Promovida pela Articulação do Semiárido Paraibano – ASA Paraíba e pelo Instituto Nacional do Semiárido – Insa, em parceria com a Rede Paraibana de Núcleos de Agroecologia, a Oficina de Raças Nativas na Agricultura Familiar Agroecológica promoveu um espaço privilegiado para os encontros entre o conhecimento acadêmico-científico e o conhecimento popular acumulado pelos agricultores guardiões e guardiãs de raças nativas.
A programação do evento de três dias (14 a 16 de agosto) privilegiou momentos de compartilhamento de experiências por parte de agricultores criadores mulheres, jovens, assessores técnicos, estudantes, professores e pesquisadores da área da criação animal em bases agroecológicas.
“Muitas vezes, as raças exóticas significam dinheiro para alguns, resultados de pesquisas para outros e prejuízos para os criadores”, a afirmação é de Haroldo Schistek, agrônomo e pesquisador fundador do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Adaptada – IRPAA, de Juazeiro-BA, durante a palestra magistral “Raças Nativas, mudanças climáticas e convivência com o Semiárido”.
Por meio da metodologia do “Carrossel de Experiências”, os participantes se dividiram em quatro salas, com apresentações de 30 minutos em cada uma. Ao final desse tempo, um sinal sonoro informa aos grupos que é hora de “girar”, ou seja, passar para a sala seguinte e conhecer e próxima experiência, assim sucedendo até que todos tenham visitado e dialogado com as apresentações de todas as quatro salas.
As experiências compartilhadas foram sobre temas como Fundo Rotativo Solidário de ovelhas da raça Morada Nova para jovens, as sementes animais de galinhas de capoeira, a criação de abelhas da raça jandaíra e de gado e suínos ‘pé duro’. Em todas as análises e depoimentos, agricultores e especialistas afirmaram que as raças exóticas demandam um grande número de insumos externos e que as rações são tratadas com substâncias químicas fazendo as plantas terem um valor nutricional menor, diferente das raças nativas onde a família produz a comida dos seus animais na sua propriedade, sem ficar dependendo de insumos externos.
Muitos acadêmicos, de diferentes áreas de conhecimento, participaram do evento, alguns com a apresentação de trabalhos e pesquisas participativas em formato de pôsteres. Edvaldo Sebastião da Silva tem 23 anos, mora no assentamento Santo Antônio, em Cajazeiras-PB e é estudante do terceiro ano de medicina veterinária, no Instituto Federal de Educação Tecnológica da Paraíba – IFPB, Campus Sousa-PB. O jovem se sentiu tocado com as experiências e luta para que aconteçam mais momento como este. “Por muito tempo eu fui um jovem sem identidade, não sabia se queria ser um jovem do campo ou da cidade. Hoje consegui afirmar a minha identidade, sou um jovem do campo e quero ajudar a melhorar o campo. Há dois anos estou na Universidade e nenhuma vez eu vi o que estou vendo aqui dentro dela. É uma briga nossa para que a gente veja o estudante fora dos muros da universidade e ver os agricultores dentro, acessando e participando das pesquisas que são feitas. As histórias de vocês me inspiram e com certeza a muita gente aqui também”.
As mesas de diálogo aprofundaram os temas “Raças Nativas e sistemas de criação animal em regiões semiáridas” e “Legislação Sanitária para Produtos Agroecológicos de Origem Animal”. Uma das experiências socializadas, foi a das mulheres indígenas da região da Argentina conhecida como Charco, na Província de Formosa, onde uma associação de mulheres atesas e tecelãs, encontraram na sua auto-organização um caminho para a valorização da comercialização de peças de lã com animais selecionados e de fibra vegetal, ambos tingidos com tinturas naturais retiradas da floresta nativa, com sua conservação. A experiência foi apresentada por Sebastian de La Rosa, do Centro de Validación de Tecnologías Agropecuarias – CEDEVA.
As Rodas de diálogo debateram oito temas: 1. Estratégias de seleção, conservação e manejo de raças domésticas locais; 2. Segurança alimentar animal e a preservação, conservação e uso racional da caatinga; 3. Sanidade animal em raças locais; 4. Produtos tradicionais de animais de raças locais e gastronomia; 5. Raças locais, Fundo Rotativo Solidário e práticas que promovam autonomia; 6. Etnozootecnia, conhecimento local e diversidade e 7. Criação animal no arredor de casa.
Concurso de fotografia – Em uma das noites do evento, foi entregue a premiação para o primeiro lugar e os troféus para os primeiros três lugares do concurso de fotografias promovido pela Oficina.
Do evento saiu um conjunto amplo de compromissos para a continuidade do trabalho, entre os quais se pode destacar: fortalecer e intensificar as iniciativas de estocagem de forragem; debater a sanidade animal à partir das plantas medicinais; fortalecer os núcleos de agroecologia das universidades como espaços de formação para os futuros profissionais e estreitar o diálogo entre universidade e agricultores; Lutar para que as famílias agricultoras possam acessar os bancos genéticos das instituições de pesquisa; Estimular a multiplicação, as trocas e as doações de animais de raças nativas; Manter a alimentação dos eventos com comida saudável, comprada dos agricultores e divulgar e socializar as experiências sistematizadas, entre outros.
Para Reginaldo Bezerra de Lima, criador do Sítio Luiz Gomes, em Caraúbas-PB, o evento foi muito importante para demonstrar a força que tem a agricultura familiar com a sua diversidade de raças, costumes e manejos. Ele também ressaltou a troca de experiências e o intercâmbio de saberes populares e acadêmicos e os aspectos culturais da arte à alimentação: “Foi importante para nós a expressão cultural do povo com os aboios, cantorias, cordéis, coco de roda, o forró. Destacar ainda a qualidade da alimentação feita com produtos comprados pelas famílias agricultoras. Tudo isso foi muito importante”, avaliou.
Geovergue Medeiros é pesquisador do INSA e foi um dos integrantes da organização da Oficina, ele avalia que esse tipo de iniciativa serve para reafirmar a parceria entre as instituições de pesquisa e as organizações sociais e que o evento ultrapassou as expectativas: “A gente tem a sensação de dever cumprido, o evento trouxe importantes lições, desafios e propostas. Isso fortalece a temática, foi um evento muito exitoso”, avalia.
A Oficina de Raças Nativas contou com o apoio da Finep – Financiadora de Estudos e Projetos, Coordenadora Ecumênica de Serviço – Cese, Universidade Estadual da Paraíba – UEPB e do Centro Vocacional Tecnológico de Agroecologia e Produção Orgânica: Agrobiodiversidade do Semiárido – CVT e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq.