G.S. Unni Krishnan Nair
Trivandrum é a capital de Kerala, o estado mais ao sul da Índia. A cidade é densamente povoada e a maioria dos seus habitantes trabalha em escritórios do governo e do setor privado. Como o valor da terra é bastante alto, se comparado com as áreas semi-urbanas e rurais das imediações, as habitações na cidade praticamente não possuem espaços disponíveis para o plantio de hortas e para a criação de pequenos animais. As hortaliças consumidas na cidade geralmente vêm de plantações das regiões agrícolas próximas ou do estado vizinho de Tamil Nadu.
A população do estado de Kerala possui alto índice de alfabetização, chegando a quase 100% em Trivandrum. De forma geral, seus habitantes são conscientes em relação aos cuidados com a saúde e, por isso, a origem dos alimentos que consomem desperta muito interesse. Essas preocupações com a qualidade dos alimentos aumentaram depois do estudo realizado pelo Departamento de Entomologia da Universidade de Agricultura de Kerala. Os resultados do estudo revelaram altos níveis de resíduos de agrotóxicos – bem acima do limite máximo – em amostras de hortaliças consumidas no estado e vendidas nos mercados da cidade. Além disso, o relatório ressaltava uma série de riscos à saúde associados à presença desses resíduos nas hortaliças. O estudo foi amplamente divulgado na imprensa e, em 2002, a Diretoria Estadual para Serviços de Saúde emitiu um alerta público sobre o assunto.
“Ter hortaliças frescas ao alcance da mão é somente um dos benefícios do programa Agricultura na Cidade. Os agricultores urbanos também podem consumir espécies que não são encontradas nos mercados”.
INCENTIVANDO O CULTIVO NOS TERRAÇOS
Assim como alguns agricultores próximos a Trivandrum já produziam hortaliças organicamente há vários anos, algumas pessoas vinham cultivando hortaliças na cidade há mais de uma década. Contudo, essa prática era bastante desorganizada e pouco conhecida na cidade. Foi depois do alerta de saúde que alguns indivíduos e associações de moradores passaram a pensar mais seriamente no cultivo de hortaliças nos terraços das casas. Após buscarem auxílio junto ao governo local, o Departa- mento de Agricultura do Governo de Kerala lançou oficialmente, no final de 2002, um projeto denominado Agricultura na Cidade. O grande número de inscrições individuais ou por parte de associações de moradores logo após o lançamento demonstrou o grande sucesso da iniciativa. O programa foi popularizado pela imprensa, levando milhares de habitantes de Trivandrum e de outras cidades de Kerala a adotarem a prática de cultivar nos terraços.
Sementes de hortaliças, sacos de ráfia sintética ou vasos de jardim, assim como ferramentas agrícolas, são fornecidos aos interessados pela metade do preço. Tanques de concreto, feitos com manilhas, também podem ser adquiridos pela metade do preço, incentivando os produtores urbanos a produzirem vermicomposto (ver Quadro).
Cursos organizados pelo Departamento Estadual de Agricultura em colaboração com as associações de moradores (presentes em cada bairro da cidade) foram oferecidos gratuitamente. A aula teórica é geralmente realizada com a apresentação de slides sobre práticas de agricultura urbana. Na maioria das vezes, essas aulas são seguidas por visitas a dois ou três terraços cultivados. Assessores do programa visitam os novos terraços cultivados e encorajam os agriculto- res urbanos a manterem contato entre si e a buscarem orientações adicionais. Artigos sobre cultivo em terraços passaram a ser publicados nos jornais locais.
AGRICULTURA URBANA
Até o momento, cerca de duas mil famílias de Trivandrum incentivadas pelo programa praticam agricultura nos terraços . Muitas outras fazem o mesmo por conta própria. O mais comum é o cultivo em sacos de ráfia sintética ou em vasos com uma mistura de duas partes de terra, uma parte de areia e uma parte de vermicomposto (ou qualquer outro adubo orgânico disponível, como esterco seco de gado, de galinha ou de cabras). Os sacos ou vasos são colocados sobre tijolos para evitar o contato direto com a superfície do terraço.
Muitas hortaliças podem ser plantadas nos sacos. Algumas famílias chegaram a plantar inhame, mandioca, abacaxi e banana. A rotação de cultivos para reduzir pragas é recomendada e a irrigação precisa ser feita cuidadosamente para que a água não se infiltre no terraço. Se todos os membros da famí-ia tiverem que sair e a irrigação não puder ser feita, recomenda-se que deixem sacos cheios de água com pequenos furos sobre as plantas. O vermicomposto, o esterco seco de gado, o composto comum ou a torta de nim são periodicamente utilizados como adubo. Há também famílias que cultivam em pequenas estufas.
O senhor.K.P. Pillai cultiva seu terraço há 30 anos. Ele é um exemplo para os outros participantes do programa. Seu terraço possui uma área de apenas 74 m² onde cultiva hortaliças em vasos de cimento e em pneus velhos. Ele junta esterco de cabras de uma comunidade rural vizinha e, depois de seco, o armazena em sacos de ráfia sintética. Esse esterco fornece a maior parte dos nutrientes para as suas plantas, embora ele também utilize esterco de gado seco em pó, farinha de osso e torta de amendoim.
