Sonia Irene Cárdenas Solís
Em meio ao conflito de uma década na Colômbia, a Agroecologia surgiu como uma estratégia para ajudar as mulheres a lidar com os efeitos perversos da guerra e, ao mesmo tempo, alimentar suas famílias. A Associação de Mulheres Organizadas da cidade de Yolombó (Amoy), no departamento de Antioquia, não só promove atividades agroecológicas, mas também oferece apoio para que as mulheres enfrentem os horrores da guerra, ao propiciar um espaço em que elas podem expressar seus medos e sofrimentos, encontrar refúgio e desenvolver estratégias para se proteger dos grupos armados.
Nos últimos 50 anos, cerca de 5,2 milhões de agricultores colombianos foram expulsos de suas terras e cerca de oito milhões de hectares de terras agrícolas foram tomados de seus proprietários devido ao conflito armado interno da Colômbia. A guerra e as políticas neoliberais causaram muito sofrimento, especialmente para as mulheres agricultoras. Buscando superar essa situação, muitas mulheres começaram a participar de iniciativas de inovação agroecológica, assegurando o abastecimento alimentar e, ao mesmo tempo, lutando por justiça social e ambiental. Um bom exemplo desse fenômeno é a experiência da Associação de Mulheres organizadas de Yolombó (Amoy), que sinaliza como a Agroecologia pode contribuir para a transformação das relações de poder historicamente marca- das pela subordinação das mulheres.
As integrantes da Amoy se reuniram pela primeira vez em 1994, alguns anos antes da escalada do conflito armado. Elas discutiram problemas como a escassez de água, o desmatamento, a degradação dos solos e a diminuição da diversidade das culturas alimentares. Nas palavras de uma das associadas: Estamos preocupadas porque não estamos conseguindo alimentar nossas famílias. Devemos trabalhar em conjunto para melhorar as nossas vidas e cuidar do meio ambiente para que os nossos recursos não desapareçam. Elas começaram a questionar por que tinham tão pouco acesso ao crédito, por que não possuíam terras, por que não tinham acesso algum a tecnologias e por que elas possuíam tão poucos animais e lavouras. Além disso, identificaram que gastavam muito tempo cuidando de suas famílias porque, por exemplo, eram obrigadas a andar longas distâncias para conseguir água e lenha. A partir dessas reflexões, buscaram mecanismos para aumentar sua renda e investir em questões que consideravam primordiais: educação, saúde e melhores condições de moradia.
As mulheres queriam imprimir mudanças profundas em suas vidas para passarem a ter perspectivas de um futuro digno para si e para seus filhos. Ninguém, incluindo as próprias mulheres, valorizava o seu trabalho árduo e, consequentemente, a sua autoestima era muito baixa. Durante as reuniões promovidas pela Amoy, elas refletiram e perceberam que uma das principais causas desses problemas era a falta de autonomia, que envolvia a falta de poder de decisão e a falta de acesso aos meios de produção. Para empoderar as mulheres, a Amoy combinou o enfoque agroecológico com a abordagem ecofeminista. Dessa forma, busca assegurar a satisfação das necessidades de subsistência ao fortalecer a estreita relação que elas mantêm com a natureza.
PRÁTICAS AGROECOLÓGICAS ELEVAM GRAU DE AUTONOMIA DAS MULHERES
Por meio da participação na Amoy, as mulheres começaram a aplicar sistematicamente fertilizantes orgânicos e práticas de conservação do solo, diminuindo a sua dependência de insumos agroquímicos e fortalecendo sua autonomia. Hoje, 87% dos estabelecimentos agrícolas fabricam seus próprios fertilizantes orgânicos, enquanto 62% dos animais são alimentados com produtos e resíduos gerados na própria unidade produtiva. A introdução de tecnologias adequadas, tais como biocompostagem, secadores solares e fogões ecoeficientes, contribuiu para economizar energia e tempo gasto na coleta de lenha. Com o incentivo à manutenção da agrobiodiversidade, várias espécies cultivadas localmente foram salvas da extinção, assim como houve o resgate de diversas práticas alimentares da cultura local. De acordo com um inventário recente, as mulheres atualmente cultivam, no total, 82 espécies alimentícias, medicinais e forrageiras. Além disso, sete espécies de animais domésticos são criadas, incluindo 13 raças locais de galinhas. As mulheres conseguiram se capitalizar por meio do aumento da produção, da implantação de um sistema de crédito, bem como da criação de um fundo rotativo para a aquisição de animais e materiais (os recursos são empregados, por exemplo, para a construção de estábulos ou a fabricação de preparados biológicos).
Para melhorar seus meios de vida, as mulheres da Amoy decidiram priorizar a produção de alimentos para o autoconsumo e a diversificação das explorações agrícolas, lançando assim as bases para uma economia viável e estável, em vez de depender das imprevisíveis flutuações do mercado. Atualmente, os estabelecimentos agrícolas produzem mais da metade dos alimentos que compõem a dieta das famílias, enquanto a outra metade é obtida por meio de trocas ou doações de parentes e vizinhos ou ainda por meio da compra nos mercados.
