Adriana Galvão Freire
Não sou escrava, nem sou objeto/ Para se fazer de mim o que bem quer/ Não tenho dono, não sou propriedade/ Eu quero liberdade, me deixa ser mulher/ Eu quero ser/ me deixa ser/ O que mereço/ Eu quero ser quem sou/ Eu tenho meu valor/ E este não tem preço.
A letra da música que se tornou o hino na luta por autonomia, pelo fim de toda forma de opressão e violência contra as mulheres, por justiça social e pela afirmação da Agroecologia foi entoada a uma só voz por mais de cinco mil camponesas vindas de todos os municípios que compõem o Polo da Borborema e de outras regiões do estado da Paraíba. Vestidas de branco ou de lilás, de chapéu na cabeça e bandeira na mão, as mulheres foram ocupando as ruas do centro da cidade de Lagoa Seca para participarem de mais uma Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia que, em 2015, chegou à sexta edição.
Motivadas pela peça de teatro Zefinha vai casar, trocaram testemunhos e debateram sobre as diferentes formas de violência, no corpo e na vida das mulheres. Ao final da manhã, após ouvirem depoimentos e de afirmarem o valor de sua contribuição econômica e produtiva para a agricultura familiar numa grande feira de saberes e sabores, as mulheres retornaram às suas comunidades para seguir marchando pela construção de uma sociedade mais justa. Agora, mais fortalecidas e encorajadas pela dor, pela solidariedade, pelo conhecimento e pela alegria das companheiras, sentem que não estão mais sós e que, juntas, podem enfrentar as raízes das desigualdades de gênero no meio rural.
Este artigo pretende trazer à luz a trajetória de ação do Polo da Borborema –um fórum de sindicatos e organizações da agricultura familiar que articula 14 municípios e mais de 5 mil famílias do Agreste da Borborema. Com a assessoria da AS-PTA – Agricultura Familiar e Agroecologia, o Polo consolidou uma rede de agricultoras-experimentadoras que vem promovendo transformações profundas na vida de centenas de mulheres e vem protagonizando a construção de um projeto de desenvolvimento em base agroecológica para a região.
UMA REDE DE AGRICULTORAS-EXPERIMENTADORAS
Inspirado pela prática inovadora de três sindicados de trabalhadores e trabalhadoras rurais (Solânea, Remígio e Lagoa Seca) – que, assessorados pela AS-PTA, desenvolveram estratégias de ação capazes de incidir sobre a essência da problemática da agricultura familiar da região –, o Polo da Borborema reorientou, no início dos anos 2000, sua ação em torno da construção de um projeto coletivo de desenvolvimento local baseado no fortalecimento da agricultura familiar e na promoção da Agroecologia.
No decorrer dos últimos 15 anos, foi sendo consolidada uma intensa dinâmica de experimentação de inovações por meio de processos coletivos de aprendizagem assentados na revalorização dos conhecimentos locais sobre o manejo dos agroecossistemas. Foram também realizados inúmeros diagnósticos coletivos, mobilizando um amplo acervo de saberes que se abre para a busca de novos conhecimentos dirigidos à superação dos obstáculos técnicos, econômicos e sócio-organizativos para a produção agroecológica. No curso dessa trajetória, vivenciou-se uma crescente expansão social e geográfica de inovações técnicas e sócio -organizativas no território.
Embora a trajetória bem-sucedida das famílias agricultoras se devesse em grande parte ao paulatino envolvimento das mulheres, a cultura patriarcal permanecia impregnada na organização familiar e institucional. Ao invisibilizar e desqualificar o conhecimento, o trabalho e os resultados econômicos das mulheres, restringindo a sua participação e o exercício integral de suas capacidades, esse quadro de desigualdades entre homens e mulheres constituía uma barreira para a plena incorporação da Agroecologia na região.
