Elka Macedo
Ouvir rádio faz parte do cotidiano de milhares de famílias que residem no semiárido. Seja no campo ou na cidade, a programação radiofônica acompanha as pessoas, informando, divertindo e entretendo. Nos pequenos municípios, muitas vezes o rádio é o principal meio de disseminação dos fatos que acontecem na localidade e na região. No meio rural, a sua importância é ainda maior, visto que em muitos locais o sinal de telefone e internet inexiste.
Mesmo quando há acesso à internet, à televisão e a tantos outros meios de comunicação mais modernos e hoje popularizados, o rádio não perde seu status e espaço dentro das casas e da vida das famílias agricultoras. Se não em casa, mas em seu formato portátil, o rádio acompanha os (as) agricultores (as) na roça, na feira e nos terreiros. Agroecologia, segurança alimentar, armazenamento das sementes, políticas públicas e ações de preservação do meio ambiente são alguns dos temas que se pautados nas rádios podem sensibilizar e orientar a sociedade, angariando seu apoio. Nesse sentido, o rádio constitui uma ferramenta estratégica importante e necessária de mobilização e disseminação de bandeiras e lutas que podem transformar a vida das populações do semiárido.
“Enquanto exerce a tarefa de revelar cenários atuais e sugerir possibilidades futuras, o rádio permite a formação da autoconsciência e da consciência coletiva […] A linguagem da Rádio é a linguagem que o seu público ouve, fala e compreende; sua programação é contextualizada” (PEREIRA, 2001, p.03).
Além disso, o rádio abre um leque de possibilidades para atrair o interesse dos mais diversos públicos, uma vez que se pode optar por uma variedade de formatos de programas, seja jornal, radioteatro, radionovela, revista ou mesmo spots (pequenas propagandas). Cavalcanti e Pareyn (2007) reforçam esse potencial de assumir múltiplos formatos, afirmando que podem ser grandes aliados na formação de uma nova consciência ambiental, trazendo temas de interesse da comunidade, ajudando a decodificar certas informações e a estimular a participação, o envolvimento dos diversos atores sociais.
RADIOTEATRO: UMA VELHA FERRAMENTA ATUALIZADA PARA E PELOS JOVENS DE HOJE
Pensando na abrangência e na importância do rádio para a formação de opinião pública, o Centro de Assessoria e Apoio aos Trabalhadores e Instituições Não Governamentais Alternativas (Caatinga) desenvolveu oficinas de radioteatro envolvendo crianças e adolescentes, filhos (as) de agricultores (as). Essa modalidade radiofônica consiste na contação de narrativas reais ou fictícias com início, meio e fim, para serem veiculadas no rádio. Utilizando personagens e efeitos sonoros, o dinamismo do radioteatro tem o poder de atrair, informar e divertir os mais diversos públicos, tanto os ouvintes como aqueles envolvidos na sua produção.
O objetivo maior dessas oficinas não é apenas ensinar a técnica, mas informar e formar crianças e adolescentes acerca de bandeiras e temas defendidos pelo movimento agroecológico, bem como disseminar tais assuntos de forma lúdica e objetiva para as populações do Araripe pernambucano – território de atuação direta do Caatinga.
Estruturadas em módulos práticos, as oficinas permitiram que as crianças e os adolescentes trabalhassem em grupos, escolhessem os temas, criassem personagens e dividissem os papéis e as falas. Depois de gravados e editados, os episódios de radioteatro foram veiculados no programa de rádio da instituição – Programa Agricultura Familiar em Debate –, que vai ao ar aos sábados das 7h às 8h da manhã na Rádio Voluntários da Pátria AM (a rádio é comercial e, portanto, o horário é alugado pelo Caatinga). Algumas das produções que abordaram temas mobilizadores, a exemplo do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), foram disponibilizadas no site da instituição e gravadas em CD para serem distribuídas em escolas públicas rurais do município de Ouricuri.
Além de ser uma experiência nova, fazer radioteatro foi bem legal. E foi bom saber o que é o PNAE, porque a maioria dos estudantes que tem o PNAE funcionando não conhece. Eu acho importante que eles saibam porque vão saber da procedência do alimento que consomem, que é da agricultura familiar e que só vai trazer saúde para eles, avaliou a jovem Niemilly Alencar, do Sitio Canto Alegre, Ouricuri (PE), ao se referir à oficina.
A viagem no ambiente imaginativo proporcionou aos pequenos a experiência de serem protagonistas de sua própria história e elaborar, nesse sentido, finais felizes, como no caso do roteiro que narra como uma associação se organizou para conseguir acessar o PNAE no município, melhorando a renda das famílias e a qualidade da alimentação dos estudantes das escolas públicas da localidade, inclusive seus filhos; ou a história de uma família que abandonou o uso de venenos e passou a adotar práticas agroecológicas.
Em 1983, o educador Paulo Freire (1983, p. 45) já destacava a importância da comunicação como algo que favorece o protagonismo das pessoas, visto que, […] na comunicação, não há sujeitos passivos. Os sujeitos cointencionados ao objeto de seu pensar comunicam seu conteúdo. O que caracteriza a comunicação enquanto este comunicar comunicando-se é que ela é diálogo, assim como o diálogo é comunicativo.