As mulheres foram pouco a pouco aumentando seu grau de autonomia por meio do desenvolvimento de estratégias para melhorar o acesso a recursos. Compartilharam seus animais e ferramentas de acordo com as suas necessidades e fizeram pequenos empréstimos de fundos rotativos e fontes de microcrédito. Graças a esses mecanismos, conseguiram adquirir seus próprios animais e, em alguns casos, adquirir as casas onde vivem e as terras que cultivam. Em sua luta por autonomia, as mulheres também conseguiram imprimir transformações no seio da própria família, tornando-se menos subordinadas e reagindo à violência doméstica. Segundo uma delas: Ao conquistar novas fontes de renda e recursos para a produção, a nossa posição em nossas casas mudou. Agora elas são mais respeitadas por seu conhecimento e trabalho, e seus maridos estão se envolvendo cada vez mais na agricultura. A elevação da autoestima e o crescente acesso aos recursos produtivos reafirmaram o papel das mulheres como produtoras de alimentos e contribuíram para a construção de uma identidade com base em suas próprias forças e capacidades.
A ESCALADA DO CONFLITO
A abordagem da Amoy provou ser poderosa nas práticas do dia a dia, mas também foi importante no enfretamento de situações críticas relacionadas ao conflito armado do país. Poucos anos depois da fundação da Amoy, a crise na Colômbia agravou- se seriamente. No final da década de 1990, houve a escalada do conflito armado, e a vida das mulheres estava continua- mente em risco. Durante esse período violento, cerca de 50 pessoas foram mortas na cidade de Yolombó e cerca de 700 abandonaram a região. Grupos paramilitares tomaram terras de muitas pessoas, especialmente de mulheres, assim como proibiram expressamente a realização de reuniões comunitárias, o que também impedia que as mulheres continuassem com as discussões e o desenvolvimento de estratégias de longo prazo baseadas na Agroecologia. Mais grave ainda, houve períodos em que as partes em conflito obrigaram os agricultores a entregar seus animais e plantações. Diante disso, as mulheres decidiram reduzir o número de animais, o que comprometeu o processo de transição agroecológica.
Naquela época, a prioridade era garantir a sobrevivência e a autossuficiência no dia a dia, já que era muito difícil comprar alimentos nos mercados. A Amoy participou do movimento Rota Pacífica das Mulheres, que luta contra a guerra e propõe a negociação política como uma saída para o conflito armado. Ao fazer parte desse movimento, a Amoy ganhou legitimidade e força para levantar publicamente as bandeiras pela verdade, justiça e reparação.
Em 2000, depois de dois anos de proibição das reuniões comunitárias, os grupos de mulheres foram reativados e aquelas que retornaram a Yolombó receberam ajuda da Amoy na forma de sementes e animais para reprodução. A associação priorizou projetos de reconstituição dos sistemas agrícolas. Por meio desse trabalho, a organização ajudou suas integrantes a superar os horrores da guerra. Era um espaço em que elas podiam expressar seus medos e sofrimentos, encontrar refúgio e desenvolver estratégias para se proteger dos grupos armados. A Amoy organizou eventos rituais simbólicos em memória das vítimas e para ajudar a curar as feridas da comunidade. Os rituais consistiam, por exemplo, em evocar o nome dos mortos e reverenciar suas almas, ao plantar coletivamente culturas forrageiras em lugares onde ocorreram massacres.
Desde 2005, muitas pessoas, especial- mente homens jovens, abandonaram o campo. Em parte, devido ao conflito, mas também em função da falta de políticas que promovam a agricultura familiar e da constante deterioração dos recursos naturais por meio do desmatamento, da erosão e das atividades mineradoras. Nesse contexto, a Amoy continua a se reinventar, aprimorando as práticas agroecológicas que garantem a segurança alimentar e as fontes de renda nos mercados locais, com base no empoderamento e na solidariedade das mulheres.
RUMO A UM FUTURO DE PAZ
Após essa década de violência, ainda há muitas fronteiras a transpor. A migração masculina continua intensa, o que faz com que a Agroecologia permaneça sendo uma estratégia conduzida principalmente por mulheres. Um grande obstáculo é a ausência de perspectiva de um acordo duradouro de paz. Nesse sentido, as atuais negociações em Havana entre a guerrilha e o governo dão esperança de que um período de estabilidade virá, proporcionando melhores condições para o avanço do processo de transição agroecológica em Yolombó.
A trajetória da Amoy representa um caminho de reflexão coletiva e aprendizagem permanente e mostra que a transição agroecológica não pode ser vista de forma desassociada de outros aspectos da vida, especialmente em um contexto de conflito violento. A abordagem da Amoy de interligar subsistência, sustentabilidade e autonomia provou ser particularmente eficaz para as suas integrantes, especialmente ao vincular as estratégias de práticas agrícolas com o fortalecimento organizacional. Esse exemplo revela que, em circunstâncias críticas, como o conflito armado, a Agroecologia contribui para a construção de mecanismos de resistência e adaptação a situações que envolvem grandes mudanças. O processo da Amoy não foi voltado apenas para a restauração de princípios ecológicos, mas também para o fortaleci- mento da capacidade das mulheres de decidir sobre o seu presente e influenciar o seu futuro por meio do exercício da cidadania e da construção da confiança em suas próprias capacidades.
Sonia Irene Cárdenas Solís
Doutoranda em Recursos Naturais e Sustentabilidade na Universidade de Córdoba, Espanha, e consultora de gênero da WWF, na Colômbia
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Revista V12N4 – Construindo autonomia, território e paz