O enfoque de gênero na ação do Polo começou a ganhar força e consistência com a realização, em 2002, de um diagnóstico no qual um grupo de agricultoras de diferentes municípios aceitou o desafio de refletir sobre a organização e as formas de inserção de seu trabalho produtivo no âmbito da unidade familiar, a partir do seu local e de seu cotidiano. Elas apontaram, em especial, a casa e o espaço do entorno (nomeado de arredor de casa) como as principais áreas de atuação e expressão de sua capacidade produtiva. Foram então identificadas as partes constituintes e as múltiplas funções do arredor de casa para o funcionamento produtivo e de cuidado da casa e da família. Também foram levantados os principais desafios para seu aprimoramento técnico e visibilidade social. Refletiram também sobre possíveis formas de superarem coletivamente os problemas por elas identificados.
Por ser uma região de elevada concentração da agricultura familiar, a Borborema passou – e ainda passa – por um processo de minifundização, o que levou o arredor de casa, um espaço rico em fertilidade e umidade, a ser gradativamente ocupado pelos roçados, espaços produtivos geralmente coordenados pelos homens. Embora não tenha desaparecido por completo, esse pedaço de terra passou a ser um campo de conflitos de interesses, aumentando a vulnerabilidade econômica e social das agricultoras, criando situações de extrema subordinação e pobreza das mulheres.
A partir de um Seminário Regional sobre os Arredores de Casa, com a participação de cerca de 150 mulheres, fomentou-se um processo de experimentação voltado para a revitalização e o reordenamento desse espaço. O trabalho partiu justamente da revalorização e da visibilidade dos conhecimentos das mulheres sobre as práticas tradicionais, como a gestão da água, incluindo as práticas de reuso; o resgate das plantas medicinais; o papel das cercas na organização e na otimização dos arredores de casa; o significado das pequenas criações para a economia doméstica; a função do quintal na fertilidade do solo e no teste de novas variedades de sementes, etc.
O grupo que participou do diagnóstico ajudou a encontrar experiências exitosas de gestão do arredor de casa que foram sistematizadas e socializadas durante o seminário e, mais tarde, em uma reunião ampliada do Polo da Borborema. O surgimento de novas demandas levou o Polo a constituir a Comissão de Saúde e Alimentação que passou desde então a funcionar como espaço para planejar, executar e monitorar as ações de experimentação e formação das agricultoras.
Incorporando os princípios metodológicos já empregados na assessoria ao Polo da Borborema, o seminário foi o ponto de partida para o estímulo e o fortalecimento de uma dinâmica de intercâmbios de agricultora a agricultora. Motivadas pela necessidade de superação de uma problemática técnica, as mulheres passaram a visitar experiências dentro e fora de seus municípios. A Comissão de Saúde e Alimentação coordenou o processo e atuou politicamente no sentido de assegurar os recursos necessários para que as mulheres pudessem experimentar e adaptar inovações de manejo em seus quintais.
Depois do diagnóstico do arredor de casa, foram realizados outros tantos estudos da realidade da região que mobilizaram novos conhecimentos sobre a gestão dos arredores de casa e sobre a inserção e o significado do trabalho das mulheres nos agroecossistemas. Os estudos abordavam temas específicos, desde as plantas medicinais, as pequenas criações e as frutas nativas até meios para a superação da pobreza, avaliação da produção econômica nos quintais, entre outros. A sucessão de estudos foi fundamental para a sistematização de conhecimentos acumulados pelas mulheres que ainda estavam dispersos e pouco visíveis, inclusive por elas mesmas.
Esses estudos também foram determinantes para o incentivo à inovação por meio da experimentação local, na medida em que favoreceram a livre circulação de conhecimentos e estimularam o espírito criativo para qualificar os sistemas produtivos das agricultoras. Os intercâmbios, por outro lado, foram essenciais para a quebra do isolamento dessas mulheres, ao possibilitar que elas se encontrassem e se reconhecessem, viabilizando uma paulatina ruptura das barreiras culturais que as prendiam na cozinha de casa. Esses encontros contribuíram ainda para a afirmação da identidade coletiva de agricultoras-experimentadoras, que passou também a marcar um lugar político na dinâmica do Polo da Borborema.