À luz de Freire, podemos vislumbrar o quanto a participação do povo na produção do conteúdo tem resultados expressivos e positivos. Ao envolver jovens e crianças em espaços de debate, possibilitando a construção de seus próprios produtos, a exemplo dos episódios de radioteatro, consegue-se então atingir uma sensibilização espontânea e conjunta de vários atores da sociedade. A experiência no Araripe estimulou pais, parentes e vizinhos a ligar o rádio e sintonizar na estação, com o intuito de ouvir o que os pequenos tinham a dizer. O fato é que as crianças e adolescentes envolvidos conseguiram naturalmente mobilizar as famílias para escutar e pensar sobre os temas abordados. Utilizar o rádio ou outro veículo de comunicação para disseminar iniciativas como essa é, sem dúvida, o exercício do direito humano à comunicação.
É salutar refletir sobre os meios de comunicação enquanto instrumentos estratégicos de mobilização que vêm sendo ocupados e utilizados pelas minorias para a divulgação de ações de interesse coletivo e defesa de direitos básicos. Sabe-se que, embora pautada como direito humano, a comunicação no nosso país é dominada por a seletos grupos de empresários e políticos, o que dificulta o seu exercício pleno pelo povo.
Desse modo, Comparato (2001, p. 13) parte do princípio de que a comunicação social, numa sociedade democrática, é matéria de interesse público, isto é, pertinente ao povo, não se podendo, portanto, admitir nenhuma forma direta ou indireta de controle particular sobre os meios de comunicação de massa.
Nesse sentido, a democratização dos meios de comunicação acontecerá à medida que cada pessoa se sensibilize sobre o seu direito de se expressar e de ocupar espaços de mídia e saiba aproveitar e utilizar instrumentos alternativos para manifestar pensamentos e bandeiras. Esse movimento de apropriação e reivindicação é necessário para se contrapor aos grandes monopólios da mídia brasileira tradicionalmente avessos a abrirem espaço para que a população possa comunicar suas demandas de forma livre e democrática.
APRENDIZADOS
A comunicação plural e acessível a todas as pessoas, independente de credo, cor, raça ou classe social, ainda é um sonho a ser realizado. Entretanto, em alguns recantos do nosso país, pequenas ações tornam esse desejo realidade. Iniciativas envolvendo produções em rádio e vídeo, a publicação de boletins e a criação de blogs e páginas em redes sociais têm sido a saída encontrada por organizações não governamentais, movimentos sociais, comunidades e grupos de jovens e mulheres para tomar a parte que lhes cabe neste latifúndio que é a comunicação de massa no Brasil.
E é com o uso dessas ferramentas que muitas mobilizações são feitas e conseguem atrair milhares de pessoas para a defesa de bandeiras de luta e de direitos. Agroecologia, as estratégias de convivência digna e sustentável com o semiárido e as lutas pelo fim da violência contra a mulher e pela efetivação de políticas que garantam seus direitos são algumas das pautas que, mesmo não sendo replicadas pelos grandes meios, vêm ganhando visibilidade no cenário nacional.
Reconhecemos, por fim, que fazer comunicação com as pessoas e para as pessoas ainda é um grande desafio. Mas a cada pequena iniciativa temos a prova de que é possível fazer diferente e gerar um sentimento de pertencimento da população em relação aos produtos e materiais que dão espaço e voz ao povo.
Elka Macedo
Assessora de comunicação da ONG Caatinga e Bacharel em Comunicação Social pela Universidade do Estado da Bahia (Uneb)
[email protected]
Referências Bibliográficas:
ALENCAR, Niemilly. Ouricuri: 2015.
Programa Agricultura Familiar em Debate, (Rádio Voluntários da Pátria). Entrevista concedida a Bruno Morais.
ASSUMPÇÃO, Zeneida Alves de. A rádio na escola: uma prática educativa eficaz. Revista de Ciências Humanas. Universidade de Taubaté, v. 7, n. 2, jul.-dez. 2001. p. 33-38. Disponível em: http://www.bemtv.
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janeiro de 2016.
CAVALCANTI, Edneida Rabelo; PA- REYN, Frans Germain (Org). O uso da rádio na educação e co- municação ambiental: contribuição para a gestão integrada de recursos hídricos e florestais no semiárido brasileiro. Recife: Associação Plantas do Nordeste; Fundação Joaquim Nabuco, 2007. Disponível em: <http://www.fundaj.
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COMPARATO, Fábio Konder. A democratização dos meios de comunicação de massa. Revista USP, São Paulo, n.48, p. 6-17, dez./fev. 2000-2001.
FREIRE, Paulo . Extensão ou comunicação? 8ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. 93 p. (O Mundo, Hoje, v. 24).
PEREIRA, Célia Maria Corrêa et al. Educação em ondas: o rádio como instrumento e como possibilidade. In: Congresso Brasileiro de ciências da Comunicação, 24, 2001, Campo Grande. Anais… Campo Grande: Intercom 2001, v. 1. p. 142-142. Disponível em: <http://www.caro-
souvintes.org.br/blog/wp-content/
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Revista V13N1 – O radioteatro como instrumento de mobilização da juventude camponesa