“A nossa sociedade tem tentado, todos os dias, apagar a história do povo negro, queimam museus, queimam livros. Mas o poder da oralidade, da fala, de poder chegar para as crianças e contar para elas quem somos, quem foram seus avós, essa alegria, esse brilho, esse conhecimento, ninguém tira de nós. Eu sempre digo que nunca é tarde para a gente olhar para trás e colher os ‘pedaçinhos’ que foram ficando pelo caminho, são nossas raízes, isso nos dá força e vínculo”, comenta Luíza Cavalcante, agricultora do Sítio Ágatha, município de Tracunhaém, na Zona da Mata Norte de Pernambuco.
A liderança foi uma das convidadas da Roda de Diálogo sobre Identidade Racial e Racismo realizada pelo Polo da Borborema em parceria com a AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia, na última sexta-feira (22), em Lagoa de Roça-PB. O momento faz parte do processo preparatório para a 10ª Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia, promovida todos os anos pelo Polo da Borborema e pela AS-PTA no mês de março. Em 2019, a marcha acontecerá no município de Remígio-PB e seu tema central nesta edição será o racismo e como ele recai sobre a vida das mulheres.
Luiza falou sobre a importância de se aprofundarem na cultura, nas tradições e nos conhecimentos negros, as mulheres negras ocupem também os espaços de poder e de fala para denunciar o racismo. “Venho do movimento agroecológico, que pensa a natureza e um mundo bom de se viver. Quando digo que precisamos elevar a nossa voz para denunciar o racismo que existe nesse espaço, dizem que estou querendo causar divisão no movimento, mas acho que nós, enquanto mulheres negras, somos invisibilizadas”, reclama Luiza.
Outra convidada, Mariana Reis, negra, comunicadora e pesquisadora pernambucana, em sua fala, chamou a atenção para a necessidade da afirmação da negritude em um cenário onde, o negro está sempre colocado à margem da sociedade. Ela ressaltou ainda o simbolismo da forma como aconteceu o bárbaro assassinato da vereadora negra e moradora da favela Marielle Franco, ocorrido em março de 2018: “Marielle foi assassinada com tiros na cabeça, que é onde está a força e o nosso principal poder, nossa inspiração, nosso pensamento, nossa produção de conhecimento. Isso é muito simbólico, ela morreu porque incomodava, é a morte não só física, mas simbólica também”.
A assistente social e ativista dos direitos das mulheres negras de Campina Grande-PB, Jô Oliveira, foi a terceira convidada da Roda de Diálogo. Ela falou sobre o chamado “mito da democracia racial” que paira sobre o país e que segundo ela, é uma tentativa de diluir os conflitos e invisibilizar a discriminação e o preconceito que as pessoas da cor negra sofrem na pele todos os dias. “Querem que a gente pense que todos são iguais, mas quem é negro sabe que numa abordagem policial, será tratado diferente pela cor da sua pele. A mulher negra e pobre que vai numa Unidade Básica de Saúde sabe que ela terá menos consultas de pré-natal que uma mulher branca naquela mesma unidade e que o médico tocará menos em seu corpo. Então como militante, eu tenho o compromisso de trazer essas questões, precisamos enfrentar esse debate”.
Participaram do momento de diálogo, cerca de 100 agricultoras dos 14 municípios onde o Polo da Borborema, uma rede de 13 sindicatos de trabalhadores rurais atua há mais de 20 anos na região da Borborema. Após as falas, abriu-se uma rodada de debate onde as mulheres presentes se seguiram comentando e partilhando emocionantes depoimentos sobre suas vivências. Esse momento foi fundamental para o movimento de mulheres do Polo da Borborema que deu passo importante para afirmação de suas identidades e o entendimento que ela é sua fonte de poder.