A reconquista material e a ressignificação simbólica do quintal como área de propriedade e domínio da mulher; a sua reorganização produtiva; a geração de renda; a aquisição de bens –como cisternas, telas de arame ou animais – via políticas públicas ou, principalmente, pela capacidade de se auto-organizar por meio de Fundos Rotativos Solidários provocaram duas grandes mudanças de percepção fundamentais para a consolidação do trabalho. A primeira foi o reconhecimento do arredor de casa como um subsistema importante dentro do estabelecimento familiar por sua capacidade de gerar riquezas, segurança e soberania alimentar e bem-estar para a família. Em segundo lugar, à medida que as agricultoras reassumem o domínio do espaço, vão conseguindo tomar iniciativas na produção e na economia com êxito, assim como vão conquistando mais poder nas esferas pública e privada.
FUNDO ROTATIVO SOLIDÁRIO: UMA FERRAMENTA PARA A APRENDIZAGEM SOBRE AUTONOMIA E AUTO-ORGANIZAÇÃO
Ao estimular os intercâmbios entre as agricultoras, foi necessário dar condições às mulheres de repetirem a experiência em sua casa. A Comissão de Saúde e Alimentação passou então a apoiar a organização nas comunidades rurais de Fundos Rotativos Solidários (FRS), destinados a financiar a implantação de um conjunto de inovações em suas propriedades. Os FRS são sistemas econômicos que têm como base os laços sociais de reciprocidade e ajuda mútua e o resgate das práticas de partilha preexistentes nas comunidades rurais. O resultado foi um número crescente de grupos de mulheres agricultoras se organizando em torno da constituição e da gestão dos Fundos Solidários espalhados por mais de 90 comunidades do Polo da Borborema. Dessa forma, a rede de agricultoras-experimentadoras passou a envolver mais de 1.300 mulheres na região.
Para além da democratização do acesso às inovações e aos seus conhecimentos associados, os FRS e os intercâmbios cumprem muitas funções na formação política das mulheres, seja no exercício da auto-organização, seja na superação das desigualdades e da opressão. Sair de casa e voltar com a possiblidade concreta de promover o bem-estar de toda a família é conquistar o direito de interferir também nas redes sociais em que as agricultoras estão inseridas, mudando sua relação com os demais membros da casa. Adquirir um bem com sua própria capacidade é ter a chance de superar a privação de recursos financeiros para construir e/ou implementar suas escolhas e, sobretudo, beneficiar-se delas.
A trajetória de superação construída pelas mulheres do Polo da Borborema, contudo, não se fez sem conflitos. Durante o percurso, viveu-se a ampliação de tensionamentos reveladores das diversas formas de opressão e dominação das mulheres ancoradas em uma cultura patriarcal. Tais fatos cobraram um aprofundamento da reflexão sobre as desigualdades de gênero e o reconhecimento de que, sem entendê-las e questioná-las, não se avançaria na construção de um projeto político emancipador da agricultura familiar no território.
SUPERANDO AS OPRESSÕES E AS DESIGUALDADES DE GÊNERO
Ao final de 2007, o Polo da Borborema e a AS-PTA se desafiaram a olhar para a realidade buscando pistas para a compreensão de como essas mudanças na vida das mulheres se concretizaram, ou quais seriam as oportunidades e as barreiras para sua efetivação. A ideia era construir uma estratégia mais clara de ruptura com o patriarcalismo e o machismo. Esse trabalho foi inaugurado com a Oficina sobre as relações sociais entre homens e mulheres. Tomando como foco a sustentabilidade dos sistemas em processo de transição agroecológica, a oficina se baseou na sistematização de três casos significativos nos quais as mulheres passaram a assumir papéis de destaque na promoção da Agroecologia. Junto com as agricultoras, buscou-se refletir e questionar o quadro de subordinação das mulheres e identificar e dar visibilidade às estratégias de superação das desigualdades nas relações sociais.
Um desses casos voltou a ser estudado com profundidade durante o processo de sistematização promovido pelo Grupo de Trabalho de Mulheres da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA). A partir da experiência da agricultora Vanda, a assessoria e algumas lideranças da Comissão de Saúde e Alimentação puderam refletir sobre as formas de expressão das desigualdades vividas no trabalho, na utilização do espaço, do seu tempo e da renda, no reconhecimento social de seu papel e nas relações de poder, tanto no âmbito privado quanto no público. Nesse momento, portanto, foi possível analisar como Vanda conseguiu abrir tantas portas, como a própria agricultora simbolicamente chamou as etapas vivenciadas em sua trajetória de superação da condição de subordinação para o despontar de uma nova liderança.
