Semiárido Brasileiro
A pesquisa evidenciou que existem muitas possibilidades para o SAB, sobretudo no que diz respeito as suas potencialidades naturais: frutas nativas, flores, plantas ornamentais, fragrâncias, minerais, artesanato, alimentos e uma grande variedade de riqueza derivada de ervas medicinais em toda a região, isso sem falar da arte, da cultura e da ciência. Reafirmando que “a região semiárida” continua a ser um importante desafio para o Brasil, tanto em relação à sua singularidade e diversidade quanto ao seu alcance territorial e populações elevadas, o que exige um maior empenho dos governos e da sociedade brasileira como um todo, ratifica a pesquisa.
Aprendizagens das condições necessárias
O documento também traz a reflexão sobre o processo de aprendizagem e resiliência que tem desencadeado o processo de convivência nestes territórios pesquisados. Numa visão mais ampla a pesquisa destaca que, para fortalecer as estratégias de convivência com a semiaridez, cinco conjuntos de condições são necessários, a saber: O exercício da comunicação como direito humano, educação contextualizada, e intencionalização expressa nas criações e transformacões humanas, sejam elas físicas ou abstratas. Ou seja, a cultura intencionada como estratégias para a compreensão das limitações e potencialidades de zonas áridas, semiáridas e sub-úmidas secas, e capacidade transformadoras e criadora de seus habitantes, desde uma formação crítica e cidadã; A agroecologia como ciência, como um processo de transformação social, como conhecimento acumulado, como processos de construção e afirmação das comunidades e povos, com base em conhecimentos e práticas locais; A retomada da assistência técnica rural, com base em conceitos e estratégias de convivência e resiliência nas zonas áridas, semiáridas, e sub-umidas seca, assumidas como processos a gestão do conhecimento e não como a imposição de conhecimento, tecnologia e inovações; O acesso à terra, água e biodiversidade como condições básicas para a construção de resiliência, adaptação, mitigação e soberania alimentar; O fortalecimento da convergência do conhecimento das matrizes acadêmicas e populares, estimulando o diálogo de saberes e a realização de reflexões e estudos cada vez mais transdisciplinares, sempre deixando a porta aberta para novas perspectivas e aplicações.
Considera ainda que, nos próximos anos, será necessário ampliar e consolidar iniciativas de desenvolvimento para esta região do país, que promovam a inclusão eficaz de diferentes atores locais, especialmente aqueles que foram ignorados pelas políticas públicas no curso da história.
Os territórios pesquisados foram: Médio Sertão-Alagoa (AL), Sertão São Francisco-Bahia (BA), Ibiapaba-Ceará (CE), Alto Rio Pardo-Minas Gerais (MG), Borborema-Paraíba (PPB), Cariri – Paraíba (PBC), Sertão do Araripe-Pernambuco (PE), Vale do Guaribas-Piauí (PI), Sertão do Apodi-Rio Grande Do Norte (RN) e Alto Sertão-Sergipe (SE).
A pesquisa completa está disponível em: http://www.mdpi.com/2071-1050/9/6/990
Para maiores informações pode escrever para: [email protected] e [email protected]
Fonte: www.insa.gov.br
Por Simone Benevides e Aldrin M. Perez-Marin