O Sr. Pillai foi um dos primeiros a se inscrever no programa. Atualmente produz vermicomposto e as pragas são controladas com uma solução de sabão, que consiste em dissolver 4-5 colheres de sabão em pó em um balde de água. Ele aprendeu com sua própria experiência quais as espécies de hortaliças melhor se adaptam ao seu sistema de cultivo e prefere produzir suas próprias sementes. Sobre o terraço tem treliças para servirem de suporte a plantas trepadeiras, como as cucurbitáceas (família da abóbora). Árvores frutíferas, como o mamoeiro e a bananeira, também são plantadas. Ele e a esposa dedicam uma hora pela manhã e uma hora pela tarde às atividades no terraço e vêem muitas vantagens nelas.
A partir do exemplo do Sr. Pillai, muitas famílias também estenderam lonas para sombrear o terraço, sob as quais podem criar galinhas em pequenos galinheiros. Outras famílias optaram por cultivar a alga azola em tanques feitos com lona para usá-la como adubo de cobertura para as plantas e como alimento para as aves. As pragas são controladas com catação manual, com iscas-armadilha, com soluções de sabão ou com inseticidas à base de vegetais, tais como decocção de fumo, suspensões de semente de nim e emulsões de óleo de nim-alho. Muitas famílias têm observado que os ataques de pragas não são severos pelo fato de os terraços receberem bastante luz solar direta.
LIGAÇÕES URBANO-RURAIS
Os agricultores das áreas rurais estão atentos às mudanças nas tendências de consumo na cidade. Eles sabem que os cultivos nos terraços estão ganhando popularidade em função do interesse pela saúde, mas não consideram isso uma ameaça imediata aos seus meios de vida. Afinal, os produtores urbanos não produzem todas as hortaliças e frutas necessárias para as suas famílias e, portanto, ainda precisam comprar de agricultores. Mas os produtores urbanos agora são muito mais seletivos. Por exemplo, bananas com aparência muito boa, mas produzidas com altas doses de adubos químicos e agrotóxicos, são sempre evitadas, não somente pelos produtores urbanos, mas também pela maioria dos consumidores urbanos. Diante disso, alguns agricultores, isoladamente ou em grupos, começaram a reduzir o uso de químicos e a aprender práticas da agricultura orgânica com os extensionistas do Departamento de Agricultura. Alguns até vendem seus produtos como orgânicos, embora não sejam comuns os sistemas de certificação de hortaliças orgânicas em Kerala. São os próprios consumidores que julgam se a produção vendida é ou não orgânica – em geral, sabe-se que produtos orgânicos não são tão grandes e podem ter algumas manchas de mordidas de insetos, mas são mais saborosos.
Além disso, os produtores urbanos continuam preferindo comprar sementes de hortaliças diretamente dos agricultores rurais em vez de adquirir no mercado, uma vez que acreditam que aquelas variedades que vêm sendo cultivadas por muitas gerações são melhores. Além das sementes, também adquirem estercos dos agricultores rurais que, com isso, têm a oportunidade de diversificar a venda de produtos de suas propriedades.
BENEFÍCIOS
Uma avaliação dos resultados do programa Agricultura na Cidade comprovou que os cultivadores de terraço conseguem produtos frescos da horta e ovos livres de resíduos químicos – especialmente quando comparados com aqueles vendidos nos mercados. As famílias afirmam também que poupam dinheiro com essa prática. Estima-se que algo em torno de mil toneladas de hortaliças são produzidas por ano pelos agricultores urbanos em seus terraços. Enquanto os custos de produção para o cultivo de hortaliças em um terraço de 40 m² podem chegar a 5 mil rúpias por ano (aproximadamente US$ 100), o valor produzido pode facilmente ultrapassar 40 mil rúpias.
Inspiradas pelo sucesso do programa, as autoridades locais em Trivandrum lançaram um novo projeto este ano cujo objetivo é envolver as crianças no cultivo em terraços em suas casas. Ao mesmo tempo em que promove uma atividade educativa para as crianças, o novo projeto estimula seus pais a assimilarem essa prática. O projeto distribui gratuitamente um kit contendo sementes de hortaliças, adubo orgânico seco em pó e duas mudas de banana a alunos de 20 escolas na cidade.
Outros benefícios foram mencionados por agentes públicos de saúde. Como resultado de estilos de vida ocupados e acelerados, mas sedentários, muitas pessoas de meia-idade e idosas na cidade têm problemas de saúde, como obesidade, pressão alta, diabetes ou elevados níveis de colesterol. Ao iniciarem a prática de plantio em terraços, essas pessoas passaram a se exercitar diariamente, o que é uma medida preventiva contra muitos desses problemas. Ao mesmo tempo, o lixo das casas foi muito reduzido, pois boa parte dos restos orgânicos são reciclados para a produção de vermicomposto.
O Sr. Pillai menciona que, ao cultivar seus próprios vegetais, pode consumir espécies raramente disponíveis no mercado, inclusive algumas que possuem propriedades benéficas à saúde. Citando o Sr. Pillai: “Acima de tudo, o sabor e a satisfação de comer algo produzido com as próprias mãos não podem ser expressos em palavras.”
G.S. Unni Krishnan Nair
Departamento de Agricultura do Governo de Kerala
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Baixe o artigo completo:
Revista V4N4 – Agricultura na cidade: alimentos saudáveis em Trivandrum, Índia