Os elementos de análise construídos durante a sistematização foram fundamentais para o aprofundamento do trabalho na região, agora incorporando explicitamente o debate sobre desigualdades das relações de gênero. A crítica ao patriarca do, a discussão sobre estratégias para a sua desnaturalização e a reflexão sobre o que isso significa para a sociedade em que estão inseridas passaram a ser elaboradas nos espaços de interação proporcionados pela rede de experimentação agroecológica. Portanto, foram debates e reflexões ancorados na realidade concreta e no ambiente cultural no qual as mulheres agricultoras vivenciam suas lutas do cotidiano. Depois de Vanda, muitas outras mulheres sentiram-se encorajadas a abrir um mundo antes velado, inacessível. Nesse sentido, ao expor sua história de vida ao debate público, Vanda contribuiu decisivamente para abrir muitas outras portas.
Para subsidiar esses momentos de formação política e de problematização da própria vivência, tem-se investido, a cada ano e para cada tema, na produção de metodologias e materiais pedagógicos. O primeiro deles foi a transformação em audiovisual da sistematização da vida de Vanda. Esse vídeo foi apresentado e debatido durante todo o processo preparatório da primeira Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia. Além das sistematizações, as experiências de muitas mulheres passaram a ser organizadas em esquetes, vídeos, vídeo-novelas, místicas, poesias, cordéis, músicas, painéis para debate sobre divisão sexual do trabalho, etc.
Mas o instrumento que causou mais impacto foi a peça de teatro sobre a família fictícia composta pelo casal Margarida e Biu e seus filhos Tonho e Zefinha. A cada ano, o roteiro da peça narra diferentes situações de violência e opressão vividas pelas mulheres da família que nascem a partir da escuta de muitas histórias dentro dos processos preparatórios às Marchas. E é justamente por isso que as agricultoras se identificam tanto. Agora é Margarida que empresta sua vida para que se possa desnaturalizar o lugar secundário, inessencial em que a mulher é colocada na ordem da sociedade.
A MARCHA PELA VIDA DAS MULHERES E PELA AGROECOLOGIA
Há seis anos, o Polo da Borborema e a AS-PTA organizam a Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia como um momento de denúncia e de grande visibilidade pública dessas desigualdades.
A primeira edição da Marcha aconteceu em 2010, no município de Remígio (PB), com a participação de 700 mulheres. Nos anos seguintes, o que se observou foi a adesão de um crescente número de participantes. Em 2015, a sexta edição levou às ruas de Lagoa Seca mais de 5 mil camponesas, mostrando ser um movimento positivo de retroalimentação entre os processos de experimentação e politização do trabalho. Se, no início dessa trajetória, era a base de experimentadoras que saía às ruas, hoje a Marcha é também um ponto de partida para que muitas passem a procurar seus sindicatos para se integrar ao trabalho com a Agroecologia.
Cada edição da Marcha é precedida por um intenso processo de sensibilização e formação das mulheres, mas também dos homens do movimento e da equipe de assessoria. São realizados encontros de mulheres nos 14 municípios que fazem par- te do Polo da Borborema e, a cada ano, é trabalhada uma metodologia voltada a desnaturalizar as amarras culturais que determinam as desigualdades sociais entre os sexos. Há ainda o estímulo para que novos encontros e conversas aconteçam em seus grupos de fundos rotativos, beneficiamento, associação comunitária ou mesmo entre vizinhas. Foram distribuídas mil cópias do vídeo A vida de Margarida, a fim de que as mulheres tivessem autonomia para animar os novos debates.
Esse momento preparatório também é repetido nos demais espaços organizativos do Polo, reunindo um público misto das equipes técnicas do Polo da Borborema e da AS-PTA. Nessas ocasiões, há fortes testemunhos ora carregados de dor, ora de alegria pela superação da violência. Dessa forma, a superação das desigualdades e da violência não é mais vista como uma questão só das mulheres, tornou-se uma questão de justiça social, uma ação política dos sindicatos.
SUPERAÇÃO DA VIOLÊNCIA – O CASO ANA ALICE
O tema das diversas formas de manifestação da violência contra as mulheres foi abordado desde a construção da primeira edição da Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia. Os materiais pedagógicos produzidos, sobretudo a peça teatral e o vídeo A vida de Margarida (sendo Zefinha quer casar um segundo episódio), facilitavam a compreensão das violências sexual, física, psicológica, moral e patrimonial. Contudo, o tema da violência física e sexual ganhou força quando uma jovem militante do Polo da Borborema foi brutalmente violentada e assassinada em 2012. Com o desaparecimento da jovem, não houve outro caminho que converter a dor em luta, tomando o fim da impunidade como bandeira. Diversas instituições se organizaram em torno do Comitê de Solidariedade Ana Alice e foi por meio dele que se conseguiu descobrir o corpo da jovem 50 dias após o seu desaparecimento. No dia 18 de agosto de 2015, finalmente o assassino foi a júri popular e condenado a 34 anos de reclusão. Nessa trajetória, o Comitê pôde atuar em outros casos de violência contra a mulher. Todos igualmente com sucesso na condenação dos culpados. O conjunto de ações do Comitê Ana Alice foi estratégico no trabalho de desnaturalização da violência contra a mulher. As mulheres do Polo da Borborema não aceitam mais se calar diante de qualquer tipo de violação de seus corpos e direitos.
NÃO HÁ TEMPO PARA BAIXAR AS BANDEIRAS
Com o processo contínuo de formação das lideranças e das equipes, o tema das mulheres passou a ser incorporado na ação das demais Comissões Temáticas do Polo da Borborema. A primeira, e a mais importante, aproximação foi com a Comissão da Água. Com a chegada no território do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2) da Articulação no Semiárido (ASA), que favorecia a construção de cisternas de 52 mil litros de água para a produção de alimentos, o Polo e a AS-PTA optaram por destinar a infraestrutura hídrica, num primeiro momento, aos arredores de casa, visando ao fortalecimento do trabalho conduzido pelas mulheres. Foi então elaborado um programa de formação específico em que se conseguiu ampliar a leitura sobre a importância do arredor de casa e dessas cisternas para a produção de alimentos, mas também contemplava um diagnóstico da divisão do trabalho produtivo na unidade familiar buscando dar visibilidade ao papel da mulher nos agroecossistemas. Além disso, o material pedagógico elaborado para enriquecer esse debate contribuiu para a capilarização sobre as reflexões relacionadas às desigualdades das relações de gênero nas comunidades da região. De forma semelhante, ao se discutir internamente à Comissão de Cultivos Ecológicos a produção de alimentos livre de agrotóxicos, por exemplo, passaram a ser concebidas e consideradas as necessidades específicas da produção das mulheres.
As mulheres foram então ampliando sua inserção em todos os espaços. Estão em todas as Comissões Temáticas, marcando presença também na coordenação do Polo da Borborema, em seus sindicatos, na gestão de fundos rotativos, nas feiras agroecológicas e na gestão de empreendimentos. Elas estão ainda na representação em Conselhos Municipais, levando com precisão e qualidade o projeto político do Polo.
O sucesso dessa abordagem metodológica foi ter vinculado a experimentação agroecológica com a reflexão sobre as desigualdades de gênero, criando um ambiente de reflexão crítica propício para a construção de novos conceitos sobre o papel de homens e mulheres na agricultura familiar.
No entanto, no dizer das lideranças do Polo, não há tempo para se baixar as bandeiras, a luta é todo dia. O ambiente de diálogo criado no território permitiu que os tensionamentos – no interior das famílias, mas também nos espaços públicos – sejam constantemente enfrentados. Nessa lógica de superação de conflitos, as relações e a cultura vão pouco a pouco assumindo contornos mais justos e solidários. Ainda longe de ser o ideal, é bem verdade. Mas o mais importante é que o movimento desses homens e mulheres está conseguindo marcar um lugar de sujeito histórico na luta por transformações sociais, na luta pela vida das mulheres e pela Agroecologia.
Adriana Galvão Freire
assessora técnica da AS-PTA
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Revista V12N4 – Pela vida das mulheres e pela agroecologia: agricultoras da Borborema reescrevem suas histórias